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2º Domingo da Páscoa

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou…

   O Evangelho se abre com um episódio ocorrido no próprio dia da Ressurreição. Ao cair da tarde, ainda os encontramos reunidos no Cenáculo. Temerosos de que os judeus viessem à sua procura e os levassem paraa prisão, fecharam bem todas as portas do local. Não obstante, enquanto conversavam, “Jesus entrou”.

   Neste caso, o medo que se apoderou dos Apóstolos foi útil, e até providencial, para lhes oferecer uma prova irrefutável da Ressurreição de Jesus em Corpo glorioso, pois se a casa estivesse aberta eles imaginariam que o Mestre havia entrado pelas vias normais. De fato, esse ato de transpor barreiras físicas decorre de uma das propriedades dos corpos gloriosos, a sutileza, pela qual os Bem-aventurados são capazes de atravessar outros corpos sempre que o queiram.

…e, pondo-Se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.

   Esta passagem traz um aviso, um conselho e um convite para nós: sempre que procuramos a companhia de Jesus — seja no Santíssimo Sacramento, seja numa cerimônia litúrgica, seja em qualquer circunstância em que elevemos nossa alma até Ele — devemos estar em paz, pois só assim nos beneficiaremos inteiramente de sua presença. Isto é, precisamos aquietar as paixões, eliminar os apegos e as aflições com as coisas concretas e colocarmo-nos em atitude contemplativa.

Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.

   Compreende-se que São João faça constar o quanto os discípulos se alegraram com isso. Haviam-se dissipado todas as inquietações, graças à paz infundida por Jesus, sem a qual não teriam desfrutado o imenso dom que Ele lhes oferecia ao manifestar-Se.

   Vemos ainda acentuada a necessidade de nunca abandonarmos o espírito contemplativo — quer estejamos em meio às atividades, quer enfrentando um drama, quer nas ocasiões de júbilo —, bem como a importância de vigiarmos sempre para impedir que nossas más inclinações nos dominem, roubando-nos a paz. No temor, na dor ou na confusão, na euforia, no entusiasmo ou na consolação, nunca devemos perder a paz! Nisto consiste o estado de santidade.

Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio”.

   Com que objetivo o Pai enviou Jesus ao mundo? Para salvar os homens, revelando, ensinando, perdoando e santificando, e é esta a missão que o Redentor transfere aos Apóstolos reunidos em plenário, já no primeiro encontro posterior à sua Ressurreição. Tal é a função da Igreja, de modo particular dos que são chamados ao ministério sacerdotal, mas também de todo apóstolo: quanto lhes seja possível, têm obrigação de instruir nas verdades da Fé e encaminhar para o perdão, promovendo a santificação das almas pelo exemplo e pela palavra.

E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”.

   O Filho de Deus lhes conferia o poder de perdoar os pecados, deixando a seu encargo “o principado do supremo juízo, para que, fazendo as vezes de Deus, a uns retenham os pecados e os perdoem a outros”. De fato, sem a assistência do Espírito Santo não é possível exercer missão tão elevada, pois o confessor deve tratar cada alma tal como Jesus o faria, sabendo discernir as disposições do penitente, dar-lhe o conselho adequado e estimulá-lo ao sincero arrependimento de suas faltas.

Tomé, chamado Dídimo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. Os outros discípulos contaramlhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”.

   Tomé, ausente do Cenáculo quando Jesus ali estivera junto aos discípulos,não havia se beneficiado do convívio com o Senhor, e, ao ouvir a notícia, recalcitrou em não acreditar, declarando que só se convenceria se comprovasse por si mesmo a Ressurreição.

   Deus permitiu isso também para que os outros Apóstolos, já trabalhados por Nosso Senhor, tivessem um choque com atitudetão incrédula, e ficasse patente para eles a diferença entre quem ouvira duas vezes “A paz esteja convosco” e quem não fora objeto deste favor. Tomé vinha com a agitação da atividade, com as aflições de quem está alheio à contemplação e, em consequência, fraquejou na fé.

Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-Se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.

