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1º Domingo da Quaresma

   Ninguém se conhece a si mesmo se não é tentado; nem pode ser coroado se não vence; nem vence se não peleja; nem peleja se lhe faltam inimigo e tentações”.

   A Liturgia deste 1º Domingo da Quaresma nos ensina a reconhecer a necessidade e o valor da tentação e o Evangelho nos ensina a opor resistência ao inimigo infernal, seguindo as pegadas de Nosso Senhor.

   A tentação de Jesus se deu no início de sua vida pública, logo depois de ter recebido o Batismo de São João. Estendeu-se ao longo de quarenta dias no deserto de Judá, região isolada, inóspita e habitada por feras selvagens. Segundo a tradição, Ele permaneceu em oração e rigoroso jejum numa elevação existente nas proximidades de Jericó, hoje chamada Monte da Quarentena.

Naquele tempo, Neste primeiro versículo, chama-nos especial atenção o fato de Nosso Senhor ter sido conduzido pelo Espírito Santo.o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo.

   Sua atitude nos mostra que quando somos chamados a realizar alguma obra importante devemos rezar antes, tal como a Igreja recomenda fazer, no início de todas as atividades.

   Em suma, o maligno arrastava uma forte insegurança a respeito da identidade de Cristo, e daí o interesse em tentá-Lo para descobrir quem era, na realidade.

   Quando a tentação se abate sobre nós, temos a tendência de perguntar: “Por que Deus a permite?”. Certamente para o nosso bem, caso contrário Nosso Senhor não a teria experimentado. Lembremo-nos de que Jesus é conduzido pelo Espírito Santo, e quem permite a tentação é o Pai, o qual dissera pouco antes: “Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição” (Mt 3, 17). Se o Pai manifesta sua complacência pelo Filho e, em seguida, consente em sua ida para o deserto, por que não quererá que nós, que recebemos a vida divina por meio d’Ele, sigamos o mesmo caminho?

Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome.

   O recolhimento de Nosso Senhor no deserto atinge seu auge ao cabo de quarenta dias, e é esse o momento escolhido por satanás para tentá-Lo de forma particular, o que novamente encerra um ensinamento, pois muitas vezes as piores provações se abatem sobre nós nas melhores fases da vida espiritual.

Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!”

   Observam os exegetas que o deserto onde Nosso Senhor Se encontrava tinha pedras de aspecto muito aprazível, com formato arredondado e cor dourada, parecido ao dos deliciosos pães ázimos consumidos naquele tempo no Oriente.

   Eis a tática empregada pelo anjo das trevas na hora da tentação: começa por excitar a sensibilidade. Ao agir assim, atinge grande número de almas, sobretudo fomentando o interesse pelos bens materiais. Estes, e em especial o dinheiro, são simbolizados pela pedra e pelo pão, e constituem o maior empecilho para a santificação dos que põem sua esperança nos valores deste mundo.

Mas Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus’”.

   Tomando uma atitude radical, Ele cortou a conversa com o demônio. Como podemos comprovar nesta e nas tentações seguintes, suas respostas são taxativas, dadas com a nítida intenção de encerrar o colóquio. Além disso, o argumento utilizado por Jesus baseia-se na autoridade da Escritura, contra a qual não há recurso. 

   Reconhece a necessidade do alimento e até do dinheiro, porém, ensina que devem ser utilizados com a primeira atenção posta em Deus. Seu divino exemplo é de desprendimento das coisas concretas.

Então o diabo levou Jesus à Cidade Santa, colocou-O sobre a parte mais alta do Templo, e Lhe disse: “Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo! Porque está escrito: ‘Deus dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, e eles Te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’”. Jesus lhe respondeu: “Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus!’” 

   Nesta tentação o demônio propunha uma caricatura da Religião verdadeira, excluindo o papel da dor, do sacrifício e do caminho autêntico para a santidade. 

   A resposta admite dois sentidos, para confundir o diabo e dar a conversa, mais uma vez, por concluída: “Não me tentes porque Eu sou Deus” ou “Eu não posso fazer isto, porque seria tentar a Deus”. Nós, porém, podemos interpretá-la como um ensinamento a respeito da resignação que deve caracterizar o nosso relacionamento com Jesus. É lícito pedirmos milagres e até manifestações grandiosas, mas cientes de que se não formos atendidos a nossa fé tem de permanecer intacta. 

