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Festa do Batismo do Senhor

   A comemoração do Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo encerra com chave de ouro o Tempo do Natal. Grande festa para os católicos, porque é neste Batismo, como veremos, que está incluído o nosso e, portanto, o início da participação de cada um na vida sobrenatural, na vida de Deus. Adão fechou a seus descendentes as portas do Paraíso Celeste, mas Nosso Senhor Jesus Cristo, com a Encarnação, abriu-as outra vez.

Naquele tempo, Jesus veio da Galileia para o rio Jordão, a fim de Se encontrar com João e ser batizado por ele.

   Qual a intenção de Nosso Senhor Jesus Cristo ao escolher o rio Jordão para seu Batismo?

   Tratava-se de um rio emblemático na história de Israel. Quando os judeus saíram da escravidão do Egito e entraram na Terra Prometida, onde viveriam em liberdade, Josué abriu as águas do Jordão para que o povo eleito. o atravessasse. O Jordão representava a linha divisória entre a terra do tormento, e a terra onde corria leite e mel. Assim, o Batismo de Nosso Senhor abre aos chamados a pertencer à Igreja, a possibilidade de deixarem para trás a escravidão do pecado e de serem introduzidos no Reino de Deus.

Mas João protestou, dizendo: “Eu preciso ser batizado por Ti, e Tu vens a mim?”

   São João preparava os caminhos do Senhor na mais completa submissão a Ele. Quando ele O vê aproximar-Se a fim de receber o batismo de penitência de suas mãos, em seguida reconhece n’Ele o Messias.

   Era para sua chegada que o Precursor preparava as pessoas com o batismo, pelo que, sem hesitação alguma, O aponta aos outros: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Aquele era o Redentor, Aquele era Deus, pois existia antes dele (cf. Jo 1, 15), embora fosse seis meses mais velho.

   Nessas circunstâncias, criava-se nele um choque psicológico vocacional: como haveria ele de batizar quem não precisava de Batismo? São os paradoxos com que se depara, não raras vezes, quem é chamado a uma grande missão e se sente inferior a ela.

Jesus, porém, respondeu-lhe: “Por enquanto deixa como está, porque nós devemos cumprir toda a justiça!”

   Se bem que Nosso Senhor não negasse que São João deveria ser batizado por Ele, ainda que não houvesse pecado, deu a razão suprema pela qual desejou o Batismo.

   A divina Justiça exigia uma reparação por nossos pecados. Por isso, tendo Se encarnado, quis Ele, a Inocência, como primogênito do gênero humano, assumir sobre Si os crimes e misérias de toda a humanidade e entrar no Jordão a fim de submergi-los nas águas. Assim, tirava esse pesado fardo de nossas costas e destruía a “maldição que se fundava na transgressão da Lei”.

E João concordou.

   Expressa a suprema vontade do Divino Mestre, João concorda e, fiel à ordem recebida, obedece, ignorando todas as aparências. Não se preocupa com a desproporção entre a estreiteza e simplicidade do rio Jordão e a grandeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele só considera o que a fé lhe mostra: que ali está o Filho de Deus feito Homem

Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água. Então o Céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus, descendo como pomba e vindo pousar sobre Ele.

   O Céu se abriu, significando que o acesso à bem-aventurança, antes fechado à humanidade decaída em virtude do pecado de Adão, fora aberto pelo poder e pela Redenção de Cristo.

   Era apropriado, como afirma São Tomás, que o Céu se tivesse aberto quando o Filho de Deus recebeu o Batismo, para indicar “que o caminho do Céu está aberto para os batizados”.

   Também era conveniente que se visse o Espírito Santo, porque sendo a Redenção obra da Santíssima Trindade, devia tornar-se patente, em certo momento, que as três Pessoas Divinas estavam unidas para conceder o perdão dos pecados e franquear o Céu aos homens.

E do Céu veio uma voz que dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus o meu agrado”.

   Desde toda a eternidade, Deus concebeu a criação com o projeto, por assim dizer, de engendrar filhos para Si. Isso se fez possível com a maravilha sobrenatural da graça – sexto plano da criação -, pela qual as criaturas racionais participam da própria vida de Deus e se tornam seus filhos.