  Apesar de todas as graças recebidas na ocasião anterior, os Apóstolos ficam mais uma vez amedrontados. E é compreensível, pois, se a aparição de um Anjo incute temor, como não causaria a de um Deus feito Homem, ostentando em seu Corpo marcas de glória? Por isso Nosso Senhor lhes deseja outra vez a paz. Pazsobrenatural que Ele próprio comunica à alma de cada um.

Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E nãosejas incrédulo, mas fiel”. Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!”

   Assim como fizera aos outros, Jesus apresentou as mãos a Tomé e afastou a túnica, de modo a mostrar a chaga do lado, para que o Apóstolo incrédulo também se tornasse testemunha da Ressurreição. O felix culpa! Ao tocar nas sagradas chagas, São Tomé deu-nos a prova de que era realmente o Corpo do Divino Mestre, curando “em nós as chagas de nossa incredulidade. De maneira que a incredulidade de Tomé foi mais proveitosa para nossa fé do que a fé dos discípulos que acreditaram, porque, decidindo aquele apalpar para crer, nossa alma se afirma na fé, descartando toda dúvida”

   Há ainda nesta passagem outro aspecto que merece nossaatenção: tudo isto aconteceu depois de São Tomé receber a paz de Nosso Senhor. Do contrário, embora ele pusesse a mão na chaga de nada aproveitaria, porque é na paz que a fé, a esperança, a caridade — enfim, todas as virtudes — se desenvolvem.

Jesus lhe disse: “Acreditaste, por que Me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”

   Este versículo ressalta o contraste entre o caráter divino da Igreja e o seu elemento humano. Este último é incrédulo e, no fundo, infiel, pois é constituído de pessoas concebidas no pecado original e que, portanto, têm debilidades. Mas, enquanto instituição erigida por Cristo para santificar e salvar, ela é impecável, e nenhuma imperfeição humana atinge sua divindade.

Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que,crendo, tenhais a vida em seu nome.

   Impossível seria narrar tudo o que o Divino Mestre fez, pois a vida d’Ele foi um sinal permanente. Por esta razão, o Evangelista selecionou os episódios mais adequados à finalidade que tinha em vista, dentre os quais os dois encontros de Jesus com os discípulos, mencionados neste Evangelho. Com efeito, eles nos levam a concluir facilmente que Nosso Senhor Jesus Cristo é o Filho de Deus Vivo e que n’Ele devemos ver mais o lado divino do que o humano.

   Tenhamos sempre presente que, se não nos coube a graça de conviver com Nosso Senhor, nem ver e tocar suas divinas chagas, nos foi reservada, conforme a afirmação do Divino Mestre, uma bem-aventurança maior do que a deles: crer na Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Bem se poderiam aplicar a nós as palavras de São Pedro na segunda leitura (I Pd 1, 3-9) deste domingo: “Sem ter visto o Senhor, vós O amais. Sem O ver ainda, n’Ele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação” (I Pd 1, 8-9)

Obra consultada: DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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Solenidade da Epifania

I – A inocência diante do maravilhoso

   No trato com crianças não é difícil constatar o seu senso do maravilhoso. Quando o inocente está em formação e despontam os primeiros lampejos do uso da razão, ele se encanta com tudo quanto vê, acrescentando à realidade algo que ela, de si, não tem. Ou seja, imagina aspectos magníficos e grandiosos por detrás de aparências simples. É isso que constitui a alegria da vida infantil.

É indispensável alimentar a fé com as belezas da criação

   Nos tempos hodiernos, fruto de vários séculos de decadência moral, procura-se arrancar às crianças, o mais cedo possível, o maravilhoso. E com esta perda vai-se embora também a inocência. Aos poucos os jovens são introduzidos num ambiente onde o hábito de admirar já não existe. Às vezes, nos cursos de Religião se nota o empenho dos professores em dizer que nas Sagradas Escrituras muitos episódios não passam de lenda e fantasia, e não aconteceram como estão narrados. Tudo para dissuadir o aluno da ideia do milagre, da intervenção de Deus, do sobrenatural e da relação que há entre o homem, a ordem do universo e Deus.

