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São José, quem o conhece?…

 

Leia um trecho do livro

Mons. João Clá deseja, com esta nova obra, apresentar o genuíno perfil do grande Patriarca da Igreja, a fim de fomentar, com toda a ênfase, a autêntica devoção em relação à sua extraordinária figura. São José foi um herói insuperável, um verdadeiro Cruzado da Luz; em síntese, o homem de confiança da Santíssima Trindade. Sua força está profundamente ligada à sua virgindade, pois a pureza íntegra é a única capaz de originar no coração humano as energias necessárias para enfrentar as dificuldades com ânimo resoluto e total certeza da vitória.

Sem dúvida, São José é o maior Santo da História, dotado com uma vocação mais alta que a dos Apóstolos e a de São Batista, como apontam autores abalizados. Esta afirmação se apoia no fato de o ministério de São José estar intimamente unido à Pessoa e missão redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo, participando de modo misterioso, conforme será tratado em momento oportuno, do plano hipostático. Tal proximidade com Deus feito Homem permitiu-lhe beneficiar-se como ninguém, depois de Nossa Senhora, dos efeitos da Encarnação, tendo sido santificado de forma superabundante por esse Menino Divino que o chamaria de pai, embora São José não tenha concorrido para sua geração natural.

Também não era conveniente que o escolhido para ser o esposo virgem de Nossa Senhora não estivesse à altura da criatura mais pura e mais santa saída das mãos de Deus. Em função disso, pode-se aventar a hipótese de ele ter sido santificado desde sua concepção, como sua Esposa? Estas e outras considerações relativas ao Santo Patriarca atrairão nossa atenção ao longo destas páginas.

De fato, muitas verdades ainda não manifestadas sobre a pessoa de São José devem ser proclamadas do alto dos telhados, a fim de deixar patente a grandeza oculta desse varão. Tanto mais que, nesta hora de crise e de tragédia na qual se encontra o mundo e a Igreja, sua figura há de tomar um realce providencial. O casto esposo de Maria aparecerá em todo o seu esplendor, como nunca antes na História, para que os fiéis recorram a ele enquanto insigne defensor dos bons.

Sim, São José já foi proclamado Patrono da Santa Igreja, mas ainda não mostrou à humanidade a força de seu braço. Tempus faciendi! Estão chegando os dias em que, sob o amparo do pai virginal de Jesus, os escolhidos de Deus farão grandes proezas a fim de instaurar o Reino de Cristo sobre a terra, Reino de paz e de pureza, Reino também, por que não dizê-lo, de Maria e de José.

(Mons. João S. Clá Dias: Introdução ao livro: SÃO JOSÉ: QUEM O CONHECE?…).

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3º Domingo da Páscoa

Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus iam para um povoado, chamado Emaús, distante onze quilômetros de Jerusalém. Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido.

   Pelo seu estilo e delicadeza de narração, este é um dos mais belos relatos do terceiro Evangelho.Quanto à cidadezinha de Emaús, há uma dezena de hipóteses sobre sua real localização, e não se têm elementos para saber qual a verdadeira. Retenhamos apenas a distância de 11 km.

   Alguns Padres da Igreja levantam a hipótese de ser o próprio São Lucas um deles, e assim se entenderia melhor o motivo pelo qual ele não quis mencionar o nome do segundo discípulo.

Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus Se aproximou e começou a caminhar com eles.

   O Divino Mestre havia prometido, em vida, estar presente quando dois ou mais estivessem reunidos em seu nome (cf. Mt 18, 20), eis aqui o cumprimento de suas palavras. Foi a conversa entre ambos o fator que atraiu o Redentor a Se agregar a eles.

Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e não O reconheceram.

