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32º Domingo do Tempo Comum

Quando folheamos as páginas da história da França, o período da chamada Regência de Felipe de Orleans é um dos mais conturbados. Tanto ele quanto uma grande maioria de seus cortesãos levava uma vida entregue as paixões e vícios.

Em 1723, nos primeiros dias de dezembro, o Regente queixou-se de dor de cabeça e vertigem. Trabalhou, entretanto, o dia todo, atendendo várias pessoas. A noitinha, antes do jantar, enquanto esperava para ver o rei, passou por uma sala e viu a Duquesa de Phaleris. Comentou com ela a dor de cabeça que só fazia aumentar juntamente com as dores de estômago. A cortesã mandou um criado servir água de melissa.

Enquanto tomava o remédio, Felipe de Orleans sentou-se em uma poltrona e – quiçá consciente da gravidade de seu estado – perguntou à duquesa se ela acreditava na imortalidade da alma, no céu e no inferno.

A nobre ficou surpresa com a pergunta, mas disse que sim, acreditava. O moribundo teve apenas o tempo de dizer-me: “Nesse caso, deveis ser muito infeliz com o gênero de vida que levais até hoje”. Caiu no chão fulminado pela apoplexia.

Ressuscitaremos! Eis o tema do Evangelho deste 32º Domingo do tempo comum. Mons. João Clá Dias em seu Inédito sobre os Evangelhos – Editado pela Libreria Editrice Vaticana – começa seu comentário explicando quem eram estes personagens, os saduceus.

Sob o império de Alexandre Magno (356 – 323 a.C.) houve um enorme empenho na helenização e colonização do território pertencente aos hebreus. Do povo eleito, a classe mais abastada foi a mais atingida pela influência estrangeira e, aos poucos, transformou-se numa espécie de aristocracia sacerdotal, dando origem ao partido dos saduceus.

Cumpridores exatos das formalidades da Lei, os membros desse partido eram, na realidade, incrédulos e relativistas em matéria moral. Reduziam ao mínimo as exigências dogmáticas e não receavam professar erros crassos hauridos do mundo pagão, como por exemplo chegavam a se opor à existência dos Anjos e, pior ainda, não aceitavam a própria existência das almas separadas dos corpos. Negavam inclusive a providência de Deus, como também sua ação sobre os acontecimentos. Eram ateus-práticos e apesar de se revestirem dos cerimoniais do culto da religião judaica, não passavam de semipagãos. Não é difícil concebê-lo pois, ainda nos dias de hoje esbarramos não poucas vezes com pessoas dessa mentalidade e submersas nas mesmas convicções.

Aproximaram-se depois alguns saduceus, que negam a ressurreição, e fizeram-Lhe a seguinte pergunta: “Mestre, Moisés deixou-nos escrito: se morrer o irmão de algum homem, tendo mulher, e não deixar filhos, case-se com ela o seu irmão, para dar descendência ao irmão. Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou, e morreu sem filhos. Casou também o segundo com a viúva, e morreu sem filhos. Casou depois com ela o terceiro. E assim sucessivamente todos os sete; e morreram sem deixar filhos. Morreu enfim também a mulher. Na ressurreição, de qual deles será ela mulher, pois que o foi de todos os sete?”.

Esta breve narração, picante e rápida, é um modelo de casuística refinada. Seus autores davam por seguro que a questão que acabavam de propor a Jesus O colocaria seguramente em um grande apuro. Para esse tipo de gente, Deus lhes é semelhante e a eternidade não é senão um prolongamento do mundo atual, se é que ela existe.

Não se poderia esperar outro tipo de objeção de um libertino para justificar seu relativismo.

É incrível a semelhança do discurso dos saduceus com o raciocínio de certos filósofos atuais e de outros tempos. São tão numerosas as oposições ao dogma da ressurreição surgidas ao longo da História, que se fôssemos catalogá-las todas, seria intérmina sua coleção.

Jesus disse-lhes: “Os filhos deste mundo casam e são dados em casamento, mas os que forem julgados dignos do mundo futuro e da ressurreição dos mortos, não desposarão mulheres, nem as mulheres desposarão homens, porque não poderão jamais morrer; porquanto são semelhantes aos Anjos e são filhos de Deus, visto serem filhos da ressurreição”.

Em nossa vida terrena, devido à mortalidade, a existência da sucessão é indispensável para perpetuar-se a humanidade, e por consequência o matrimônio será uma exigência até se completar o número dos eleitos.