   Tal sede de maravilhoso, tão viva no mundo dos inocentes, deveria permanecer no horizonte dos adultos e, inclusive, crescer. É preciso continuar crendo na maravilha e alimentar a fé com a contemplação das belezas criadas por Deus, pois até um colibri tentando tirar o seu alimento de uma flor, com elegância e agilidade, nos remete a Deus, a seu poder e formosura.

Consideremos a Epifania com senso do maravilhoso

   É por este prisma que analisaremos a Solenidade da Epifania. Joseph de Maistre dizia: “La raison ne peut que parler, c’est l’amour qui chante!   A inteligência só sabe falar, o amor é que canta”. Acompanhemos, então, a Liturgia deste dia com amor.

Guiados por uma estrela

   Um dos elementos principais é a visão da estrela que levou os Magos a se porem a caminho. De que modo se explica que eles tivessem discernido o simbolismo desse misterioso astro? A estrela avistada pelos Reis Magos, segundo São Tomás, não era um astro como os demais, pois tinha sido criada por Deus para aquela circunstância, não no céu, mas na atmosfera, perto deles, com o objetivo de manifestar a realeza celeste do Menino que nascera em Belém. Pelo fato de aos judeus o Senhor transmitir suas instruções através dos Anjos, foram estes que anunciaram aos pastores o nascimento do Messias. Aos Magos, contudo, acostumados a contemplar o firmamento, Deus comunica a mensagem mediante uma estrela. Presume-se que a distância percorrida pelos Reis, para os padrões atuais, não tenha sido grande. Naquele tempo, porém, a viagem era feita, na melhor das hipóteses, de camelo, com uma comitiva a pé. Era preciso ir a passo, o que tornava o deslocamento lento, não sendo possível percorrer mais de 30 ou 40 km por dia. As estradas eram precárias, sem mencionar os imprevistos, como animais ferozes, assaltantes, condições de hospedagem deficientes… Era uma aventura penosa e arriscada. Não obstante, eles não se preocupam com nada disso e põem-se a caminho em busca do Salvador, o Rei dos judeus. Mas quem os impele, realmente? A ação do Espírito na alma é mais importante que os sinais tanto aos pastores quanto aos Reis, o Espírito Santo falou no fundo da alma, inspirando-lhes a fé no advento do Messias. Com efeito, muitos outros avistaram a estrela, pois ela não fora invisível, e vários conheceram também o relato dos pastores de Belém, na noite de Natal; todavia, nem todos acreditaram, só aqueles que foram favorecidos por moções do Espírito Santo.

Confiamos mais em Deus se tivermos as mãos vazias

   Impelidos por um sopro divino, os Magos chegam a Jerusalém, imaginando talvez que o povo estivesse em festa pelo nascimento do Rei esperado. No entanto, apesar de encontrarem tudo na mais completa normalidade, e, na sua ingenuidade, vão pedir informações sobre o Rei dos judeus ao próprio Herodes. Era o homem a quem nunca deveriam procurar! Este fica perturbado, pensando que ia perder o trono. E o rei idumeu, embora rico e poderoso, não é capaz de se aproximar serenamente do Menino Jesus para Lhe render homenagem, mas quer matá-Lo. Eloquente contraste, útil para a vida espiritual.

   O que mais vale é saber onde está Nosso Senhor Jesus Cristo e adorá-Lo, ou possuir todos os bens da Terra? Muitas vezes Deus faz com que estes nos faltem, porque quando as mãos estão carregadas de riquezas é difícil juntá-las para rezar. Estamos mais aptos a confiar em Deus se temos as mãos vazias. Portanto, não nos perturbemos caso venhamos a passar necessidades. Enfrentar problemas, dramas e aflições é um dom de Deus. Quem não sofre e não experimenta alguma instabilidade deposita a segurança em si mesmo e acaba por voltar as costas ao Criador, o que lhe acarreta o maior dos sofrimentos: ignorar a felicidade de depender de Deus. Nesse sentido, recolhemos uma preciosa lição da simbologia da mirra oferecida pelos Magos, da qual pouco se fala. De sabor amargo característica evocativa do sofrimento, era usada também para embalsamar os cadáveres. Com tal oferecimento se tornava presente, já desde o momento de vir ao mundo e de dar a conhecer sua grandeza divina, a missão redentora do Menino e sua Morte na Cruz. A mirra também é útil para nós, porque recordando nosso destino final, a morte, modera nossa ganância e o desejo de viver para sempre nesta Terra.