   Ora, o supremo arquétipo desta filiação divina autêntica é Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho por excelência, inimaginável, insuperável, conforme o Pai revela na teofania posterior ao Batismo: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus o meu agrado”.

O Batismo de Jesus, que a Igreja comemora neste dia, abre as portas para a instituição do Batismo sacramental.

   Conforme comenta São Tomás: “Para que algo seja aquecido, deve sê-lo pelo fogo, pois só se obtém a participação em algo através daquilo que tem a mesma natureza; assim também a adoção filial deve ser feita por meio do Filho, que o é por natureza”.

    Se alguém transformasse um pedregulho em colibri, faria um milagre muito menor do que o operado no Batismo. Entre a pedra e o colibri há certa proporção, pois ambos pertencem à natureza material. Mas, tornar uma criatura humana partícipe da natureza divina é um salto infinito, que Nosso Senhor nos concede com o Batismo.

   Neste mundo, quantas vezes as pessoas anseiam por conseguir uma vaga num colégio, num emprego, num clube, ou em outros lugares que as possam prestigiar. Ora, no Céu temos reservada uma vaga eterna, um trono extraordinário, uma coroa de glória, a partir do momento em que as águas batismais nos caem sobre a cabeça, constituindo-nos herdeiros de Deus e garantindo-nos o convívio com Ele na felicidade sem fim.

   E o grande problema de nossos dias é ter sido esquecida esta verdade. Vivemos numa civilização feita de pecado, especialmente a impureza, a revolta contra Deus e o igualitarismo. Nela, a humanidade ignora o que há de principal na existência: o chamado para essa filiação divina.

   Quanto precisaríamos crescer na devoção ao nosso Batismo pessoal, ao Batismo dos outros com quem nos relacionamos! Que veneração deveríamos conservar pela pia batismal onde fomos batizados! Como teríamos de celebrar com fervor o dia do nosso Batismo, considerando-o muito mais importante do que o próprio dia do nascimento, porque nele nascemos para a vida sobrenatural, nascemos para o Céu!

   Eis a maravilha que nos lembra a festa do Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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Epifania do Senhor

Um meditação para o dia da Epifania!

Vidimus enim stellam eius in oriente, et venimus adorare eum

“Vimos a sua estrela no Oriente, e viemos adorá-Lo (Mt. 2, 2).

   Jesus, apenas nascido, quis começar a comunicar-nos as graças da Redenção. Por meio de uma estrela chama os Magos, e na pessoa destes a todos nós, a fim de O venerarem.

   Os santos Reis põem-se logo a caminho, entram, adoram o Santo Menino e oferecem-Lhe as suas ofertas místicas. Adoremo-Lo nós também, em união com os santos Reis, e ofereçamos-Lhe pelas mãos de Maria os nossos corações arrependidos e amantes.

Acharam o Menino com Maria, sua Mãe

   Manda uma estrela iluminar os santos Magos, para que venham conhecer e adorar o seu Salvador. Foi esta a primeira e também a maior graça que Jesus nos deu: a vocação à fé, a qual sucede a vocação à graça, de que os homens se achavam privados.

   Jesus nasce pobre numa lapinha; os Anjos do Céu, é verdade, reconhecem-No por seu Senhor, mas os homens da terra deixam-No abandonado. Vêm apenas uns poucos pastores para O adorar. O Redentor, porém, já quer começar a comunicar-nos a graça da Redenção, e por isso começa a manifestar-Se aos gentios que menos O conheciam.

   Sem demora os Magos se põem a caminho; a estrela acompanha-os até onde está o Santo Menino. Chegados ali, entram, e o que acham? “Acharam o Menino com Maria” (Mt 2,2). Eles acham uma Donzela pobre e um Menino pobre envolto em paninhos, sem ninguém para O servir ou assistir.

   Mas como? Ao entrarem naquela humilde casa, os santos peregrinos sentem uma alegria nunca dantes experimentada;

         Os santos Reis olham depois para Maria, que está silenciosa, mas com semblante no qual reluz uma doçura celeste, acolhe-os e agradece-lhes o terem vindo os primeiros a reconhecer-Lhe o Filho por seu soberano Senhor. Eis que os santos varões, silenciosos pelo respeito, adoram o Filho da Virgem e reconhecem-No como Deus, beijando-Lhe os pés e oferecendo-Lhe os seus presentes: ouro, incenso e mirra.