   “Alguns autores pensam que uma ação sobrenatural era que lhes impedia reconhecer Cristo. Mas a frase do Evangelho não exige que tenha se dado uma ação desse gênero. Aconteceu simplesmente que Cristo ressuscitado apareceu-lhes em Corpo glorioso, sob uma forma não mais comum e corrente”. Ou então, segundo o comentário de Teófilo: “Apesar de ser o mesmo Corpo que havia padecido, já não era visível para todos, senão unicamente para aqueles que Ele quisesse que O vissem; e para que não duvidassem que doravante já não viveria entre os homens, porque seu modo de vida depois da Ressurreição já não era humano, mas antes divino, uma pré-figura da futura ressurreição, na qual viveremos como Anjos e filhos de Deus”.

Então Jesus perguntou: “O que ides conversando pelo caminho?” Eles pararam, com o rosto triste…

   Ele conheceu desde toda a eternidade não só aqueles dois discípulos, como também o recôndito de suas almas e até mesmo o conteúdo da conversa de ambos; por isso, Ele pergunta apenas para dar início ao diálogo e ter oportunidade de mais diretamente animá-los.

   Quantas vezes em nossa vida, não terá Jesus Se aproximado de nós para nos reanimar!…

…e um deles, chamado Cléofas, Lhe disse: “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?”

   Era de fato incompreensível que um judeu vindo de outras províncias não se inteirasse, ao passar por Jerusalém, dos últimos grandes acontecimentos ali sucedidos. A ressurreição de Lázaro, a expulsão dos vendilhões do Templo, um número incontável de milagres, as arrebatadoras pregações de Jesus e, sobretudo, sua prisão, condenação e Crucifixão, o escurecimento do céu, o tremor da terra, o véu do Templo cindido, o passeio dos justos que haviam saído de seus túmulos — esses eram fatos suficientes para convulsionar a opinião pública. Não havia outro tema para se considerar senão esse, daí a perplexidade manifestada por Cléofas.

Ele perguntou: “O que foi?” Os discípulos responderam: “O que aconteceu com Jesus, o Nazareno, que foi um Profeta poderoso em obras e em palavras, diante de Deus e diante de todo o povo.

   Segundo alguns autores, esta resposta tem sua origem na falta de fé dos dois discípulos, como também no medo de serem presos. Não poderia o forasteiro se escandalizar ouvindo a proclamação da divindade de Jesus?

“Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes O entregaram para ser condenado à morte e O crucificaram”.

   Eles narram os fatos com o coração nos lábios e, apesar de extremamente chocados com as atitudes das autoridades religiosas e civis, em nenhum momento manifestam desrespeito ou revolta contra as mesmas. Era um dos resultados obtidos pela ação apostólica de Jesus. O possessivo “nossos”, na voz desses discípulos, demonstra claramente a disposição de submissão e até de veneração face aos detentores do poder. Eles não se separam, e menos ainda injuriam. Essa sempre foi a nota distintiva do verdadeiro Cristianismo.

“Nós esperávamos que Ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas estas coisas aconteceram!”

   O verbo esperar, empregado no passado, dá bem ideia da decepção na qual se encontravam ambos. Suas atenções estavam concentradas, sobretudo, na possível libertação do domínio dos romanos. Contudo, se bem estivessem com a virtude da fé um tanto abalada, restava-lhes ainda uma esperança: era a promessa proferida por Jesus em várias ocasiões sobre sua Ressurreição ao terceiro dia.

“É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deram um susto. Elas foram de madrugada ao túmulo e não encontraram o Corpo d’Ele. Então voltaram, dizendo que tinham visto Anjos e que estes afirmaram que Jesus está vivo. Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito. A Ele, porém, ninguém O viu”.

   Segundo os cânones do pensamento humano, com a trágica Morte do Divino Mestre, todas as esperanças haviam terminado, por mais que as melhores testemunhas afirmassem ter desaparecido seu Corpo. Mas, a prova de sua Ressurreição ainda não se havia consumado oficialmente. Quais os elementos para crerem? Só as palavras dos profetas e do próprio Jesus? Sendo afirmações e promessas feitas pela Verdade Absoluta, era preciso admiti-las como reais.

Então Jesus lhes disse: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Será que Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?”

