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4º Domingo da Páscoa – Domingo do Bom Pastor

   Devemos compreender a presente parábola dentro do quadro político-social e econômico de Israel na época de Nosso Senhor, o que corresponde a uma realidade bem diferente da civilização industrial e globalizada em que vivemos. O pastoreio ― do qual poucos terão uma noção exata em nossos dias ― constituiu uma das principais atividades do povo eleito no Antigo Testamento, tendo penetrado profundamente na psicologia, na cultura e nos costumes judaicos. Por conseguinte, as imagens tiradas do cotidiano pastoril eram muito acessíveis aos ouvintes do Divino Mestre. Ele as empregou para referir-Se a algo tão elevado que é impossível de ser traduzido a não ser por símbolos: Deus feito Homem cuida com toda a perfeição de cada um de nós, como de uma ovelha muito querida. Nosso Senhor Jesus Cristo Se sente representado por um Pastor ideal, zeloso e dedicado. Em consequência, a figura heroica do pastor adquiriu um cunho sagrado e, com o  tempo, passou a adornar paredes de catacumbas, objetos litúrgicos, túmulos, monumentos sacros, entre outros, como designação corrente d’Aquele que veio ao mundo para salvar suas ovelhas.

Naquele tempo, disse Jesus:  “Em verdade, em verdade vos digo, quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante”.

   Muitas vezes os pastores tinham de arriscar a própria vida para defender as ovelhas, pois, além de não existirem armas eficazes como as atuais, em geral eles eram pessoas pobres, dispondo apenas de um cajado para enfrentar os lobos e os ladrões.

   Tão frequentes eram os assaltos aos rebanhos, que os pastores costumavam se congregar para terem maior segurança e, à noite, recolhiam todas as ovelhas num grande redil. Um deles ficava de vigília, à entrada, e se revezavam ao longo das horas. Esta era a única passagem para entrar e sair do aprisco, sendo usada tanto pelos animais quanto pelos donos.

   Os ladrões, entretanto, nunca transpunham a porta para realizar seus intentos, mas faziam um rombo na cerca, por onde penetravam e levavam as ovelhas.

“Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A esse o porteiro abre, e as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora.  E, depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz.  Mas não seguem um estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”. 

   A situação descrita por Nosso Senhor nestes versículos ocorria a cada manhã, quando o pastor ia buscar os animais no redil. A tal ponto se criava uma como que intimidade entre o pastor e suas ovelhas, que estas adquiriam certo instinto pelo qual o reconheciam com precisão e, saindo do meio das outras, se colocavam diante dele, que as conduzia para fora. Reunido todo o rebanho, iniciava-se a marcha rumo aos campos, com o pastor sempre à frente, para fazer face aos que pretendessem assaltá-lo.

Jesus contou-lhes esta parábola, mas eles não entenderam o que Ele queria dizer.

   Quem ouvia esta pregação de Nosso Senhor? Os fariseus, que não queriam admitir o recente milagre da cura de um cego de nascença (cf. Jo 9, 1-41). Contudo, para entendê-la era preciso ter fé e o coração aberto à ação do Espírito Santo, o que faltava aos fariseus. Como eram “guias espirituais de Israel, não podiam suspeitar que eles mesmos fossem ‘assaltantes’ espirituais do rebanho”.

Então Jesus continuou: “Em verdade, em verdade vos digo, Eu sou a Porta das ovelhas”.

   Embora a figura do pastor seja a mais conhecida desta parábola, Jesus primeiro Se apresenta como Porta do redil. Com o pecado original o Céu se fechou para toda a humanidade e ninguém entraria jamais nele se não nos tivesse sido outra vezaberto por Nosso Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro imolado, o Bom Pastor e a Porta do redil, nossa Páscoa, ou seja, passagem deste mundo para a bem-aventurança. Só aqueles que O aceitarem habitarão nessa sublime morada, porque Ele é o caminho seguro para atingir a perfeição. Sem Ele não há santidade, sem Ele não há salvação. 

“Todos aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram”.