Ora, a eternidade, enquanto excelente imagem de Deus, não comportará a morte, e os bem-aventurados viverão exclusivamente nas leis do Espírito, no conhecimento e amor de Deus, vendo-O face a face. Os corações e as inteligências estarão unidos nas castas delícias da caridade perfeita, sem nenhuma necessidade do matrimônio. “Porque os casamentos são feitos para se ter filhos; os filhos vêm para a sucessão; e a sucessão chega pela morte; portanto, onde não há morte não há casamentos”. Depois da ressurreição, os corpos dos eleitos serão “angelizados” e já não estarão sujeitos às leis da matéria e nem às da animalidade, conforme anteriormente dissemos. Torna-se patente, assim, o quanto devemos evitar o pecado pois, “se viverdes segundo a carne, morrereis [ressuscitar para ser lançado em corpo e alma no inferno, é morte eterna], mas se, pelo Espírito, fizerdes morrer as obras da carne, vivereis” (Rm 8, 13).

“Que os mortos hajam de ressuscitar, o mostrou também Moisés no episódio da sarça, quando chamou ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, e o Deus de Jacó’. Ora Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, porque para ele todos são vivos”.

Nesses versículos, claramente defende o Divino Mestre a imortalidade da alma, depois de ter revelado a ressurreição dos corpos.

“Se Deus se define como ‘Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó’ e é um Deus de vivos, não de mortos, então quer dizer que Abraão, Isaac e Jacó vivem em alguma parte; se bem que, no momento em que Deus fala a Moisés, eles já haviam desaparecido há séculos. Se existe Deus, existe também a vida além do túmulo. Uma coisa não pode estar sem a outra.

Seria absurdo chamar a Deus de ‘o Deus dos vivos’ se, no final, Ele se encontrasse só para reinar sobre um imenso cemitério de mortos. Não entendo as pessoas (parece que existem) que dizem crer em Deus, mas não em uma vida ultraterrena. “A pesar disso, não é necessário pensar que a vida além da morte começa só com a ressurreição final. Aquele será o momento em que Deus, também, tornará a dar vida aos nossos corpos mortais”.

Sêneca comentando o suicídio de Catão, concretizado com o auxílio de um punhal, para fugir das considerações de uma Roma que perdera a liberdade, afirma que o motivo principal de sua morte estava centrado na doutrina elaborada por Platão em sua obra Fedon, na qual explana longamente a imortalidade da alma. Em sua genialidade, Sêneca resume o ato com esta frase: “Ferrum fecit ut mori posset, Plato ut vellet — O ferro (aço) fez que pudesse morrer, Platão que quisesse”.

Se os próprios pagãos quando fiéis à razão chegavam a essas conclusões, por que nós batizados haveremos de seguir os equívocos dos saduceus?

Para ler mais, clique aqui

Obras consultadas:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol VII, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2012
ROBERT, Henri, Os Grandes Processos da História Volume V, Editora Globo, Rio de Janeiro, 1961

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Aos Administradores de Almas

O Evangelho deste 25º Domingo do Tempo Comum nos apresenta a parábola do administrador desonesto, na qual o Divino Mestre ressalta a verdadeira prudência. 

A prudência é a virtude dos governantes, e não há governo mais delicado que o das almas. E isto se aplica em especial ao sacerdote ou religioso, mas também vale para todo e qualquer batizado que tenha almas para orientar.

Para eles, a prudência consiste no fim ao qual se encaminha toda sua ação apostólica e os meios com os quais conta para conseguir alcançá-lo. Isto é, como deve aplicar todos os meios para alcançar a salvação e santificação das almas. 

A prudência ensinará:

 1. A expor convenientemente a palavra de Deus – É ela quem indica ao sacerdote o que deve calar e o que deve dizer. Como dizer para não ofender os fiéis, sem também cair na omissão de seu dever de alertar contra o mal.

 2. A sentar-se no confessionário. O confessor é: 

a) O juiz que deve perguntar com clareza e precisão para formar um juízo correto, dar a sentença justa e impor a penitência adequada.

b) O doutor que deve ensinar sem escandalizar.

c) O médico que investiga as causas da enfermidade para aplicar o remédio certo e eficaz.

d) O pai que inspira confiança, porém, com paternal severidade para não facilitar, com suas fraquezas, o caminho para o pecado.

 3. A administrar todos os sacramentos – Sendo prudente, o sacerdote não os torna odiosos aos fiéis, porém, sempre impõe suave e firmemente o que pede Deus, a liturgia, o Direito Canônico e o bem das almas.