   Sim, era-lhes necessário crer na Escritura, como São Pedro diria mais tarde: “Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação  pessoal. Porque jamais uma profecia foi proferida por efeito de uma vontade humana. Homens inspirados pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus” (II Pd 1, 20-21). Por isso, mais vale crer no testemunho dos profetas do que em nossos sentidos. Aqueles não falham, estes, porém, não raras vezes nos enganam. Para crer, não lhes era indispensável ter acompanhado ao túmulo as Santas Mulheres, nem Pedro e João; bastava-lhes recordarem as assertivas das Escrituras sobre a Ressurreição, tanto mais que as da Paixão já se haviam cumprido tais quais.

E, começando por Moisés e passando pelos profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito d’Ele.

   Que grande privilégio o daqueles dois! Decerto, o Divino Mestre deve ter-lhes mostrado, através de luminosas palavras e de especiais graças, o quanto era errôneo o conceito unânime no povo eleito a respeito de um Messias triunfante, restaurador de seu poder político-social e instaurador de uma influente e prestigiosa supremacia sobre as outras nações. A Escritura Lhe serviu de argumento irrefutável para os objetivos da formação que desejava dar-lhes.

Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia mais adiante. Eles, porém, insistiram com Jesus, dizendo: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!”Jesus entrou para ficar com eles.

   A Delicadeza e a Didática em substância se unem nesse gesto do Salvador ao fazer de conta que ia adiante. Desta forma, incentiva- -os não só a convidá-Lo a permanecer com eles, como também a conferir à sua companhia o devido valor. Eles O convidam e até insistem, apresentando como argumento a hora tardia. Exemplo para nós: quando rezamos, trata-se de usar de pertinácia, pois, dessa forma, “Jesus entrará para ficar conosco”. Caso contrário, Ele seguirá adiante.

Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o,partiu-o, e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu dafrente deles.

   Terá Jesus, nessa hora, operado a transubstanciação? Eis uma questão muito debatida nos séculos XVI e XVII, entre duas correntes teológicas. Uma conclusão clara a esse respeito ainda está por se fazer. Entretanto, por mais que não se tivesse dado a Consagração Eucarística, estava ela ali figurada. E é indiscutível ser esse Sacramento fundamental para nos fortalecer  a fé e fazê-la crescer, sobretudo no tocante ao mysterium fidei que enfeixa a Paixão e a Ressurreição do Redentor. A Eucaristia nos dá a vida sobrenatural, que tem seu fundamento na fé. Crer na Ressurreição de Cristo é absolutamente necessário para nossasalvação, e sem essa crença é impossível nosso próprio progresso na vida espiritual.

Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?”  Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros. E estes confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. 

   Os versículos finais nos retratam com muita viveza e piedade os efeitos dessa primeira aparição de Jesus a dois fiéis da Igreja nascente, sendo especialmente digno de nota o testemunho da ação da graça mística nas almas de ambos, enquanto Jesus  lhes discorria sobre as Escrituras.

   É tal o apreço de Deus por sua própria Palavra, que Ele sempre faz acompanhar de generosos auxílios o estudo, interesse e piedade aplicados ao conhecimento amoroso dos textos sagrados.

   Nos versículos logo a seguir, São Lucas narra a aparição de Jesus aos Onze em Jerusalém. Novamente reluz a infinita sabedoriae diplomacia do Divino Mestre, ao tratar os Apóstolos com insuperável carinho e grandeza, ao mesmo tempo. Só Ele consegue harmonizar virtudes tão opostas; e, apesar de não ser acrescentada ao Evangelho deste domingo, lucraremos muito em relê-la.