   É possível que também nós nos deparemos com quem se diga pastor, mas na realidade não o seja. São mercenários gananciosos, que vivem à busca de dinheiro, mais preocupados com sua subsistência e com o acúmulo de riqueza do que com o bem das almas. Cabe- nos rezar para estarmos concernidos no exemplo das ovelhas que são dóceis à voz do pastor e não escutam os bandidos. Permaneçamos sempre atentos para saber o que a graça quer de nós, procuremos afastar-nos dos perigos e nunca nos desgarremos da grei de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Eu sou a Porta. Quem entrar por Mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem”.

   Em sentido contrário ao apontado no versículo anterior, o Divino Mestre Se apresenta como a Porta que dá acesso à pastagem, porque é Ele quem nos leva a robustecer o senso do ser, o senso moral que o pecado enfraquece.

“O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.

   Ainda em linguagem parabólica, Ele indica o pecado daqueles que desviam os outros da Religião verdadeira: matam as almas, afastando-as de Nosso Senhor, que é a vida. E a missão d’Ele, ao contrário, é dar aos homens essa vida, Ele a introduz em nossa alma no Batismo e a confirma quando recebemos a Crisma.

   Se Deus põe à nossa disposição essa vida com tal generosidade, basta pedir que Ele no-la dará. Ele possui tudo o que nós precisamos! Não podemos ter horizontes estreitos, ser medíocres na oração, mas devemos ser pessoas de grandes desejos, que imploram coisas ousadas na linha da perfeição. E como todos somos chamados à santidade, se rezarmos com decisão e energia, por meio da Santíssima Virgem, é certo que Ele nos atenderá.

   É possível que nosso exame de consciência nos acuse de alguma vez termos aderido aos ladrões. Lembremo-nos, então, de que Jesus ama tanto as suas ovelhas que Ele deseja dar-lhes a vida, apesar de miseráveis

   A principal lição a ser guardada deste 4º Domingo da Páscoa é que Jesus tem por nós um carinho que suplanta todos os afetos existentes na face da Terra. Ele é tão supremamente nosso Pastor que escolheu sofrer os tormentos do Calvário para nos salvar. Sinal de que nos ama até um limite inimaginável! Por isso, tenhamos total confiança n’Ele ao nos aproximarmos da Confissão, certos de que Ele perdoará nossos pecados, se estivermos arrependidos. Mas, sobretudo, saibamos buscá-Lo na Eucaristia, onde Ele Se oferece em Corpo, Sangue, Alma e Divindade e nos prepara para recebermos a vida em plenitude. Isto se dará quando passarmos pela Porta do redil e adentrarmos no Céu, onde veremos a Deus face a face. Ali estaremos na alegria do Pai, do Filho e do Espírito Santo, numa gloriosa participação nessa família, que é a Santíssima Trindade, junto com Nossa Senhora, os Anjos e os Bem-aventurados.

Obra consultada:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

 

 

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A Missa explicada por São Pio de Pietrelcina

   Padre Pio era o modelo de cada padre… Não se podia assistir “à sua Missa”, sem que nos tornássemos, quase sem perceber, “participantes” desse drama que se vivia a cada manhã sobre o altar. Crucificado com o Crucificado, o Padre revivia a Paixão de Jesus com grande dor, da qual fui testemunha privilegiada, pois lhe ajudava, na Missa. Ele nos ensinava que nossa Salvação só se poderia obter se, em primeiro lugar, a Cruz fosse plantada na nossa vida. Dizia: “Creio que a Santíssima Eucaristia é o grande meio para aspirar à Santa Perfeição, mas é preciso recebê‑La com o desejo e o engajamento de arrancar, do próprio coração, tudo o que desagrada Àquele que queremos ter em nós”.(27 de julho 1917).

   Pouco depois da minha ordenação sacerdotal, explicou‑me ele que, durante a celebração da Eucaristia, era preciso colocar em paralelo a cronologia da Missa e a da Paixão. Trata‑se, antes de tudo, de compreender e de realizar que o Padre no altar é Jesus Cristo. Do sinal da Cruz inicial até o Ofertório, é preciso ir encontrar Jesus no Getsemani, é preciso seguir Jesus na Sua agonia, sofrendo diante deste “mar de lama” do pecado. E, a partir desta visão, é preciso escutar as leituras da Missa como sendo dirigidas a nós, pessoalmente .