 Atrás das aparências, a grandeza de Deus Encarnado

   Atitude diametralmente oposta à de Herodes é a dos Reis Magos, como afirma o Doutor Angélico: “os Magos são as primícias dos pagãos a crerem em Cristo. Neles apareceram, numa espécie de presságio, a fé e a devoção dos pagãos vindos a Cristo de lugares remotos. Ainda para São Tomás, não era conveniente que Nosso Senhor manifestasse toda a sua divindade através dos véus da natureza humana, logo ao nascer. Se imaginemos quando Ele ainda estava no berço viesse um Anjo e erigisse em poucos segundos um palácio no centro de Jerusalém, mais estupendo do que o Templo, uma coorte angélica descesse do Céu para anunciar a chegada do Messias e os judeus vissem uma criança em corpo glorioso, reluzente de esplendor, que papel teria a fé? Perderia sua razão de ser, uma vez que ela recai necessariamente sobre as coisas que não se veem. E em torno deste Menino, então, se juntariam, em seguida, todos os pragmáticos, todos os interesseiros, todos os oportunistas que quereriam fazer carreira à custa de seu prestígio. Porém, acrescenta São Tomás, a Encarnação do Verbo, para ser proveitosa, não podia permanecer oculta à humanidade inteira. Por tal motivo, Nosso Senhor Jesus Cristo quis revelá-la apenas a alguns, aos quais mostrou sua divindade por meio de pequenos sinais acompanhados da graça   suficiente em certos casos, superabundante em outros  , para que uns servissem de testemunho aos demais.

III – A Igreja, estrela que nos guia até Jesus

   A grande fé demonstrada pelos Reis Magos nos lembra a parábola do grão de mostarda. Ele é minúsculo, mas, uma vez plantado, cresce e torna-se um grande arbusto. Ora, esse Menino que vem ao mundo numa Gruta e hoje manifesta sua divindade aos soberanos vindos do Oriente, vai depois morrer no Calvário e de seu lado traspassado pela lança brotará a Santa Igreja. Esta nasce sem nenhum templo, de forma apagada, se desenvolve e, em certo momento, toma conta do Império Romano, até se expandir por todo o mundo. Quantas famílias, povos e nações inteiras ao longo da História se porão a caminho, à semelhança dos Magos, para seguir uma estrela: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Sim! Ela, a distribuidora dos Sacramentos, promotora da santificação e dispensadora de todas as graças, faz o papel de uma estrela a cintilar diante de nossos olhos, através do esplendor de sua Liturgia, da infalibilidade de sua doutrina, da santidade de suas obras, convidando-nos a obedecer à voz do Divino Espírito Santo que fala em nosso interior. Assim, a Igreja promove um novo desabrochar do senso do maravilhoso nos corações de seus filhos, parecendo nos dizer: “Olha como Deus é belo! Ele é o Autor de tudo isso”. Esta estrela é para nós, portanto, a alegria da existência, a segurança e a certeza dos nossos passos, a sustentação do nosso entusiasmo e do amor a Deus. Sobretudo, esta estrela é a garantia de uma eternidade feliz. Quem a ela se abraçar terá conquistado a salvação, quem se separar dela seguirá por outros caminhos e não chegará à Belém eterna, onde está aquele Menino, agora sim, glorioso e refulgente pelos séculos dos séculos.

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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O descobrimento do Brasil e a ação da Igreja

 
As figuras exponenciais que encontramos no nascedouro das grandes nações brilham, em geral, pelo agressivo e implacável heroísmo, conquistando a celebridade ora em guerras justas, ora em inqualificáveis rapinas. Entretanto, um personagem entrou para a História do Brasil não em um carro de triunfo puxado por prisioneiros e vencidos, nem os hinos de guerra celebraram sua vitória, nem as armaduras foram sua vestimenta. Serviu-lhe de traje a túnica branca de sua inocência; constituía-lhe o cortejo pacífico uma raça que tirara da vida selvagem e defendera contra o cativeiro, e uma nação inteira que ajudara a construir para a maior glória de Deus. Trata-se do Beato José de Anchieta, Apóstolo do Brasil.

