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8º Domingo do Tempo Comum

   Eis a Liturgia de hoje a nos indicar uma profunda solução para as crises atuais: a da desgastada questão social e a da ameaçada economia mundial.

   Quem nasceu numa Gruta, teve uma manjedoura por berço e em sua vida pública não encontrou onde repousar a cabeça tem absoluta autoridade para discorrer sobre o desprendimento.

   São Francisco de Assis chega a fazer um conúbio místico com a pobreza, e Santo Inácio de Loyola, ao partir para Jerusalém, depois de sua contemplação em Manresa, deixa na praia de Barcelona tudo quanto lhe haviam dado e leva consigo três companheiras: a fé, a esperança e a caridade.

   A outros, porém, São Paulo recomenda serem previdentes: “Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer” (II Tes 3, 10). Até onde deve ir a preocupação com nossa subsistência e qual a atitude de alma, equilibrada e santa, face aos bens deste mundo, como, também, a plena confiança em Deus, são os temas tratados neste 8º Domingo do Tempo Comum.

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Ninguém pode servir a dois senhores: pois, ou odiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. 

   O presente Evangelho faz parte do famoso Sermão da Montanha, do qual São Mateus transcreve as partes essenciais. Nele transparece a forte advertência do Divino Mestre contra o desvario dos que se afanam pelos tesouros deste mundo e acabam por se perder em meio às aflitivas preocupações da vida presente.

   Neste versículo, é muito sutil e preciso o emprego do verbo “servir”, e não qualquer outro, pois o problema central não está em ter bens materiais, mas sim no valor que a eles se tributa e, sobretudo, no afeto que se lhes tenha.

   O apego às riquezas constitui, a partir de certo grau, uma real escravidão e “ninguém pode servir a dois senhores quando mandam coisas contrárias, nem mesmo quando ordenam coisas diferentes, porque a própria natureza impede que o amor do servo se reparta para dois senhores distintos”.

   O Divino Mestre nos coloca diante de dois senhores diametralmente opostos no que concerne aos seus respectivos interesses: Deus e o dinheiro. O primeiro nos exige a crença n’Ele e em suas revelações, a esperança em suas promessas, com amor total, além da prática da castidade, da humildade, como também do cortejo de todas as virtudes. O dinheiro cobrade nós, e nos inspira ambição, volúpia de prazeres, vaidade, orgulho, menosprezo do próximo, etc.  Esses dois senhores não admitem rivais.

“Por isso Eu vos digo: não vos preocupeis com a vossa vida, com o que havereis de comer ou beber; nem com o vosso corpo,com o que havereis de vestir. Afinal, a vida não vale mais do que o alimento, e o corpo, mais do que a roupa? Olhai os pássaros dos céus: eles não semeiam, não colhem, nem ajuntam em armazéns. No entanto, vosso Pai que está nos Céus os alimenta. Vós não valeis mais do que os pássaros?”

   Evidentemente, não exclui Jesus nossa obrigação em relação ao trabalho.Deve-se buscar os bens materiais, mas sem inquietação, pois esta implicaria em negar a infinita generosidade de Deus.

   O Divino Mestre nos dá uma fundamental lição sobre a devida hierarquização de nossas preocupações. Sendo o homem composto de corpo e alma, e por ser esta mais valiosa, merece maior atenção e cuidado. Portanto, se necessário for desprezar ou abandonar outros interesses em benefício da salvação da própria alma, assim se deve proceder, pois Deus nos dará o secundário.

“Quem de vós pode prolongar a duração da própria vida, só pelo fato de se preocupar com isso?”

   A cada novo argumento, torna-se incontestável nossa impotência diante das leis da natureza e, por outro lado, a onipotência divina no governo do mundo. Se, pois, todos os dias a Providência de Deus trabalha em vós para o crescimento de vosso corpo, como ficará Ela inativa diante de verdadeiras necessidades?

“E por que ficais preocupados com a roupa? Olhai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Porém, Eu vos digo: nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é queimada no forno, não fará Ele muito mais por vós, gente de pouca fé?”

   Jesus deixa claro serem  esses lírios os “do campo”, ou seja, os que nascem a esmo, sem os cuidados dos homens. O exemplo de Salomão, preocupado por vestir-se à altura da sabedoria que lhe havia sido gratuitamente concedida por Deus, é de uma extraordinária eloquência para todos os tempos. Pois, quem com mais arte saberia realizar essa tarefa? São João Crisóstomo sintetiza bem a diferença entre as vestes de Salomão e as criadas por Deus: “das vestiduras de Salomão à flor do campo há a distância da mentira à verdade”.

   Por conseguinte, duvidar ou, pior ainda, não crer na Providência Divina é suficiente para sermos classificados como “gente de pouca fé”, pois, se esses são os cuidados de Deus para com ervas a serem queimadas quando murcharem, quanto maiores não serão eles com as almas imortais e os corpos ressurrectos!

“Portanto, não vos preocupeis, dizendo: O que vamos comer? O que vamos beber? Como vamos nos vestir?”

   Vê-se, neste versículo, o empenho do Divino Mestre em nos convencer das verdades já expostas. “O Senhor repete esta recomendação para nos fazer compreender sua necessidade e gravá-la mais profundamente em nossos corações”.

“Os pagãos é que procuram essas coisas. Vosso Pai, que está nos Céus, sabe que precisais de tudo isso”.

   Além disso, os judeus tinham como um dos mais elevados pontos de honra o de serem contrapostos às concepções dos gentios. Ao atribuir à mentalidade dos pagãos a excessiva preocupação pelos bens deste mundo, Jesus tornava ainda mais patente sua enérgica e categórica rejeição à mesma.

“Pelo contrário, buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo”.

   A síntese de toda a doutrina do Evangelho se encontra nas palavras deste versículo; trata-se de, em primeiro lugar, buscar o Reino de Deus, como também a própria justiça desse mesmo Reino, tal como Jesus o pregou, ou seja, o oposto do almejado pelos fariseus.

   Já em nosso despertar matutino — quer sejamos pobres, quer ricos — devemos ter a lembrança deste conselho de Nosso Senhor Jesus Cristo: “buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça…”. Não obstante, infelizmente, os pobres em sua grande maioria não o fazem e, por isso, são objeto do egoísmo dos outros, vivendo em pobreza neste mundo e ameaçados a nela se lançarem eternamente. E os ricos menos ainda são inclinados a seguir a voz de Cristo, por imaginarem já possuir “todas estas coisas”…

“Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações! Para cada dia, bastam seus próprios problemas”.

   Não nos é vedado fazer uso de uma sábia e moderada prudência  no que tange à nossa manutenção. É-nos proibido, isto sim, uma destrutiva inquietação com o nosso futuro material que nos leve a esquecer as obrigações de maior atualidade e importância, com relação ao Reino de Deus. “Para cada dia, bastam seus próprios problemas”, pois jamais devemos nos esquecer da infinita bondade e carinho do Senhor, conforme transparece na primeira leitura de hoje: “Disse Sião: ‘O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim!’ Acaso pode a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, Eu, porém, não Me esquecerei de ti” (Is 49, 14-15).

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol II, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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