   O Ofertório: É a prisão, chegou a hora… O Prefácio: É o canto de louvor e de agradecimento que Jesus dirige ao Pai, e que Lhe permitiu, enfim, chegar a esta “Hora”. Desde o início da oração Eucarística até a Consagração: Nós nos unimos a Jesus em Seu aprisionamento, em Sua atroz flagelação, na Sua coroação de espinhos e Seu caminhar com a Cruz nas costas, pelas ruelas de Jerusalém.

A Consagração nos dá o Corpo entregue agora, o Sangue derramado agora. Misticamente, é a própria crucifixão do Senhor. Nós nos uníamos em seguida a Jesus na Cruz, oferecendo ao Pai, desde esse instante, o Sacrifício Redentor. Este é o sentido da oração litúrgica que segue imediatamente à Consagração.

   “Por Cristo com Cristo e em Cristo” corresponde ao brado de Jesus: “Pai, nas Tuas Mãos entrego o Meu Espírito!” Desde então, o sacrifício é consumado por Cristo e aceito pelo Pai. Daqui por diante, os homens não mais estão separados de Deus e se encontram de novo unidos. É a razão pela qual, nesse instante, recita‑se a oração de todos os filhos: “Pai Nosso…”.

   A fração da hóstia indica a Morte de Jesus… A Intinção, instante em que o Padre, tendo partido a Hóstia (símbolo da morte…), deixa cair uma parcela do Corpo de Cristo no cálice do Precioso Sangue, marca o momento da Ressurreição, pois o Corpo e o Sangue estão de novo reunidos e é a Cristo Vivo que vamos comungar.

Depois de ter escutado uma tal explicação dos lábios do próprio Padre Pio e sabendo bem que ele vivia dolorosamente tudo aquilo, compreende‑se que me tenha pedido segui‑lo neste caminho… o que eu fazia cada dia… E com que alegria!

Entrevista com Pe. Pio

Uma entrevista do Padre Pio revela a tamanha grandeza do que ele viveu nessas Missas que se tornaram famosas em todo o mundo.

– Padre, o Senhor ama o Sacrifício da Missa?

– Sim, porque Ela regenera o mundo.

– Que glória dá a Deus a Missa?

– Uma glória infinita.

– Padre, como devemos assistir à Santa Missa?

– Como assistiram a Santíssima Virgem e as piedosas mulheres. Como assistiu S. João Evangelista ao Sacrifício Eucarístico e ao Sacrifício cruento da Cruz.

– Padre, durante o Sacrifício divino o senhor carrega os nossos pecados?

– Não posso deixar de fazê‑lo, já que é uma parte do Santo Sacrifício.

– Eu já vi o senhor tremer ao subir aos degraus do altar. Por quê? Pelo que tem de sofrer?

– Não pelo que tenho de sofrer, mas pelo que tenho de oferecer.

– Padre, esta manhã na Missa, ao ler a história de Esaú, que vendeu os direitos de sua primogenitura, seus olhos se encheram de lágrimas.

– Parece‑te pouco desprezar o dom de Deus!?

– Padre, por que o senhor chora no Ofertório?

– Queres saber o segredo? Pois bem: porque é o momento em que a alma se separa das coisas profanas.

– No altar, o senhor está pregado na Cruz, como Jesus no Calvário? 

– E ainda me perguntas?

– Padre, os carrascos deitaram a Cruz no chão para pregar os cravos em Jesus?

– Evidentemente.

– Ao senhor também lhos pregam?

– E de que maneira!

– Padre, durante a Missa o senhor pronuncia as Sete Palavras que Jesus disse na Cruz?

– Sim, indignamente, mas também as pronuncio.

– E a quem diz: “Mulher, eis aí teu filho”

– Digo para Ela: “Eis aqui os filhos de Teu Filho”.

– O senhor sofre a sede e o abandono de Jesus?

– Sim.

– Em que momento?

– Depois da Consagração.

– Até que momento?

– Costuma ser até a Comunhão.

– Que é a Sagrada Comunhão?

– É toda uma misericórdia interior e exterior, todo um abraço. Pede a Jesus que Se deixe sentir sensivelmente.

– Quando se une a Jesus na Santa Comunhão, que quer que peçamos a Deus pelo senhor?