 

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Primeira missa no Brasil

Muito se discute a atuação missionária da Igreja durante o período das grandes conquistas, em particular na América. Acusam-na de ter promovido – ou, ao menos, não ter impedido – o genocídio dos indígenas, ter destruído sua religião e aniquilado sua cultura. Entretanto, ressalvadas as falhas e pecados que neste vale de lágrimas acompanham toda obra humana, uma visão imparcial dos fatos nos mostra a prodigiosa obra não só religiosa, mas também civilizadora e social da Igreja junto às populações nativas.No afã de reunir as ovelhas dispersas sob a égide de um só Pastor, a Igreja Católica “não subtrai coisa alguma ao bem temporal de nenhum povo, mas, pelo contrário, fomenta e assume as qualidades, as riquezas, os costumes e o modo de ser dos povos, na medida em que são bons; e assumindo-os, purifica-os, fortalece-os e eleva-os”. 

Isto se passa porque, ao levar um povo ao conhecimento do verdadeiro Deus e à prática das virtudes cristãs, a Igreja acrescenta a seus dons naturais os dons sobrenaturais. Assim, não destrói suas qualidades próprias, mas as sublima, posto que “a graça não suprime a natureza, mas a aperfeiçoa”. É o que assinalou Bento XVI em sua viagem ao Brasil:

“O que significou a aceitação da fé cristã para os povos da América Latina e do Caribe? Para eles, significou conhecer e acolher Cristo, o Deus desconhecido que os seus antepassados, sem o saber, buscavam nas suas ricas tradições religiosas. Cristo era o Salvador que esperavam silenciosamente. Significou também ter recebido, com as águas do batismo, a vida divina que fez deles filhos de Deus por adoção; ter recebido, outrossim, o Espírito Santo que veio fecundar as suas culturas, purificando-as e desenvolvendo os numerosos germes e sementes que o Verbo encarnado tinha lançado nelas, orientando-as assim pelos caminhos do Evangelho.”

Esta obra deve-se, sobretudo, ao labor de dedicados religiosos — especialmente franciscanos e jesuítas — que, abandonando a Europa, aventuraram-se pelas terras do Novo Mundo. Segundo expressão do Padre Anchieta, aportavam “os expedicionários em busca de ouro para as arcas do Rei, e o padre em busca de almas para o tesouro do céu”. De onde lhes vinha tal zelo apostólico?

Após Sua gloriosa ressurreição, Jesus aparece aos onze discípulos reunidos e lhes outorga um mandato: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi”. Estava assim delineado o caráter missionário da Igreja Católica.

Animados por este espírito, os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, na armada que trazia o primeiro Governador-geral da Colônia, Tomé de Sousa. Foram designados para esta missão o Padre Manuel da Nóbrega, outros três padres e dois irmãos. Em contraste com a exuberante beleza da terra, os religiosos encontraram um lastimável panorama espiritual: privados de qualquer assistência religiosa, os colonos portugueses haviam caído em um completo desregramento moral; nas aldeias, achavam-se os índios arraigados aos piores vícios — a antropofagia, a embriaguez e a poligamia. Ainda outros fatores vinham agravar o quadro: a animosidade entre conquistadores e nativos, a cobiça daqueles, e a desconhecida língua destes.

Devido à grandeza da obra por realizar e a escassez de operários, uma nova leva de missionários foi enviada ao Brasil em 1553. É nela que encontramos o Padre Anchieta. Alguns anos antes, ainda estudante na Universidade de Coimbra, a leitura das cartas que São Francisco Xavier escrevia do Oriente determinou seu ingresso na Companhia de Jesus, desejoso de seguir o exemplo do Apóstolo das Índias na dedicação pela glória de Deus e bem dos homens; queria também ser missionário. Tal anseio não deixaria de ser atendido.