Novamente, o diabo levou Jesus para um monte muito alto. Mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e sua glória, e Lhe disse: “Eu Te darei tudo isso, se Te ajoelhares diante de mim, para me adorar”. Jesus lhe disse: “Vai-te embora, satanás, porque está escrito: ‘Adorarás ao Senhor teu Deus e somente a Ele prestarás culto’”. Então o diabo O deixou. E os Anjos se aproximaram e serviram a Jesus.

   Apesar de ter sido vencido duas vezes, o demônio deseja chegar ao último ponto: ser adorado por Nosso Senhor, o que suporia uma negação do culto a Deus. Para isto ele oferece o domínio temporal que levou muitos homens a seguir os ídolos, abandonando o verdadeiro Deus.

   A Nosso Senhor ele ofereceu o serviço dos Anjos e todos os tesouros da Terra, coisas que era incapaz de conceder, mas que foram entregues a Jesus-Homem junto com a realeza sobre toda a humanidade e sobre a ordem da criação, por ter vencido satanás e ter abraçado os tormentos do Calvário. Eis um princípio que deve nortear constantemente a nossa vida, até a hora da morte: nunca podemos dialogar com o demônio, criatura maldita que sempre tira aquilo que promete. Devemos encerrar qualquer conversa com ele logo no início, com o apoio da Palavra de Deus, à imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo.

   As tentações nos obtêm, sobretudo, méritos para a eternidade. Tanto o santo quanto o pecador são tentados, e às vezes o primeiro mais que o segundo, a julgar pelo modo atroz com que satanás investiu contra Nosso Senhor. A grande diferença entre ambos é que um recusa as solicitações e o outro se rende. Logo, ser tentado não é um desastre, pelo contrário, pode ser até umbom sinal. De nossa parte é preciso não consentir e, para isso,  apoiemo-nos no auxílio divino, pois seria uma insensatez concebermos nossas qualidades como o fator essencial na luta contra o demônio, o mundo e a carne.

   Diante da tentação, devemos crer na força de Nosso Senhor Jesus Cristo e não nas nossas. 

   Se uma criança recém-batizada tem mais poder do que todos os infernos reunidos, os que possuem a vida divina nada devem temer! Quando o inimigo nos assalta, unamo-nos ainda mais a Nosso Senhor Jesus Cristo, animados pela lição deste início de Quaresma: para vencer todas as tentações é indispensável contar com a graça divina.

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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O Jejum Quaresmal

Nos preparamos para o combate

   “Entoai o canto e tocai o tímpano, a cítara melodiosa com a harpa. Tocai a trombeta na lua nova, na lua cheia, nosso dia de festa” (Sl 81 3-4). Nossa Páscoa se aproxima e devemos ressoar as trombetas que nos convidam ao jejum.

   O militar inflama de tal modo seus soldados que estes são capazes de enfrentar a própria morte no combate; o treinador coloca diante dos atletas a coroa do prêmio e para conquistá-la não poupam nenhum esforço. Deixa-me dizer as palavras para o alento da batalha do jejum preparatório da grande festa: “ânimo, soldado de Cristo, vamos a luta contra as potestades invisíveis!”

   Os soldados e atletas robustecem seu corpo para lutar. Nós, ao contrário, o enfraquecemos para vencer. O que é o azeite para os músculos é a mortificação para a alma!

   O jejum é útil em todo tempo e impede sempre o ataque do demônio, mas, sobretudo, se é promulgado por todo o orbe o edito de penitência. Soldados e viajantes, maridos e mercadores o recebem com alegria.

Que o rico não diga que o jejum seja indigno de sua mesa. Que o pobre não murmure o jejum é o companheiro de toda sua vida. E ao Menino digo que melhor escola não há.

Exemplos

   Tudo aquilo que se distingue por sua antiguidade é venerável, e nada mais antigo que o jejum.

   No paraíso, o pequeno preceito imposto por Deus não consistia senão em uma mostra de abstinência (Gen 3,3) Por não jejuarmos fomos expulsos do Édem; jejuemos, pois, para que as portas se abram novamente. Lembremo-nos de Eva e do pobre Lázaro (Lc 16, 21); uma pecou pela gula e o outro se salvou por suas privações.

   Moisés, antes de subir ao monte se preparou com um longo jejum (Ex 24,18), e ali , enquanto continuava privado de todo alimento, Deus foi escrevendo com seu dedo os mandamentos em duas tábuas. O que ocorreu, entretanto, ao pé do monte? O povo sentou-se para comer e levantou para jogar, e da comida e do jogo acabou caindo na idolatria.