– Que eu seja outro Jesus, todo Jesus e sempre Jesus.

– Padre, por que o senhor chora ao pronunciar a última palavra do Evangelho de São João: “E vimos sua glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”?

– Parece‑te pouco? Se os Apóstolos, com seus olhos de carne, viram essa glória, como será a que veremos no Filho de Deus, em Jesus, quando se manifestar no Céu?

– Que união teremos então com Jesus?

– A Eucaristia nos dá uma idéia.

– A Santíssima Virgem assiste à sua Missa?

– Julgas que a Mãe não se interessa por seu Filho?

– E os Anjos?

– Em multidões.

– Padre, quem está mais perto do Altar?

– Todo o Paraíso.

– O senhor gostaria de celebrar mais de uma Missa por dia?

– Se eu pudesse, não quereria descer do Altar.

– Padre, o senhor se lembra de mim na Santa Missa?

– Durante toda a Missa, desde o princípio até o fim, lembro-me de ti. 

Biografia

   Nascido em janeiro ou maio de 1887, na aldeia de Pietrelcina, perto da cidade de Benevento, Itália, Francesco Forgione, conhecido como Padre Pio, teve as mãos, pés e tórax estigmatizados ‑ como Cristo ‑, durante suas ardentes orações. Capuchinho, recebeu ordenação do sacerdócio em 1910. Em 1915 recebeu as chagas de Nosso Senhor de maneira invisível e três anos depois se abriram os estigmas, quando dava graças numa Missa. Calcula‑se que durante sua vida padre Pio tenha perdido dez vezes o peso de seu corpo nos sangramentos de suas feridas, que não cicatrizavam, não melhoravam e nem se corrompiam. E assim sucedeu durante 50 anos, até seu falecimento em 23 setembro de 1968.

   Seus feitos milagrosos são muitos e variados. Podia mesmo penetrar na consciência das pessoas e narrar‑lhe todos os seus pecados. Chegava a passar mais de 16 horas no confessionário e diariamente oferecia seus sofrimentos em favor da humanidade.

   Possuía ainda o dom da bilocação, tendo sido visto no convento enquanto, muito distante, consolava doentes ou agonizantes.

   Mesmo assim padre Pio foi objeto de perseguição, tendo Bento XV que se pronunciar em seu favor, dizendo que padre Pio era “uma alma extraordinária enviada por Deus para conduzir os homens a Ele”.

   Quando morreu, seu cadáver ficou exposto por quatro dias sem sinal algum de decomposição e mais de 100 mil pessoas acompanharam o seu funeral.

   Em 1947, Karol Wojtyla, mais tarde, João Paulo II, visitou Padre Pio. Este o observou por um instante e, comovido, profetizou: “Tu serás Papa. Mas eu vejo também sangue e violência sobre ti”. O Papa João Paulo II o beatificou em 2 de maio de 1999.

Fonte: Tradition Catolica, n1 141, nov/1998, citando “Assim Falou o Padre Pio” (S. Giovanni Rotondo, Foggia, Itália, 1974) com o Imprimatur de D. Fanton, Bispo Auxiliar de Vicenza (com pequenas adaptações). Autor: Pe. Jean Derobert. Publicado na Catolicanet, em 12/3/2004.

 

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3º Domingo da Páscoa

Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus iam para um povoado, chamado Emaús, distante onze quilômetros de Jerusalém. Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido.

   Pelo seu estilo e delicadeza de narração, este é um dos mais belos relatos do terceiro Evangelho.Quanto à cidadezinha de Emaús, há uma dezena de hipóteses sobre sua real localização, e não se têm elementos para saber qual a verdadeira. Retenhamos apenas a distância de 11 km.

   Alguns Padres da Igreja levantam a hipótese de ser o próprio São Lucas um deles, e assim se entenderia melhor o motivo pelo qual ele não quis mencionar o nome do segundo discípulo.

Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus Se aproximou e começou a caminhar com eles.

   O Divino Mestre havia prometido, em vida, estar presente quando dois ou mais estivessem reunidos em seu nome (cf. Mt 18, 20), eis aqui o cumprimento de suas palavras. Foi a conversa entre ambos o fator que atraiu o Redentor a Se agregar a eles.

Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e não O reconheceram.