   Em união com os santos Magos, adoremos o nosso pequenino Rei Jesus e ofereçamos-Lhe todo o nosso coração. sentem seu coração atraído para aquele Menino pequenino. Aquela palha, aquela pobreza, aqueles vagidos de seu pequeno Salvador, ah!, que setas de amor para seus corações, que chamas felizes de amor neles se acendem!

   O Menino acolhe-os com sorriso amável, demonstrando assim o afeto com que os aceita entre as primeiras presas da sua Redenção.

O que vou oferecer?

   Ó amável Menino Jesus, ainda que Vos veja nessa gruta, deitado sobre a palha, tão pobre e tão desprezado, a fé ensina-me que sois meu Deus, descido do Céu para a minha salvação. Reconheço-Vos por meu soberano Senhor e meu Salvador, mas nada tenho para Vos oferecer.

   Não tenho ouro de amor, porque amei as criaturas e os meus caprichos, e não Vos amei a Vós que sois infinitamente amável. Não tenho incenso de oração, porque até hoje vivi miseravelmente esquecido de Vós. Não tenho mirra de mortificação, porquanto tantas vezes tenho desgostado a vossa infinita bondade. Que poderei eu oferecer-Vos?

   Ofereço-Vos este meu coração, imundo e pobre como é; aceitai-o e transformai-o. Viestes sobre a terra exatamente para, com o vosso Sangue, purificar os corações humanos do pecado e assim transformá-los de pecadores em santos.

   Dai-me Vós mesmo o ouro, o incenso e a mirra que desejais. Dai-me o ouro de vosso santo amor; dai-me o espírito da santa oração, dai-me o desejo e a força para me mortificar em todas as coisas que Vos possam desagradar. Estou resolvido a obedecer-Vos e a amar-Vos; mas Vós conheceis a minha fraqueza, dai-me a graça de Vos permanecer fiel.

   Ó Virgem Santíssima, Vós acolhestes com tamanha benignidade e consolastes os santos Magos, acolhei-me e consolai-me também, agora que venho adorar vosso Filho e consagrar-me inteiramente a Ele. Minha Mãe, tenho confiança absoluta em vossa intercessão. Recomendai-me a Jesus. Em vossas mãos deposito a minha alma e a minha vontade; ligai-a para sempre ao amor de Jesus.

 

Fonte: Pe. Thiago Maria Cristini, C. SS. R., “Meditações para todos os dias do ano tiradas das obras de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja”, Herder e Cia., tomo I, págs. 122 – 124, Friburgo em Brisgau, Alemanha, 1921.

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Solenidade da Epifania

I – A inocência diante do maravilhoso

   No trato com crianças não é difícil constatar o seu senso do maravilhoso. Quando o inocente está em formação e despontam os primeiros lampejos do uso da razão, ele se encanta com tudo quanto vê, acrescentando à realidade algo que ela, de si, não tem. Ou seja, imagina aspectos magníficos e grandiosos por detrás de aparências simples. É isso que constitui a alegria da vida infantil.

É indispensável alimentar a fé com as belezas da criação

   Nos tempos hodiernos, fruto de vários séculos de decadência moral, procura-se arrancar às crianças, o mais cedo possível, o maravilhoso. E com esta perda vai-se embora também a inocência. Aos poucos os jovens são introduzidos num ambiente onde o hábito de admirar já não existe. Às vezes, nos cursos de Religião se nota o empenho dos professores em dizer que nas Sagradas Escrituras muitos episódios não passam de lenda e fantasia, e não aconteceram como estão narrados. Tudo para dissuadir o aluno da ideia do milagre, da intervenção de Deus, do sobrenatural e da relação que há entre o homem, a ordem do universo e Deus.

   Tal sede de maravilhoso, tão viva no mundo dos inocentes, deveria permanecer no horizonte dos adultos e, inclusive, crescer. É preciso continuar crendo na maravilha e alimentar a fé com a contemplação das belezas criadas por Deus, pois até um colibri tentando tirar o seu alimento de uma flor, com elegância e agilidade, nos remete a Deus, a seu poder e formosura.