   Esaú perdeu a primogenitura por sua ansiedade de comida (Gen 25,29-34). Samuel nasceu como prêmio da oração e do jejum de sua mãe (1Rs 1,10). O Jejum tornou invencível Sansão (Jz13,24-25). O jejum de Daniel apagou o fogo e fechou a boca dos leões. (Dn 3,19; Dn6,16,23)

   São João é o maior entre os nascidos; São Paulo enumera o jejum entre todos os demais sofrimentos dos quais se gloria. Porém, mais do que todos estes, temos a Cabeça da Igreja, Cristo Jesus, que para nos dar o exemplo jejuou quarenta dias no deserto.

Façamos um jejum de verdade

   Depois de dias conturbados, a Igreja prescreve o jejum, porque o sol brilha mais claro ao cessar a tormenta. Moisés, para receber a lei necessitou do jejum, e se não tivessem recorrido a este preceito os ninivitas teriam perecido. Quem morreu no deserto senão os que lembravam ansiosos as carnes do Egito? O Jejum é o pão dos anjos e nossa armadura contra os espíritos imundos que não são vencidos senão por ele (Mt 17,20) e pela oração. O jejum nos assemelha  aos anjos.

  Mas cuidado para não misturar outros vícios com a abstinência. Um jejua, mas não perdoa o próximo e vive entre intrigas. Não é possível que alguém viva o jejum da carne, mas devore os irmãos!

(Trechos dos sermões de São Basílio)

Obra consultada

ORIA, Mons. Angel Herrera Oria, Verbum Vitae, Tomo III, BAC, Madrid, 1954

 

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O Ato Penitencial

   Em todas as missas, logo no início, nos reconhecemos pecadores e pedimos perdão a Deus. Meditemos neste pedido que, quantas e quantas vezes fazemos maquinalmente em nosso ato penitencial!

   Senhor, tende piedade de nós! É o grito dos dez leprosos quando se encontram com o Salvador . Todos nós somos chagados pela lepra do pecado, somos estropiados e cegos… Mostremos então ao Mestre, já no início da missa, as nossas chagas. Façamos como os pobres mendigos que apresentam suas misérias à beira do caminho em dias de romaria… Senhor, tende piedade de nós!

   Mais ainda! Mostremos a Deus Pai as cinco chagas de Cristo, serão elas nossa bandeira de glória. Que tesouro são essas cinco chagas! Foram abertas por nosso amor, por amor de ti, meu irmão, quem quer que sejas. Elas valem muito mais que todos os tesouros do mundo. Santo Agostinho nos diz que elas foram abertas para que nós, pecadores, pudéssemos entrar e aí repousar dos trabalhos do nosso prolongado exílio. Essas chagas são um oásis neste deserto e uma luz nas trevas deste mundo.

   Jesus se fez hóstia por que nos ama. Hóstia tão grande que uniu a terra e o céu… e ao mesmo tempo, hóstia tão pequenina que cabe na mão do celebrante… e nós deixamos Ele só em seu calvário, e não queremos nos imolar com ele! Senhor, tende piedade de nós!

  Ficamos espantados quando os dois discípulos de Emaús, encontrando o Mestre pelo caminho não o tenham reconhecido. E nós? Quantas vezes desconhecemos ou até negamos ao Senhor em certas contrariedades que diariamente nos aparecem? Senhor, tende piedade de nós!

   O Senhor uniu-se talvez misticamente às nossas almas, numa união comparável, mais muito superior à dos esposos. Ele nos chamou para si, nos atraiu até seu Divino Coração para que fossemos um com Ele. E nós andamos para outros caminhos, a procura de outras uniões, e prendemos o nosso coração a mil outras coisas! Cristo, tende piedade de nós!

   As vezes o sacerdote sente-se confundido ao subir ao altar! É que ele foi elevado à “mais alta dignidade da terra” e vive talvez bem perto das sombras da morte, ou quem sabe, talvez, dentro delas… E ao ver as suas sombras, ao ver que é todo sombra, não pode deixar de repetir como os dez leprosos: Cristo, tende piedade de nós!

   E tu, meu irmão, sentando em teu lugar na missa e que daqui a pouco estará diante do Cristo na Eucaristia e que és todo sombra também, não sentes o mesmo anseio de repetir este pedido? Cristo, tende piedade de nós!