   “Alguns autores pensam que uma ação sobrenatural era que lhes impedia reconhecer Cristo. Mas a frase do Evangelho não exige que tenha se dado uma ação desse gênero. Aconteceu simplesmente que Cristo ressuscitado apareceu-lhes em Corpo glorioso, sob uma forma não mais comum e corrente”. Ou então, segundo o comentário de Teófilo: “Apesar de ser o mesmo Corpo que havia padecido, já não era visível para todos, senão unicamente para aqueles que Ele quisesse que O vissem; e para que não duvidassem que doravante já não viveria entre os homens, porque seu modo de vida depois da Ressurreição já não era humano, mas antes divino, uma pré-figura da futura ressurreição, na qual viveremos como Anjos e filhos de Deus”.

Então Jesus perguntou: “O que ides conversando pelo caminho?” Eles pararam, com o rosto triste…

   Ele conheceu desde toda a eternidade não só aqueles dois discípulos, como também o recôndito de suas almas e até mesmo o conteúdo da conversa de ambos; por isso, Ele pergunta apenas para dar início ao diálogo e ter oportunidade de mais diretamente animá-los.

   Quantas vezes em nossa vida, não terá Jesus Se aproximado de nós para nos reanimar!…

…e um deles, chamado Cléofas, Lhe disse: “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?”

   Era de fato incompreensível que um judeu vindo de outras províncias não se inteirasse, ao passar por Jerusalém, dos últimos grandes acontecimentos ali sucedidos. A ressurreição de Lázaro, a expulsão dos vendilhões do Templo, um número incontável de milagres, as arrebatadoras pregações de Jesus e, sobretudo, sua prisão, condenação e Crucifixão, o escurecimento do céu, o tremor da terra, o véu do Templo cindido, o passeio dos justos que haviam saído de seus túmulos — esses eram fatos suficientes para convulsionar a opinião pública. Não havia outro tema para se considerar senão esse, daí a perplexidade manifestada por Cléofas.

Ele perguntou: “O que foi?” Os discípulos responderam: “O que aconteceu com Jesus, o Nazareno, que foi um Profeta poderoso em obras e em palavras, diante de Deus e diante de todo o povo.

   Segundo alguns autores, esta resposta tem sua origem na falta de fé dos dois discípulos, como também no medo de serem presos. Não poderia o forasteiro se escandalizar ouvindo a proclamação da divindade de Jesus?

“Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes O entregaram para ser condenado à morte e O crucificaram”.

   Eles narram os fatos com o coração nos lábios e, apesar de extremamente chocados com as atitudes das autoridades religiosas e civis, em nenhum momento manifestam desrespeito ou revolta contra as mesmas. Era um dos resultados obtidos pela ação apostólica de Jesus. O possessivo “nossos”, na voz desses discípulos, demonstra claramente a disposição de submissão e até de veneração face aos detentores do poder. Eles não se separam, e menos ainda injuriam. Essa sempre foi a nota distintiva do verdadeiro Cristianismo.

“Nós esperávamos que Ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas estas coisas aconteceram!”

   O verbo esperar, empregado no passado, dá bem ideia da decepção na qual se encontravam ambos. Suas atenções estavam concentradas, sobretudo, na possível libertação do domínio dos romanos. Contudo, se bem estivessem com a virtude da fé um tanto abalada, restava-lhes ainda uma esperança: era a promessa proferida por Jesus em várias ocasiões sobre sua Ressurreição ao terceiro dia.

“É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deram um susto. Elas foram de madrugada ao túmulo e não encontraram o Corpo d’Ele. Então voltaram, dizendo que tinham visto Anjos e que estes afirmaram que Jesus está vivo. Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito. A Ele, porém, ninguém O viu”.

   Segundo os cânones do pensamento humano, com a trágica Morte do Divino Mestre, todas as esperanças haviam terminado, por mais que as melhores testemunhas afirmassem ter desaparecido seu Corpo. Mas, a prova de sua Ressurreição ainda não se havia consumado oficialmente. Quais os elementos para crerem? Só as palavras dos profetas e do próprio Jesus? Sendo afirmações e promessas feitas pela Verdade Absoluta, era preciso admiti-las como reais.

Então Jesus lhes disse: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Será que Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?”