Desde os primeiros dias em terras brasileiras, aplicou-se a aprender a língua indígena com tanto proveito que em seis meses já a dominava. Antes do ano de 1556, redigiu sua “Gramática da língua mais usada na costa do Brasil”, facilitando a aprendizagem do idioma local pelos missionários recém-chegados da Metrópole. Dedicou-se também a escrever, em tupi, obras destinadas à catequese, entre elas: “Diálogos da Fé”, “Instrução para o batismo”, “Instrução para assistência aos índios em perigo de morte” e um “Confessionário”. Pôs, assim, nas mãos dos missionários do Brasil, e também do Paraguai, valiosos instrumentos de apostolado.

 

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Beato José de Anchieta

Fato pitoresco — e que revela o desejo de tornar a doutrina católica acessível à compreensão e cultura dos “brasís”, como costumava chamar os nativos — é que, em um de seus catecismos, o Padre Anchieta enumera, entre as consequências do pecado original na obra da criação, a agressividade das cobras e das onças . 

Segundo o método adotado pelos jesuítas, foram-se criando casas e seminários – localizados estrategicamente entre as vilas portuguesas e as aldeias indígenas – onde eram instruídas as crianças indígenas e os filhos dos colonos; ao mesmo tempo, formaram-se, em pontos não muito isolados do interior, núcleos destinados aos adultos, onde a catequese se fazia pela prédica, pelo exemplo e pelas pompas do culto; não se olvidava, entretanto, dos aldeamentos mais distantes para onde, sempre que possível, eram enviados missionários. Por toda parte, mas especialmente nas aldeias, poderíamos surpreender o Padre Anchieta rodeado por uma coorte de crianças ou adultos – brancos, mamelucos e índios – ávidos por escutá-lo. Isto nas principais capitanias da época, desde a Bahia até São Vicente, passando pela Guanabara e Capitania do Espírito Santo. Nos últimos anos de vida, ninguém conhecia melhor que Anchieta o litoral brasileiro.

Suas pregações eram entremeadas de versículos e imagens da Sagrada Escritura; não deixava, contudo, de refletir as circunstâncias locais. Sabia adaptar-se a seus ouvintes e mencionava, por exemplo, com a devida aplicação parenética, quedas de cavalo e picadas de cobra. Outra nota característica de seu apostolado foi a atividade poética e musical, já que boa parte de sua poesias se destinava ao canto, tanto nas funções sagradas como para serem disseminadas entre o povo; compôs também dramas sacros em tupi, para a edificação e entretenimento nas aldeias cristãs. A Eucaristia e a Virgem Maria – suas duas mais ternas devoções – eram os principais temas de suas composições, além de histórias bíblicas próprias a instruir os índios nas verdades evangélicas. Desta forma, elevava as almas para os ideais sublimes do cristianismo. Tão prodigioso era o efeito destes cânticos sobre os indígenas, que o Padre Nóbrega assegurava ser possível atrair só com a música todos os índios da América.

Sobre os frutos desta empresa, comenta Bento XVI: “A sabedoria dos povos originários levou-os felizmente a formar uma síntese entre as suas culturas e a fé cristã que os missionários lhes ofereciam. Daqui nasceu a rica e profunda religiosidade popular, em que aparece a alma dos povos latino-americanos”.

Mas se a finalidade que norteava a ação do Padre Anchieta em sua missão era primordialmente religiosa, não deixava de ter imensa repercussão para o progresso social. Segundo palavras de João Paulo II, “em todo este ingente esforço despendido por ele, […] havia uma visão e um espírito: a visão integral do homem resgatado pelo sangue de Cristo; o espírito do missionário que tudo fez para que os seres humanos dos quais se aproxima para ajudar, apoiar e educar, atinjam a plenitude da vida cristã”.

Cada um dos numerosos núcleos formadas pelos jesuítas no litoral e zona contígua tornou-se uma vila, e foi um método seguro e prático de fazer muito suavemente a passagem da vida da taba para a urbana. Entre todos os arraiais que se fundaram, o mais famoso e característico da ação dos missionários nesta parte do continente foi o que se constituiu em Piratininga. Foram atraídos para lá importantes chefes indígenas que, com seus parentes, estabeleceram-se no local escolhido pelos religiosos. Outro fator favorecia a aproximação dos índios destes aldeamentos: perseguidos pelos caçadores de escravos, eles encontravam um refúgio seguro junto aos missionários.