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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5º Domingo da Quaresma

Naquele tempo, havia um doente, Lázaro, que era de Betânia, o povoado de Maria e de Marta, sua irmã. Maria era aquela que ungira o Senhor com perfume e enxugara os pés com seus cabelos. O irmão dela, Lázaro, é que estava doente.  As irmãs mandaram então dizer a Jesus: “Senhor, aquele que amas está doente”. Ouvindo isto, Jesus disse: “Esta doença não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela”. Jesus era muito amigo de Marta, de sua irmã Maria e de Lázaro. Quando ouviu que este estava doente, Jesus ficou ainda dois dias no lugar onde Se encontrava. Então, disse aos discípulos: “Vamos de novo à Judeia”. Os discípulos disseram-Lhe: “Mestre, ainda há pouco os judeus queriam apedrejar-Te, e agora vais outra vezpara lá?” Jesus respondeu: “O dia não tem doze horas? Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas se alguém caminha de noite, tropeça, porque lhe falta a luz”.

   Para tornar bem claro quem era o enfermo em questão, São João o apresenta como sendo o irmão de Marta e Maria. Ressalta a figura desta última, por se tratar de uma pessoa muito conhecida e comentada em toda Israel, devido à sua impressionante conversão e seu belíssimo ato de arrependimento em casa de Simão, o fariseu (cf. Lc 7, 37-50).

   Transparece na atitude  de ambas um profundo espírito de fé na onipotência do Salvador e, ao mesmo tempo, uma nobre e fraternal dedicação.

   “Senhor, aquele que amas está doente”. Segundo Santo Agostinho, esta simples frase contém uma profunda verdade de fé: Deus jamais abandona aquele a quem ama. Elas não imploram nem pedem explicitamente a cura, quer pudesse ser ela operada de perto, ou de longe; era-Lhe suficiente conhecer o estado de seu amado para, por um simples desejo seu, tornar efetivo o milagre.

   Grande perplexidade devem ter tido ambas ao receberem a resposta do Senhor, dois dias depois do falecimento de Lázaro: “Esta doença não leva à morte”. Maior aflição ainda deveu-se ao fato de Jesus não Se ter movido para Se encontrar com o amigo nem com suas irmãs.

   Essa é bem a provação pela qual passam as almas aflitas que imploram a intervenção de Deus e julgam não serem atendidas, devido à demora ou a uma aparente inércia da parte do Céu. Quão benfazeja é esta passagem para nos convencer a jamais descrermos da onipotência da oração perfeita!

 Depois acrescentou: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas Eu vou acordá-lo”. Os discípulos disseram: “Senhor, se ele dorme, vai ficar bom”.  Jesus falava da morte de Lázaro, mas os discípulos pensaram que falasse do sono mesmo. Então Jesus disse abertamente: “Lázaro está morto. Mas por causa de vós, alegro-Me por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele”. Então Tomé, cujo nome significa Gêmeo, disse aos companheiros: “Vamos nós também para morrermos com Ele”.

   Porém, ao acrescentar: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas Eu vou acordá-lo”, deu aos Apóstolos nova esperança de não ser necessário retornar à Judeia pois, segundo a forte experiência da época, a retomada do sono ao longo de uma enfermidade grave era indício de boa convalescença, e por isso exclamam: “Senhor, se ele dorme, vai ficar bom”.

   Diante dessa situação era indispensável falar-lhes às claras, revelando-lhes a morte de Lázaro. Só este particular já seria suficiente para melhor crerem nas propostas de Jesus, pois, até aquele instante, ninguém ali sabia do falecimento de Lázaro, que Ele lhes comunica com toda segurança. E, ademais, aproveita para estimular a confiança dos Apóstolos, manifestando sua alegria pelo fato de eles não terem estado em Betânia durante a enfermidade de Lázaro, pois, nesse caso, Jesus se veria na contingência de curá-lo antes de sua morte, diminuindo a grandeza do milagre da ressurreição que iria operar.

Quando Jesus chegou, encontrou Lázaro sepultado havia quatro dias. Betânia ficava a uns três quilômetros de Jerusalém. Muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as consolar por causa do irmão. Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro d’Ele. Maria ficou sentada emcasa. Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, Ele To concederá”.