   Sim, era-lhes necessário crer na Escritura, como São Pedro diria mais tarde: “Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação  pessoal. Porque jamais uma profecia foi proferida por efeito de uma vontade humana. Homens inspirados pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus” (II Pd 1, 20-21). Por isso, mais vale crer no testemunho dos profetas do que em nossos sentidos. Aqueles não falham, estes, porém, não raras vezes nos enganam. Para crer, não lhes era indispensável ter acompanhado ao túmulo as Santas Mulheres, nem Pedro e João; bastava-lhes recordarem as assertivas das Escrituras sobre a Ressurreição, tanto mais que as da Paixão já se haviam cumprido tais quais.

E, começando por Moisés e passando pelos profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito d’Ele.

   Que grande privilégio o daqueles dois! Decerto, o Divino Mestre deve ter-lhes mostrado, através de luminosas palavras e de especiais graças, o quanto era errôneo o conceito unânime no povo eleito a respeito de um Messias triunfante, restaurador de seu poder político-social e instaurador de uma influente e prestigiosa supremacia sobre as outras nações. A Escritura Lhe serviu de argumento irrefutável para os objetivos da formação que desejava dar-lhes.

Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia mais adiante. Eles, porém, insistiram com Jesus, dizendo: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!”Jesus entrou para ficar com eles.

   A Delicadeza e a Didática em substância se unem nesse gesto do Salvador ao fazer de conta que ia adiante. Desta forma, incentiva- -os não só a convidá-Lo a permanecer com eles, como também a conferir à sua companhia o devido valor. Eles O convidam e até insistem, apresentando como argumento a hora tardia. Exemplo para nós: quando rezamos, trata-se de usar de pertinácia, pois, dessa forma, “Jesus entrará para ficar conosco”. Caso contrário, Ele seguirá adiante.

Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o,partiu-o, e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu dafrente deles.

   Terá Jesus, nessa hora, operado a transubstanciação? Eis uma questão muito debatida nos séculos XVI e XVII, entre duas correntes teológicas. Uma conclusão clara a esse respeito ainda está por se fazer. Entretanto, por mais que não se tivesse dado a Consagração Eucarística, estava ela ali figurada. E é indiscutível ser esse Sacramento fundamental para nos fortalecer  a fé e fazê-la crescer, sobretudo no tocante ao mysterium fidei que enfeixa a Paixão e a Ressurreição do Redentor. A Eucaristia nos dá a vida sobrenatural, que tem seu fundamento na fé. Crer na Ressurreição de Cristo é absolutamente necessário para nossasalvação, e sem essa crença é impossível nosso próprio progresso na vida espiritual.

Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?”  Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros. E estes confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. 

   Os versículos finais nos retratam com muita viveza e piedade os efeitos dessa primeira aparição de Jesus a dois fiéis da Igreja nascente, sendo especialmente digno de nota o testemunho da ação da graça mística nas almas de ambos, enquanto Jesus  lhes discorria sobre as Escrituras.

   É tal o apreço de Deus por sua própria Palavra, que Ele sempre faz acompanhar de generosos auxílios o estudo, interesse e piedade aplicados ao conhecimento amoroso dos textos sagrados.

   Nos versículos logo a seguir, São Lucas narra a aparição de Jesus aos Onze em Jerusalém. Novamente reluz a infinita sabedoriae diplomacia do Divino Mestre, ao tratar os Apóstolos com insuperável carinho e grandeza, ao mesmo tempo. Só Ele consegue harmonizar virtudes tão opostas; e, apesar de não ser acrescentada ao Evangelho deste domingo, lucraremos muito em relê-la.

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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Motivos para celebrar o mês de Maria

         Mensis iste vobis principium mensium: primus erit in mensibus anni

“Este mês será para vós o princípio dos meses: será o primeiro dos meses do ano” (Ex. 12, 2).