Consideremos a Epifania com senso do maravilhoso

   É por este prisma que analisaremos a Solenidade da Epifania. Joseph de Maistre dizia: “La raison ne peut que parler, c’est l’amour qui chante!   A inteligência só sabe falar, o amor é que canta”. Acompanhemos, então, a Liturgia deste dia com amor.

Guiados por uma estrela

   Um dos elementos principais é a visão da estrela que levou os Magos a se porem a caminho. De que modo se explica que eles tivessem discernido o simbolismo desse misterioso astro? A estrela avistada pelos Reis Magos, segundo São Tomás, não era um astro como os demais, pois tinha sido criada por Deus para aquela circunstância, não no céu, mas na atmosfera, perto deles, com o objetivo de manifestar a realeza celeste do Menino que nascera em Belém. Pelo fato de aos judeus o Senhor transmitir suas instruções através dos Anjos, foram estes que anunciaram aos pastores o nascimento do Messias. Aos Magos, contudo, acostumados a contemplar o firmamento, Deus comunica a mensagem mediante uma estrela. Presume-se que a distância percorrida pelos Reis, para os padrões atuais, não tenha sido grande. Naquele tempo, porém, a viagem era feita, na melhor das hipóteses, de camelo, com uma comitiva a pé. Era preciso ir a passo, o que tornava o deslocamento lento, não sendo possível percorrer mais de 30 ou 40 km por dia. As estradas eram precárias, sem mencionar os imprevistos, como animais ferozes, assaltantes, condições de hospedagem deficientes… Era uma aventura penosa e arriscada. Não obstante, eles não se preocupam com nada disso e põem-se a caminho em busca do Salvador, o Rei dos judeus. Mas quem os impele, realmente? A ação do Espírito na alma é mais importante que os sinais tanto aos pastores quanto aos Reis, o Espírito Santo falou no fundo da alma, inspirando-lhes a fé no advento do Messias. Com efeito, muitos outros avistaram a estrela, pois ela não fora invisível, e vários conheceram também o relato dos pastores de Belém, na noite de Natal; todavia, nem todos acreditaram, só aqueles que foram favorecidos por moções do Espírito Santo.

Confiamos mais em Deus se tivermos as mãos vazias

   Impelidos por um sopro divino, os Magos chegam a Jerusalém, imaginando talvez que o povo estivesse em festa pelo nascimento do Rei esperado. No entanto, apesar de encontrarem tudo na mais completa normalidade, e, na sua ingenuidade, vão pedir informações sobre o Rei dos judeus ao próprio Herodes. Era o homem a quem nunca deveriam procurar! Este fica perturbado, pensando que ia perder o trono. E o rei idumeu, embora rico e poderoso, não é capaz de se aproximar serenamente do Menino Jesus para Lhe render homenagem, mas quer matá-Lo. Eloquente contraste, útil para a vida espiritual.

   O que mais vale é saber onde está Nosso Senhor Jesus Cristo e adorá-Lo, ou possuir todos os bens da Terra? Muitas vezes Deus faz com que estes nos faltem, porque quando as mãos estão carregadas de riquezas é difícil juntá-las para rezar. Estamos mais aptos a confiar em Deus se temos as mãos vazias. Portanto, não nos perturbemos caso venhamos a passar necessidades. Enfrentar problemas, dramas e aflições é um dom de Deus. Quem não sofre e não experimenta alguma instabilidade deposita a segurança em si mesmo e acaba por voltar as costas ao Criador, o que lhe acarreta o maior dos sofrimentos: ignorar a felicidade de depender de Deus. Nesse sentido, recolhemos uma preciosa lição da simbologia da mirra oferecida pelos Magos, da qual pouco se fala. De sabor amargo característica evocativa do sofrimento, era usada também para embalsamar os cadáveres. Com tal oferecimento se tornava presente, já desde o momento de vir ao mundo e de dar a conhecer sua grandeza divina, a missão redentora do Menino e sua Morte na Cruz. A mirra também é útil para nós, porque recordando nosso destino final, a morte, modera nossa ganância e o desejo de viver para sempre nesta Terra.