   Sabes bem que todos nós somos membros do Corpo Místico de Cristo. Todos os homens são irmãos em Cristo. Ferir um dos nossos irmãos é ferir o próprio Cristo. Se a cada dia lembrássemos disso, quantas faltas de caridade poderiam ser evitadas?!

   Devemos rezar por todos, sem exceção. Ah! Se nós tivéssemos fé no valor da oração, mas uma fé verdadeira, viva, uma fé cega para todas as inconstâncias e vaidades deste e pronta para combater todas as desconfianças… Mas não. Somos homens de pouca fé. Reconheçamos isso para pedir ao Senhor que aumente nossa fé. Depois digamos, Senhor, tende piedade de nós!

   Meu irmão, dos dez leprosos curados, apenas um apareceu para agradecer! Pois bem, os outros nove, somos nós, somos os ingratos! Deus nos concede um alma em graça, vida pura, nos faz templos do Espirito Santo, mas trazemos esse tesouro em vasos  de barro, frágeis.

Que o reconhecimento de tantos dons e o temor de perder tudo nos faça pedir todos os dias, Senhor, tende piedade de nós.

   A humilde confissão da nossa insuficiência, das nossas faltas, glorifica imensamente a Deus, exalta a sua Onipotência, a sua Santidade. Reconhecer a própria baixeza e subir. Os joelhos que se curvam para a terra fazem com que Deus desça do céu. Digamos pois com o sacerdote: Senhor, tende piedade de nós!

CONVITE

Obra consultada:

A Missa e a Vida Interior, Artigos publicados na “Opus Dei” por D. Bernardo de Vasconcelos”, Edição da Opus Dei, Braga, 1936.

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8º Domingo do Tempo Comum

   Eis a Liturgia de hoje a nos indicar uma profunda solução para as crises atuais: a da desgastada questão social e a da ameaçada economia mundial.

   Quem nasceu numa Gruta, teve uma manjedoura por berço e em sua vida pública não encontrou onde repousar a cabeça tem absoluta autoridade para discorrer sobre o desprendimento.

   São Francisco de Assis chega a fazer um conúbio místico com a pobreza, e Santo Inácio de Loyola, ao partir para Jerusalém, depois de sua contemplação em Manresa, deixa na praia de Barcelona tudo quanto lhe haviam dado e leva consigo três companheiras: a fé, a esperança e a caridade.

   A outros, porém, São Paulo recomenda serem previdentes: “Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer” (II Tes 3, 10). Até onde deve ir a preocupação com nossa subsistência e qual a atitude de alma, equilibrada e santa, face aos bens deste mundo, como, também, a plena confiança em Deus, são os temas tratados neste 8º Domingo do Tempo Comum.

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Ninguém pode servir a dois senhores: pois, ou odiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. 

   O presente Evangelho faz parte do famoso Sermão da Montanha, do qual São Mateus transcreve as partes essenciais. Nele transparece a forte advertência do Divino Mestre contra o desvario dos que se afanam pelos tesouros deste mundo e acabam por se perder em meio às aflitivas preocupações da vida presente.

   Neste versículo, é muito sutil e preciso o emprego do verbo “servir”, e não qualquer outro, pois o problema central não está em ter bens materiais, mas sim no valor que a eles se tributa e, sobretudo, no afeto que se lhes tenha.

   O apego às riquezas constitui, a partir de certo grau, uma real escravidão e “ninguém pode servir a dois senhores quando mandam coisas contrárias, nem mesmo quando ordenam coisas diferentes, porque a própria natureza impede que o amor do servo se reparta para dois senhores distintos”.

   O Divino Mestre nos coloca diante de dois senhores diametralmente opostos no que concerne aos seus respectivos interesses: Deus e o dinheiro. O primeiro nos exige a crença n’Ele e em suas revelações, a esperança em suas promessas, com amor total, além da prática da castidade, da humildade, como também do cortejo de todas as virtudes. O dinheiro cobrade nós, e nos inspira ambição, volúpia de prazeres, vaidade, orgulho, menosprezo do próximo, etc.  Esses dois senhores não admitem rivais.

“Por isso Eu vos digo: não vos preocupeis com a vossa vida, com o que havereis de comer ou beber; nem com o vosso corpo,com o que havereis de vestir. Afinal, a vida não vale mais do que o alimento, e o corpo, mais do que a roupa? Olhai os pássaros dos céus: eles não semeiam, não colhem, nem ajuntam em armazéns. No entanto, vosso Pai que está nos Céus os alimenta. Vós não valeis mais do que os pássaros?”