Para o inocente

   Muito grande é a necessidade que tens da proteção de Maria para a tua salvação. És inocente? Lembra-te que trazes o tesouro da inocência em vasos frágeis de barro, e que estás em perigo contínuo de o perder (Cf. 2 Cor. 4, 7.) Quantos, mais inocentes do que tu, caíram depressa em pecado e se perderam! Quantos ficaram amigos de Deus durante muitos meses, e até anos, e em seguida perderam a graça de Deus e naufragaram exatamente quando estavam para entrar no porto! – Isto tem acontecido não só a pessoas engolfadas em negócios temporais, nos prazeres do mundo; outras retiradas na solidão, exaustas pelos jejuns, extenuadas pelos trabalhos, levavam vida austera e penitente, e todavia caíram vítimas infelizes do pecado, talvez por um olhar, por um pensamento! Vê, pois, que também a tua inocência não te pode dar segurança.

Para o pecador

   És pecador? Sabe então que sem um auxílio poderoso te é impossível levantar-te do abismo em que caíste. O pecado tirou-te as forças: a natureza corrompida, os hábitos inveterados, as ocasiões perigosas prendem-te fortemente à Terra. E quem te defenderá contra a ira de Deus, que já está talvez com a espada levantada? Quem te livrará de tantos perigos? Quem te salvará no meio de tantos inimigos?

Para o pecador arrependido

   Se porventura já te levantastes do pecado, não precisas menos de amparo. Quem te assegura que não tornarás a cair? Quem te assegura que serás fiel até à morte? Já mais de uma vez voltaste a Deus e mais de uma vez tornaste a pecar. Ah! se não fosse Maria, estarias talvez irreparavelmente perdido!

Será que este não é meu último mês de Maio?

Pois, bem: com a devoção deste mês de Maria, podes obter o seu patrocínio e a tua Salvação. Será possível que uma Mãe tão terna deixe de atender a um seu filho devoto? Se por causa de um Rosário, de um jejum Ela tem concedido favores assinalados aos maiores pecadores, de certo não tos negará, se A servires durante um mês inteiro. Mas ai de ti, se perderes a presente graça! Ai de ti se, começando bem, depois de poucos dias afrouxares! Quem sabe se não é este o último convite que Deus te faz? A última ocasião para te converteres? Quem sabe se a este exercício não está ligada a tua perseverança final?… E, além disto, quem sabe se não é este o último ano, o último mês da tua vida? Pensa nisto seriamente e resolve-te.

Um Mês para pedir especiais graças

Seja o fruto desta meditação a mais fervorosa celebração deste mês de Maria, preparando-te para a morte, como se realmente te fora revelado que o presente mês é o último da tua vida e que terás de morrer nos primeiros dias de junho. Em vez de aumentar o número dos teus exercícios de devoção, procura antes fazer as ações do costume com mais perfeição, e cumprir com todo o rigor os deveres do teu estado.

Para esse fim, levanta-te logo, quando for hora de levantar, para não começar o dia com um ato de preguiça, e consagra-te inteiramente à divina Mãe. Faze a tua meditação com mais fervor, ouve cada manhã uma Santa Missa, e durante o dia, conforme o permitirem as tuas ocupações, lê algum tempo sobre as Glórias de Maria, ou em outro livro espiritual; faze uma visita a Jesus Sacramentado e conserva-te continuamente na presença de Deus pelo uso freqüente das orações jaculatórias. Examina sobretudo a tua consciência, e, se achares alguma coisa que te possa incomodar na hora da morte, ajusta-a quanto antes por meio de uma boa confissão; e durante todo este mês guarda-te de cometer pecados veniais plenamente deliberados. Depois, não deixes de praticar com exatidão algum obséquio especial que te proponhas fazer em honra de Maria santíssima e invoca-a sempre em tuas necessidades, particularmente com o belo título de Mãe do Perpétuo Socorro.

Oração do dia

Santíssima Mãe de Deus e Mãe de misericórdia, eis-me aqui na vossa presença e na de vosso Divino Filho, para Vos tributar as minhas homenagens, Vos louvar com a minha língua e Vos venerar com o meu coração. Iluminai, Senhora, o meu espírito, inflamai a minha vontade, a fim de que Vos possa oferecer dignamente o tributo da minha servidão, para maior glória de Deus, para honra vossa e proveito da minha alma.

Fonte: Pe. Thiago Maria Cristini, C. SS. R., “Meditações para todos os dias do ano tiradas das obras de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja”, Herder e Cia., tomo II, págs. 325 – 328, Friburgo em Brisgau, Alemanha, 1921.
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