   Betânia, segundo a própria narração, ficava a menos de 3 km de distância de Jerusalém. Essa propriedade pertencente à família de Lázaro havia sido utilizada por Jesus com frequência, quase todas as vezes que devia ir a Jerusalém, não só por sua proximidade, mas até mesmo pelo conforto. Essa é também a razão de ali se encontrarem muitos judeus. O luto era observado ao longo de sete dias, sendo os três primeiros reservados para o pranto e os quatro outros para receber as visitas de pêsames.

   Uma vez mais os fatos nos revelam as características próprias a cada uma das duas irmãs. Marta é mais dada à administração, às relações sociais, etc., e Maria mais ao fervor amoroso. Por tal motivo Marta não avisa sua irmã, pois seria impossível retê-la junto às visitas enquanto se desenrolasse seu diálogo com o Mestre. Aliás, esse diálogo não poderia ter transcorrido com maior ternura e delicadeza. Não há a menor sombra de queixa da parte de Marta ao afirmar: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”, pelo contrário, trata-se da manifestação de um pesaroso sentimento feito de confiança no poder de Jesus.

   Maria, por sua vez, repetirá pouco depois exatamente essa mesma frase, permitindo-nos perceber o teor das conversas havidas entre ambas naqueles últimos dias.

   Entretanto, a fé de uma e outra ainda não havia atingido sua plenitude, pois não podiam imaginar o grande milagre que iria ser operado por Jesus. Marta não tem noção do poder absoluto de Jesus, e daí o condicionar as ações do Divino Mestre aos pedidos que Ele faça a Deus: “Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, Ele To concederá”.

Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”. Então Jesus disse: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em Mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá jamais. Crês isto?” Respondeu ela: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”.

   Marta externa sua firme crença na ressurreição final e nessa ocasião espera rever seu irmão em corpo e alma, sem jamais imaginar a possibilidade de reencontrá-lo naquele mesmo dia.

Depois de ter dito isto, ela foi chamar a sua irmã, Maria, dizendo baixinho: “O Mestre está aí e te chama”. Quando Maria ouviu isso, levantou-se depressa e foi ao encontro de Jesus. Jesus estava ainda fora do povoado, no mesmo lugar onde Marta se tinha encontrado com Ele. Os judeus que estavam em casa consolando-a, quando a viram levantar-se depressa e sair, foram atrás dela, pensando que fosse ao túmulo para ali chorar. Indo para o lugar onde estava Jesus, quando O viu, caiu de joelhos diante d’Ele e disse-Lhe: “Senhor, se tivesses estado aqui, o meu  irmão não teria morrido”. Quando Jesus a viu chorar, e também os que estavam com ela, estremeceu interiormente, ficou profundamente comovido, e perguntou: “Onde o colocastes?” Responderam: “Vem ver, Senhor”. E Jesus chorou. Então os judeus disseram: “Vede como Ele o amava!” Alguns deles, porém, diziam: “Este, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito com que Lázaro não morresse?” 

   Sempre “pedra de escândalo” (Is 8, 14), os campos se dividem em vista de suas lágrimas. Alguns são tomados de admiração, outros O recriminam por ter deixado morrer Lázaro. Hipocrisia pura, segundo autores clássicos, pois se põem a julgar Jesus antes mesmo de qualquer ação sua. Esse é o efeito de uma antipatia preconcebida, radicada, talvez, no vício da inveja.

De novo, Jesus ficou interiormente comovido. Chegou ao túmulo. Era uma caverna, fechada com uma pedra. Disse Jesus: “Tirai a pedra!” Marta, a irmã do morto, interveio: “Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias”. Jesus lhe respondeu: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” Tiraram então a pedra. Jesus levantou os olhos para o alto e disse: “Pai, Eu Te dou graças porque Me ouviste. Eu sei que sempre Me escutas. Mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para que creia que Tu Me enviaste”. Tendo dito isso, exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!” O morto saiu, atado de mãos e pés com os lençóis mortuários e o rosto coberto com um pano. Então Jesus lhes disse: “Desatai-o e deixai-o caminhar”. Então, muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram n’Ele.