Começaram pela construção de uma capela de taipa, e de casas cobertas de palha e cercadas de ripas; as moradias se alinhavam formando praças e ruas, convenientemente aplainadas. Ergueu-se também o primeiro colégio dos jesuítas no Novo Mundo, inaugurado com uma missa celebrada no dia 25 de janeiro de 1554, festa da conversão de São Paulo, o Apóstolo das Gentes. Desta coincidência proveio o nome do colégio que se acabava de fundar, e, mais tarde, da grande cidade brasileira que ali nascia. O jovem José de Anchieta, contando apenas vinte anos, foi o esteio deste colégio. Sendo o único a possuir a formação necessária, ensinava as “Humanidades” aos estudantes da Companhia, e o catecismo e primeiras letras às crianças indígenas, pois elas recebiam, além da educação religiosa, a conveniente instrução primária.

Os missionários exerceram também um importante papel de mediadores entre colonos e nativos, sanando discórdias e ódios entre as duas raças. Fato característico deu-se nas aldeias de Iperoí, em uma contenda entre os portugueses e a tribo dos Tamoios, aliada aos franceses que procuravam conquistar a baía de Guanabara. Escreve o Padre Anchieta em uma de suas cartas que, vendo a inquietação que se espalhava por toda a capitania, o Padre Manuel da Nóbrega determinou ir em pessoa tratar as pazes com os índios, levando como intérprete o então Irmão José de Anchieta. Entregando-se à Divina Providência, foram “como homens morti destinatos, não tendo mais conta com morte nem vida que quanto for mais glória de Jesus Cristo e proveito das almas, que Ele comprou com sua vida e morte”.

Tendo passado por inúmeros perigos — sobretudo no período em que Anchieta ficou só, como refém dos tamoios — conseguem finalmente restabelecer a concórdia. E não só: por sua conduta, o jovem religioso havia conquistado o respeito dos principais das aldeias, e usado de seu cativeiro como ocasião para novas conversões. Foi ali que, nas areias da praia, escreveu seu conhecido poema à Virgem Maria.

Seu apostolado foi muito fecundo. Tantos frutos devem-se não a um físico robusto — ao contrário, era de saúde débil, o que, ironicamente, determinou sua vinda para a fatigante missão do Brasil — ou apenas a seu talento e gênio natural, mas a um profundo amor a Deus. É o que ele mesmo relata na carta de 1 de junho de 1560, enviada ao Geral da Companhia, Padre Diogo Laínes:

“Quase sem cessar, andamos visitando várias povoações, assim de índios, como de portugueses, sem fazer caso de calmas, chuvas e grandes enchentes de rios, e muitas vezes de noite por bosques muito escuros socorremos aos enfermos, não sem grande trabalho, seja pela aspereza dos caminhos, como pela incomodidade do tempo. […].” Mas nada é árduo aos que têm por fim somente a glória de Deus e a salvação das almas, pelas quais não duvidarão dar a vida.

Passaram-se os séculos e a sociedade hodierna encontra-se não menos necessitada de santos missionários que a de outrora. Possa o exemplo do Beato José de Anchieta ser um estímulo, nos dias atuais, aos evangelizadores chamados a reconduzir tantos filhos pródigos à casa Paterna, cooperando para que “o desígnio de Deus, que fez de Cristo o princípio de salvação para todo o mundo, se realize totalmente”.

 Por Irmã Clarissa Ribeiro de Sena, EP

BIBLIOGRAFIA

ANCHIETA, José de. Cartas : correspondência ativa e passiva. 2.ed. São Paulo : Loyola, 1984. 528 p.
BENTO XVI. Sessão inaugural dos trabalhos da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, Santuário de Aparecida, 13 Maio 2007. [Em linha] [Consulta: 17 Ago. 2009].

BÍBLIA SAGRADA. 140.ed. São Paulo : Ave-Maria, 2001. 1632 p.

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. [Em linha] [Consulta: 07 Ago. 2009].

JOÃO PAULO II. Homilia na viagem apostólica ao Brasil, 03 Jul. 1980. [Em linha] [Consulta: 21 Ago. 2009].