 Atrás das aparências, a grandeza de Deus Encarnado

   Atitude diametralmente oposta à de Herodes é a dos Reis Magos, como afirma o Doutor Angélico: “os Magos são as primícias dos pagãos a crerem em Cristo. Neles apareceram, numa espécie de presságio, a fé e a devoção dos pagãos vindos a Cristo de lugares remotos. Ainda para São Tomás, não era conveniente que Nosso Senhor manifestasse toda a sua divindade através dos véus da natureza humana, logo ao nascer. Se imaginemos quando Ele ainda estava no berço viesse um Anjo e erigisse em poucos segundos um palácio no centro de Jerusalém, mais estupendo do que o Templo, uma coorte angélica descesse do Céu para anunciar a chegada do Messias e os judeus vissem uma criança em corpo glorioso, reluzente de esplendor, que papel teria a fé? Perderia sua razão de ser, uma vez que ela recai necessariamente sobre as coisas que não se veem. E em torno deste Menino, então, se juntariam, em seguida, todos os pragmáticos, todos os interesseiros, todos os oportunistas que quereriam fazer carreira à custa de seu prestígio. Porém, acrescenta São Tomás, a Encarnação do Verbo, para ser proveitosa, não podia permanecer oculta à humanidade inteira. Por tal motivo, Nosso Senhor Jesus Cristo quis revelá-la apenas a alguns, aos quais mostrou sua divindade por meio de pequenos sinais acompanhados da graça   suficiente em certos casos, superabundante em outros  , para que uns servissem de testemunho aos demais.

III – A Igreja, estrela que nos guia até Jesus

   A grande fé demonstrada pelos Reis Magos nos lembra a parábola do grão de mostarda. Ele é minúsculo, mas, uma vez plantado, cresce e torna-se um grande arbusto. Ora, esse Menino que vem ao mundo numa Gruta e hoje manifesta sua divindade aos soberanos vindos do Oriente, vai depois morrer no Calvário e de seu lado traspassado pela lança brotará a Santa Igreja. Esta nasce sem nenhum templo, de forma apagada, se desenvolve e, em certo momento, toma conta do Império Romano, até se expandir por todo o mundo. Quantas famílias, povos e nações inteiras ao longo da História se porão a caminho, à semelhança dos Magos, para seguir uma estrela: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Sim! Ela, a distribuidora dos Sacramentos, promotora da santificação e dispensadora de todas as graças, faz o papel de uma estrela a cintilar diante de nossos olhos, através do esplendor de sua Liturgia, da infalibilidade de sua doutrina, da santidade de suas obras, convidando-nos a obedecer à voz do Divino Espírito Santo que fala em nosso interior. Assim, a Igreja promove um novo desabrochar do senso do maravilhoso nos corações de seus filhos, parecendo nos dizer: “Olha como Deus é belo! Ele é o Autor de tudo isso”. Esta estrela é para nós, portanto, a alegria da existência, a segurança e a certeza dos nossos passos, a sustentação do nosso entusiasmo e do amor a Deus. Sobretudo, esta estrela é a garantia de uma eternidade feliz. Quem a ela se abraçar terá conquistado a salvação, quem se separar dela seguirá por outros caminhos e não chegará à Belém eterna, onde está aquele Menino, agora sim, glorioso e refulgente pelos séculos dos séculos.

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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Domingo da Sagrada Família

   A Santa Igreja reserva o domingo posterior ao Natal para cultuar e festejar a Sagrada Família, convidando-nos a refletir sobre o valor e o verdadeiro sentido da instituição familiar. Ela é a célula-mãe, o fundamento da sociedade, e se hoje assistimos a uma tremenda crise moral na humanidade, isso se deve em certa medida à desagregação da família. Abalada esta, o resto da sociedade não se sustenta.

Depois que os Magos partiram…

   Os Magos, vindos do Oriente, estavam desejosos de encontrar o Salvador prometido e perguntaram a Herodes onde estava o Rei dos judeus recém-nascido.