   Com magna autoridade, Jesus ordena, para espanto dos circunstantes: “Tirai a pedra!”. Marta, sempre criteriosa, não resiste em ponderar que o cadáver já estaria em decomposição depois de quatro dias. “Senhor, já cheira mal”. Magistral a resposta de Jesus: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?”.

   Belíssima oração a de Nosso Senhor; com o túmulo já aberto, o mau odor ferindo as narinas dos presentes, a atenção não poderia ser mais intensa. Ele reza não por necessidade, “mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para que creia que Tu Me enviaste”.

   Dois portentosos milagres se operam, não só o da pura ressurreição. Lázaro estava atado da cabeça aos pés, impedido de caminhar; entretanto, subiu pela escada que dava acesso à entrada do túmulo, estando até mesmo com um sudário ao rosto. Imaginemos a impressionante cena de um defunto subindo degrau por degrau, sem liberdade de movimentos e sem enxergar, mas já respirando com visíveis sinais de vida.

   Nada mais relata o Evangelista; nenhuma palavra a respeito de Lázaro ou das manifestações de alegria de suas irmãs; apenas a conversão de “muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria”.

   Aí está o poder de Cristo manifestado em pleno esplendor para alimentar-nos em nossa fé.

  Por maior que sejam os dramas ou aflições em nossa existência, sigamos o exemplo e a orientação de Maria, crendo na onipotência de Jesus, compenetrados das palavras de São Paulo: “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios” (Rm 8, 28).

Obra consultada:

 DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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4º Domingo da Quaresma – Domingo Laetare

   O trecho do Evangelho deste domingo apresenta Nosso Senhor pouco depois de sair do Templo, onde acabara de ter uma das mais ardentes polêmicas com os fariseus, encerrada por Ele com uma solene declaração de sua divindade, ao afirmar com fórmula de juramento: “Em verdade, em verdade vos digo, antes que Abraão fosse, Eu sou” (Jo 8, 58). Os fariseus “pegaram então em pedras para Lhas atirar” (Jo 8, 59). Tinham a intenção de matá-Lo, mas não conseguiram, pois Ele Se esquivou e saiu do Templo, “porque ainda não era chegada sua hora” (Jo 8, 20).

   Logo após essa dramática cena, Jesus fez diante de todo o povo o estrondoso milagre que servirá para confirmar a veracidade de suas palavras a respeito de sua sobrenatural origem.

Naquele tempo, ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. Os discípulos perguntaram a Jesus: “Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?” Jesus respondeu: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele. É necessário que nós realizemos as obras d’Aquele que Me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, Eu sou a Luz do mundo”.  

   A crença de que os males físicos eram sempre consequência de algum pecado estava muito arraigada não só nos judeus, mas também nos povos pagãos contemporâneos de Cristo. No presente caso, porém, declara taxativamente o Mestre que essa cegueira foi permitida desde toda a eternidade, para dar ensejo à manifestação de seu poder divino sobre a natureza.

Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego. E disse-lhe: “Vai lavar-te na piscina de Siloé” (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando.

   Causa surpresa o fato de Jesus cuspir no chão, fazer lama, passar nos olhos do doente e depois dar-lhe ordem de ir lavar-se.

   Bem observa, a este propósito, o mesmo São João Crisóstomo: “Cuspiu no chão para eles não atribuírem um poder milagroso à água dessa piscina e para entenderem que saiu de sua boca a misteriosa energia que regenerou os olhos do cego e os abriu. É por isso que o Evangelista diz: ‘Fez lama com a saliva’. Em seguida, para evitar que se pensasse num poder secreto da terra, mandou-o ir lavar-se”.