ROCHA POMBO. História do Brasil. 1 v. São Paulo : Editora Brasileira, 1967. 501 p.

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. 1 v. São Paulo : Loyola, 2001. 693 p.

VIOTTI, Hélio Abranches. Anchieta : o apóstolo do Brasil. São Paulo : Loyola, 1966. 340 p.

 

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O Santo Padre convida a “superar o analfabetismo religioso” – “um dos grandes problemas de hoje”

A paróquia é “um lugar onde se aprende a viver a própria fé em meio aos outros”, lembrou Bento XVI na ocasião da visita pastoral à paróquia romana de São João Batista de La Salle al Torrino, na parte sul da cidade.

Na proximidade do Ano da Fé, o Papa convidou os fiéis a “fazer crescer e consolidar a experiência da catequese sobre as grandes verdades da fé cristã, e superar o ‘analfabetismo religioso’ que é um dos maiores problemas de hoje”.

Por causa da viagem ao México e a Cuba, a tradicional visita a uma das paróquias romanas no domingo “Laetare” (quarto domingo da Quaresma) , foi organizada para este segundo domingo, quando o Papa visitou os fiéis da paróquia de São João Batista de La Salle al Torrino.

Bento XVI segue, assim, a tradição de fazer visitas às paróquias romanas duas vezes por ano, na Quaresma e no Advento.

Em sua chegada o pontífice foi recebido com grande simpatia, afeto e calor.

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Bento XVI durante missa na paróquia romana
de São João Batista de La Salle al Torrino

Antes de entrar na Igreja para celebrar a Missa, ele saudou pessoalmente as crianças em cadeiras de roda que o esperavam. Os inúmeros fiéis que não puderam entrar na igreja, acompanharam ao vivo a missa no telão montado para esta ocasião.

“Obrigado por esta recepção calorosa, por este espírito de familiaridade que sinto, por isto me fazer sentir como um pai: isto me dá coragem!”, agradeceu o Papa.

A visita iniciou com uma saudação do pároco, Don Giampaolo Perugini, que presenteou o Santo Padre com uma camiseta do oratório, um círio pascal pintado pelo vigário Don Hiroto Tanaka, e um livreto com cartas e desenhos das crianças.

Na homilia, pronunciada improvisadamente, Bento XVI explicou o sentido das leituras do segundo Domingo de Quaresma e dirigiu palavras diretas e cordiais também à paróquia, recordando que ela deve ser “um lugar onde se aprende a viver a própria fé em meio a “nós” da Igreja.”

Comentando a história de Abraão, o Papa afirmou que “Deus não quer a morte, mas a vida”, mas doou o próprio Filho “para vencer o pecado e a morte, e para superar toda a ameaça que existe no mundo”. Graças a este dom de Jesus, “ninguém poderá nos acusar, ninguém poderá nos condenar, ninguém poderá nos separar de seu imenso amor”.

Em seguida, tratando da Transfiguração de Jesus, o Santo Padre observou que aqui se encontra o exemplo para nos fazer entender que ” o caminho para alcançar a glória, o caminho do amor luminoso que vence as trevas do mal, passa através do dom total de si mesmo, passa através do escândalo da Cruz”.

Porque “um mistério de sofrimento” é também “a beata paixão” de “um mistério de amor extraordinário de Deus” do qual “temos necessidade no nosso caminho cotidiano, com frequência assinalado também pela escuridão do mal!”

A paróquia de São João Batista de La Salle al Torrino de Roma foi “colocada no ponto mais alta do bairro”, observou o Papa, notando que “é uma indicação importante” de que nós também “precisamos subir ao monte da transfiguração para receber a luz de Deus”.

Bento XVI indicou também uma proposta pastoral concreta, convidando a viver o próximo Ano da Fé no aprofundamento da catequese para “superar o analfabetismo religioso”.

Às numerosas famílias presentes na paróquia, o Papa pediu para serem “o ambiente de vida no qual se movem os primeiros passos de fé” e uma “comunidade na qual se aprende a conhecer e a amar cada vez mais o Senhor”.

Fonte: Gaudium Press

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