São Bento, no capítulo 64 da Regra, quando trata “Da ordenação do Abade”, diz: “O Abade ordenado pense sempre no fardo que recebeu e a quem deverá prestar contas de sua administração e saiba que lhe convém mais servir que presidir. Deve, pois, ser douto na lei divina, de modo que saiba e tenha de onde tirar ‘coisas novas e velhas’. Seja casto, sóbrio, misericordioso e ponha sempre a misericórdia acima da justiça, para que consiga o mesmo para si. Odeie os vícios, ame os irmãos. Na própria correção proceda com prudência e sem excessos, para que, raspando demais a ferrugem, o vaso não venha a quebrar. Suspeite sempre de sua própria fragilidade e lembre-se que não deve esmagar o caniço já rachado. Não dizemos, com isso, que permita que os vícios cresçam, mas os ampute com prudência e caridade, segundo julgar conveniente a cada um, como já dissemos. E se esforce por ser mais amado que temido. Não seja turbulento nem ansioso; não seja ciumento nem muito desconfiado, pois nunca terá descanso. Nas suas ordens seja prudente e refletido. Se mandar fazer algo referente às coisas divinas ou seculares, faça-o com discernimento e moderação lembrando-se da discrição do santo Jacó, que dizia: ‘Se eu fizer meus rebanhos trabalharem andando demais, morrerão todos num só dia’. Aproveitando esses e outros exemplos de prudência, mãe das virtudes, equilibre tudo de tal modo que os fortes encontrem o que desejam e os fracos não fujam. E, sobretudo, conserve em tudo a presente Regra, para que, depois de ter bem administrado, ouça do Senhor o que Ele disse ao bom servo que distribuiu o trigo a seus servos no devido tempo: ‘Em verdade vos digo, ele o estabelecerá sobre todos os seus bens’”

 

Obra consultada: ORIA, Angel Herrera, La Palabra de Cristo, BAC, Madrid, 1955

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25º Domingo do Tempo Comum

20 de Setembro de 2013

“Ninguém encontrou o capitão”.

Um pequeno navio chocou-se com o rochedo no litoral. Ainda o dia não havia clareado e os corpos apareciam na praia. A causa do acidente? Um único sobrevivente pode explicar. A tripulação viu-se dentro de um vendaval, mas na embarcação ninguém encontrou o capitão (e até hoje está desaparecido), o timão estava a deriva, sem ninguém que o tomasse nas mãos.

São Basílio nos diz que essa é a imagem perfeita de um homem que perde a prudência. É como um barco sem piloto, que não sabe o caminho a seguir para o porto, e é impelido pelos ventos de cá para acolá e acaba por naufragar. O imprudente não sabe qual caminho seguir e dentro de suas tempestades vai de um extremo ao outro e termina por chocar-se nos rochedos dos vícios.

Prudência dos Filhos da Luz

São Bernardo é quem nos ensina que a Prudência “é a virtude que ordena todas as virtudes, a que as modera, dá brilho e estabilidade. A prudência é governadora das virtudes, moderadora dos afetos e mestra dos costumes. Tire a prudência de um homem e logo se verá todas as virtudes transformarem-se em vícios” (cf. São Bernado, Serm. 49 in Cant).

O Divino Mestre nos dá neste 25º Domingo do Tempo Comum o exemplo da prudência perversa do administrador desonesto, a prudência humana, para que nós a santifiquemos e a apliquemos com o mesmo zelo para nossa salvação. Mostra como os filhos desse mundo tem pressa para fazer algo de desonesto para praticar o erro, enquanto que os filhos da luz….

Mons. João Clá Dias, em sua obra “O Inédito sobre os Evangelhos” abre um vasto horizonte sobre esta quarta parábola contada por Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Chamou-o e disse-lhe: ‘Que é isto que eu ouço dizer de ti? Dá conta de tua má administração; não mais poderás ser meu feitor’”.

A mesma coisa nos diz o Senhor todos os dias, apresentando-nos como exemplo aquele que, gozando de saúde ao meio-dia, morre antes da noite, e aquele que expira em uma festa: assim deixamos a administração de vários modos. Mas o bom administrador, o qual tem confiança, devido à sua boa administração, deseja dissolver-se como São Paulo e estar com Cristo; enquanto quem se apega aos bens da Terra se encontra cheio de angústia na hora derradeira.

“E chamando a cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu senhor?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de azeite’. Então disse-lhe: ‘Toma o teu recibo, senta-te e escreve depressa: cinquenta’. Depois disse a outro: ‘Tu quanto deves?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’. Disse-lhe o feitor: ‘Toma o teu recibo e escreve oitenta’”.