   Primeiro quis o Divino Mestre que todos os circunstantes vissem o cego com barro nos olhos, e isso, certamente, causou viva impressão. Em seguida, ao retornar o homem curado, ficaria patente perante eles quem era o Autor da cura. Para um povo duro de coração como aquele, era preciso não haver dúvida a tal respeito. Daí ter Jesus utilizado a própria saliva, misturando-a com a terra, duas matérias incapazes por si de operar a cura, ressaltando provir d’Ele o poder sobrenatural. Pode-se observar que os detalhes do episódio foram divinamente dispostos para produzir nos presentes o grande efeito narrado pelo Evangelista

   “Note-se como o cego tinha a disposição de obedecer em tudo. […] seu único objetivo foi o de obedecer a quem lhe ordenava. Nada pôde dissuadi-lo, nada constituiu obstáculo”. Ele fez exatamente o que Nosso Senhor mandara, e foi recompensado.

Os vizinhos e os que costumavam ver o cego — pois ele era mendigo — diziam: “Não é aquele que ficava pedindo esmola?” Uns diziam: “Sim, é ele!” Outros afirmavam: “Não é ele, mas alguém parecido com ele”. Ele, porém, dizia: “Sou eu mesmo!” Então lhe perguntaram: “Como é que se abriram os teus olhos?” Ele respondeu: “Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: ‘Vai a Siloé elava-te’. Então fui, lavei-me e comecei a ver”.  Perguntaram-lhe: “Onde está Ele?” Respondeu: “Não sei”. 

   Um fato tão extraordinário como este foi motivo de grande sensação, comentários e discussões entre “os vizinhos e os que costumavam ver o cego” pedindo esmolas. O sintético relato evangélico não especifica se houve manifestações de entusiasmo, de incredulidade ou de ódio. Contudo, parece certo que a primeira reação de alguns foi, pelo menos, de ignorar a evidência da cura milagrosa. Indício disso é o tom reservado das respostas do feliz beneficiário do milagre. 

Levaram então aos fariseus o homem que tinha sido cego. Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego. Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: “Colocou lama sobre meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!” Disseram, então, alguns dos fariseus: “Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado”. Mas outros diziam: “Como pode um pecador fazer tais sinais?” E havia divergência entre eles. Perguntaram outra vez ao cego: “E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?” Respondeu: “É um profeta”. Então, os judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista.

   A par do desentendimento instalado entre os fariseus a propósito do acontecimento, esses versículos tornam patentes dois aspectos do estado de espírito deles. A má-fé e a dureza de coração.

Chamaram os pais dele  e perguntaram-lhes: “Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora está enxergando?” Os seus pais disseram: “Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego.  Como agora está enxergando, isso não sabemos. E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo”. Os seus pais disseram isso, porque tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias. Foi por isso que seus pais disseram: “É maior de idade. Interrogai-o a ele”.

   Não tiveram dificuldade os pais do cego em perceber a malícia e o ódio que imperavam nesse inquérito dos fariseus. E tinham motivos de sobra para temê-los, pois a expulsão da sinagoga poderia ter graves consequências no campo civil, como o desterro e o confisco dos bens. Por isso preferiram cortar qualquer possibilidade de fazer algum pronunciamento a respeito de Jesus: “Não sabemos, perguntai ao nosso filho, ele é maior de idade”.

Então, os judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: “Dá glória a Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador”. Então ele respondeu: “Se Ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo”. Perguntaram-lhe então: “Que é que Ele te fez? Como te abriu os olhos?” Respondeu ele: “Eu já vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos discípulos d’Ele?” Então insultaram-no, dizendo: “Tu, sim, és discípulo d’Ele! Nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse, não sabemos de onde é”. Respondeu-lhes o homem: “Espantoso! Vós não sabeis de onde Ele é? No entanto, Ele abriu-me os olhos! Sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua vontade. Jamais se ouviu dizer que alguém tenha  aberto os olhos a um cego de nascença. Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada”. Os fariseus disseram-lhe: “Tu nasceste todo em pecado e estás no  ensinando?” E expulsaram-no da comunidade.