   Evidentemente, não exclui Jesus nossa obrigação em relação ao trabalho.Deve-se buscar os bens materiais, mas sem inquietação, pois esta implicaria em negar a infinita generosidade de Deus.

   O Divino Mestre nos dá uma fundamental lição sobre a devida hierarquização de nossas preocupações. Sendo o homem composto de corpo e alma, e por ser esta mais valiosa, merece maior atenção e cuidado. Portanto, se necessário for desprezar ou abandonar outros interesses em benefício da salvação da própria alma, assim se deve proceder, pois Deus nos dará o secundário.

“Quem de vós pode prolongar a duração da própria vida, só pelo fato de se preocupar com isso?”

   A cada novo argumento, torna-se incontestável nossa impotência diante das leis da natureza e, por outro lado, a onipotência divina no governo do mundo. Se, pois, todos os dias a Providência de Deus trabalha em vós para o crescimento de vosso corpo, como ficará Ela inativa diante de verdadeiras necessidades?

“E por que ficais preocupados com a roupa? Olhai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Porém, Eu vos digo: nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é queimada no forno, não fará Ele muito mais por vós, gente de pouca fé?”

   Jesus deixa claro serem  esses lírios os “do campo”, ou seja, os que nascem a esmo, sem os cuidados dos homens. O exemplo de Salomão, preocupado por vestir-se à altura da sabedoria que lhe havia sido gratuitamente concedida por Deus, é de uma extraordinária eloquência para todos os tempos. Pois, quem com mais arte saberia realizar essa tarefa? São João Crisóstomo sintetiza bem a diferença entre as vestes de Salomão e as criadas por Deus: “das vestiduras de Salomão à flor do campo há a distância da mentira à verdade”.

   Por conseguinte, duvidar ou, pior ainda, não crer na Providência Divina é suficiente para sermos classificados como “gente de pouca fé”, pois, se esses são os cuidados de Deus para com ervas a serem queimadas quando murcharem, quanto maiores não serão eles com as almas imortais e os corpos ressurrectos!

“Portanto, não vos preocupeis, dizendo: O que vamos comer? O que vamos beber? Como vamos nos vestir?”

   Vê-se, neste versículo, o empenho do Divino Mestre em nos convencer das verdades já expostas. “O Senhor repete esta recomendação para nos fazer compreender sua necessidade e gravá-la mais profundamente em nossos corações”.

“Os pagãos é que procuram essas coisas. Vosso Pai, que está nos Céus, sabe que precisais de tudo isso”.

   Além disso, os judeus tinham como um dos mais elevados pontos de honra o de serem contrapostos às concepções dos gentios. Ao atribuir à mentalidade dos pagãos a excessiva preocupação pelos bens deste mundo, Jesus tornava ainda mais patente sua enérgica e categórica rejeição à mesma.

“Pelo contrário, buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo”.

   A síntese de toda a doutrina do Evangelho se encontra nas palavras deste versículo; trata-se de, em primeiro lugar, buscar o Reino de Deus, como também a própria justiça desse mesmo Reino, tal como Jesus o pregou, ou seja, o oposto do almejado pelos fariseus.

   Já em nosso despertar matutino — quer sejamos pobres, quer ricos — devemos ter a lembrança deste conselho de Nosso Senhor Jesus Cristo: “buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça…”. Não obstante, infelizmente, os pobres em sua grande maioria não o fazem e, por isso, são objeto do egoísmo dos outros, vivendo em pobreza neste mundo e ameaçados a nela se lançarem eternamente. E os ricos menos ainda são inclinados a seguir a voz de Cristo, por imaginarem já possuir “todas estas coisas”…

“Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações! Para cada dia, bastam seus próprios problemas”.

   Não nos é vedado fazer uso de uma sábia e moderada prudência  no que tange à nossa manutenção. É-nos proibido, isto sim, uma destrutiva inquietação com o nosso futuro material que nos leve a esquecer as obrigações de maior atualidade e importância, com relação ao Reino de Deus. “Para cada dia, bastam seus próprios problemas”, pois jamais devemos nos esquecer da infinita bondade e carinho do Senhor, conforme transparece na primeira leitura de hoje: “Disse Sião: ‘O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim!’ Acaso pode a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, Eu, porém, não Me esquecerei de ti” (Is 49, 14-15).

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol II, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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