[Os comentaristas] Sublinham de modo especial essa tenacidade do administrador em alcançar seus objetivos e a tomam como exemplo para nós “porque todo aquele que, prevendo seu fim, alivia com boas obras o peso de seus pecados (perdoando a quem lhe deve ou dando boas esmolas aos pobres), e dá liberalmente os bens do senhor, granjeia muitos amigos que hão de prestar bom testemunho dele perante o juiz, não com palavras, mas manifestando suas boas obras, e de preparar-lhe, com seu testemunho, a mansão do consolo.

 “E o senhor louvou o feitor desonesto, por ter procedido sagazmente. Porque os filhos deste mundo são mais hábeis no trato com os seus semelhantes do que os filhos da luz”.

Surge aqui outro versículo muito discutido entre os autores. O elogio do senhor da parábola não recai sobre os aspectos ilícitos e imorais dos atos praticados por seu administrador, mas tão somente sobre a esperteza deste. “Denominam-se contraditórias estas parábolas para compreendermos que — se pôde ser louvado pelo seu amo o homem que defraudou seus bens — muito mais devem agradar a Deus os que fazem aquelas obras de acordo com seus preceitos”

Por “filhos deste mundo” devemos entender como sendo aqueles que só se preocupam com os bens temporais. Os filhos da luz” creem na vida eterna após a morte, na ressurreição final e trabalham por sua salvação. Entretanto, a “prudência” dos primeiros é infatigável, solerte, pertinaz, inteligente, hábil com vistas a obter seus objetivos. Assim devemos ser nós face ao nosso fim último, e nisso consiste o conselho implícito na comparação feita por Jesus. Apenas para ressaltar a clareza de compreensão, é bom frisar que os “filhos da luz” são inferiores muitas vezes em matéria de prudência, mas não em sabedoria.

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24º Domingo do Tempo Comum

 13 de Setembro de 2013

Era fria aquela manhã. Muitas ruas ainda dormiam e o sol aos poucos se fazia ver no horizonte nublado. Alguns passos apressados se faziam ouvir no calçamento centenário das ruelas até chegarem à igreja matriz. Um sacerdote começava a subir o altar para a missa, enquanto outros  atendiam os penitentes no tribunal da confissão. Um destes então viu aproximar-se um homem, não era um estranho, já estivera ali outras vezes. Ajoelhou-se e após declinar suas faltas recebeu a absolvição. O sacerdote então ficou pensando: “Este homem vem aqui todos os dias e confessa a mesma falta. Diz que quer mudar de vida, mas não muda, por isso vem sempre aqui… e esta é a oitava vez esta semana!”

No dia seguinte, aquele padre estava junto ao altar marcando as folhas do missal. Faltava ainda algum tempo para a missa e a igreja estava quase vazia. Ao levantar o olhar em direção a porta viu o penitente do dia anterior entrar e ir em direção a ele. “Padre, o senhor pode atender-me em confissão?”. O ministro de Deus então disse que aquilo era um absurdo e que não daria a absolvição. “Eu não te perdoo!” disse o padre. Nesta hora, ouviu-se um forte estalo. O grande crucificado que pendia no altar desprendeu sua mão do madeiro e traçando um enorme sinal da cruz, disse: “Eu te perdoo porque me custaste muito. Custaste-me todo o meu sangue”. 

Este fato, ocorrido em uma pequena cidade da Espanha durante a Idade Média é um pequeno exemplo da misericórdia de Deus. Entretanto ele é nada perto de uma das mais belas parábolas contadas por Nosso Senhor Jesus Cristo, e que a liturgia reserva para este 24º Domingo do Tempo Comum.

Mons. João S. Clá Dias em sua obra “O inédito sobre os Evangelhos” ao comentar o texto de São Lucas nos diz:

“O filho trocou a inocência do lar pela vida devassa. Expressiva imagem de todos os batizados que, desprezando a condição de filhos de Deus, abandonam o estado de graça ao cometer uma falta grave! Esbanjando o tesouro sobrenatural entregue pelo Pai celeste, preferem o prazer fugaz do pecado à felicidade do convívio com Deus e Maria Santíssima, na eternidade.

“Por sua vez, em nenhum momento o pai se esqueceu do jovem e, sem jamais perder as esperanças de reencontrá-lo, continuamente elevava ao Céu aflitas orações por sua conversão. Com igual indulgência Deus reage conosco quando O ofendemos e, em sua bondade, nunca nos desampara, mesmo quando nos afastamos d’Ele com o pecado. Refletindo sobre esta clemência.

“É bem provável que o pai tenha sentido acenderem-se, muitas vezes, suas esperanças quanto à volta do filho. Dirigia-se, então, a um local de onde podia divisar os caminhos da região e ali passava longos períodos rezando, numa confiante espera… Até o dia em que…

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