   Nota-se nestes versículos, mais uma vez, sua malévola insistência na tentativa de obter do miraculado uma declaração contra o Senhor.

   Comenta, a esse respeito, Santo Agostinho: “Depois de muitas coisas, foi excluído da sinagoga dos judeus aquele que era cego e agora enxergava. Enfureceram-se contra ele e o expulsaram. E era isso que temiam seus pais, conforme foi declarado pelo Evangelista. […] Temiam, pois, eles serem enxotados da sinagoga; ele não temeu e foi enxotado; os pais permaneceram nela. Mas ele é acolhido por Cristo e pode dizer: ‘Porque meu pai e minha mãe me abandonaram’. Que acrescentou? ‘O Senhor, porém, tomou-me sob a sua proteção’. Vem, ó Cristo, e recebe-o; eles o excomungaram, acolhe-o Tu. Tu, o Enviado, acolhe o excluído”.

Jesus soube que o tinham expulsado. Encontrando-o, perguntou-lhe: “Acreditas no Filho do Homem?” Respondeu ele: “Quem é, Senhor, para que eu creia n’Ele?” Jesus disse: “Tu O estás vendo; é Aquele que está falando contigo”. Exclamou ele: “Eu creio, Senhor!” E prostrou-se diante de Jesus.

   O objetivo de São João, ao narrar este episódio, era, sem dúvida, tornar evidente o seguinte ponto: ao ser curado da cegueira, aquele homem recebeu também a crença na divindade de Cristo.

   É razoável considerar que este milagre tenha concorrido muito para confirmar na fé os próprios Apóstolos e, ademais, lhes haver dado a possibilidade de ponderar o quanto vale mais a conversão espiritual do que a cura da cegueira material.

Então, Jesus disse: “Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem, vejam, e os que veem se tornem cegos”.

   Santo Agostinho assim comenta esta passagem: “Embora todos, ao nascer, tenhamos contraído o pecado original, nem por isso nascemos cegos; contudo, considerando bem, nascemos cegos nós também. Com efeito, quem não nasceu cego? Cego de coração. Mas o Senhor, que fizera ambas as coisas, os olhos e o coração, curou tanto uns quanto o outro”.

Alguns fariseus, que estavam com ele, ouviram isto e lhe disseram: “Porventura, também nós somos cegos?” Respondeu-lhes Jesus: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece”.

   À interpelação de alguns fariseus, Nosso Senhor responde com uma impressionante increpação. Com efeito, se, apesar de todas as obras por Ele realizadas, alguém O considera apenas de modo natural e humano, sem reconhecer sua divindade, esse é, de fato, um cego de alma, um cego de coração. Pelo contrário, quem padece de cegueira corporal, mas, por ação da graça, acredita na divindade do Messias, este foi curado da cegueira espiritual, cura incomparavelmente mais importante que a da cegueira física. Pois, como afirma o Apóstolo, “as coisas que se veem são temporais e as que não se veem são eternas” (II Cor 4, 18).

   O cerne deste Evangelho nos é sintetizado por São Paulo em sua Epístola aos Efésios (5, 8-14), também proposta à nossa consideração neste Domingo da Alegria: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor” (Ef 5, 8).

   Apresentando-nos esse magnífico Evangelho sobre a luz, no 4º Domingo da Quaresma, a Igreja nos proporciona um particular alento para avançarmos com ânimo resoluto na vida espiritual. Às vezes fraquejamos, deixamo-nos arrastar por nossas más inclinações e sentimos periclitar nossa perseverança nas vias da santificação. Nesses momentos, lembremo-nos da cura do cego de nascença e consideremos que, se Deus permitiu que caíssemos numa debilidade, Ele está atento para intervir a qualquer instante e restaurar em nós a vida divina. Com as orações e a mediação maternal de Maria, nos encontraremos purificados para contemplar a luz do Círio Pascal, símbolo também dessa Luz que nos foi dada com a Ressurreição de Cristo e que nos vem através dos Sacramentos.

 

Obra consultada

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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