   O que fez, então, Herodes? Enganou os Magos, fingindo-se uma pessoa piedosa que, como eles, esperava a vinda do Messias, e pediu-lhes que fossem procurar o Menino para, depois, também ir adorá-Lo. Na realidade, seu intuito era aplicar o método mais usual daquela época, o assassinato.

Como transcorressem os dias e os Magos não retornassem a Jerusalém conforme combinado, baseando-se no oráculo de Miqueias sobre o nascimento do Messias em Belém que os príncipes dos sacerdotes lhe tinham dado a conhecer, determinou exterminar todas as crianças dessa cidade e das redondezas, de idade inferior a dois anos.

   Estamos diante de uma situação singular: o Príncipe da Paz, o Esperado das Nações apenas nasce e já suscita contra Si o ódio do demônio, que incute um pânico sem fundamento em Herodes, instigando-o a matá-Lo.

…o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José…

   Por que o Anjo apareceu a São José e não a Maria Santíssima? Pois quem tinha uma relação direta com o Menino Deus era sua Mãe, enquanto São José era tão somente o pai adotivo, e, do ponto de vista sobrenatural, o menor na Sagrada Família. Entretanto, como chefe da casa, a ele cabiam as decisões, e por tal motivo foi o escolhido para receber o aviso angélico.

…e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o Menino para matá-Lo”. José levantou-se de noite, pegou o Menino e sua Mãe…

   As palavras do Anjo são muito precisas. Ele podia ter dito: “Pega o Menino e tua esposa”. Não obstante, como São José não é o pai, “não chama seus nem a mulher nem o Menino”, destacando seu papel de guardião de ambos, missão aceita com humildade pelo Santo Patriarca. Flexível à vontade de Deus, São José com todo o respeito despertou Maria de um sono angélico para empreenderem logo a viagem, pois o texto do Evangelho diz que “levantou-se de noite”.

…e partiu para o Egito.

   São Leão Magno entrevê um belo significado: “ele retornava assim ao antigo berço do povo hebreu, e aí exercia a autoridade do verdadeiro José, usando de um poder e de uma previdência maior que a dele, pois vinha libertar os corações dos egípcios desta fome, mais terrível que toda penúria de que padeciam pela ausência da verdade”.

   De fato, tendo outrora castigado o Egito para libertar Israel das mãos do Faraó, na sua infinita compaixão quis Deus contrabalançar o furor de sua cólera dando a esta nação, durante algum tempo, o dom imenso da presença de Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora e São José para santificá-la e lhe dar uma compensação sobrenatural pelos castigos recebidos no passado.

 

Ali ficou até a morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: “Do Egito chamei o meu Filho”. Quando Herodes morreu…

   Conta-se que o imperador Augusto, horrorizado com tanta crueldade, chegou a comentar que preferiria ser um porco de Herodes a ser seu filho, pois como o tirano não se alimentava deste animal ele estaria tranquilo, enquanto se fosse filho corria o risco de ser executado.

   A enfermidade que o levou à morte provocou-lhe dores atrozes, violentas convulsões e uma terrível gangrena em suas entranhas. Os vermes que o devoravam eram visíveis e o odor exalado insuportável.

  Herodes foi um homem que alcançou tudo quanto seus delírios de cobiça lhe exigiam: poder, honras, riquezas, prazeres. Não teve, porém, o afeto sincero de ninguém, nem mesmo da própria família, que ele submergiu em sangue. Não conheceu a paz interior, nem gozou do favor inestimável das bênçãos do Céu. Seus desregramentos afastaram-no da felicidade e da alegria concedidas a quem segue a Lei de Deus.

…o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe, e volta para a terra de Israel; pois aqueles que procuravam matar o Menino já estão mortos”. José levantou-se, pegou o Menino e sua Mãe, e entrou na terra de Israel.

   A flexibilidade incondicional de São José à inspiração divina, mais uma vez, sobressai. O que representava de esforço e de sacrifício sair de sua terra de origem e ir para um país estrangeiro com língua e costumes diferentes, naquele tempo, é incalculável. Como obter meios de subsistência a fim de manter a Sagrada Família? Nada disso nos diz o Evangelho, mas é fácil conjecturar. Quando eles saíram de Belém, o fizeram às pressas, para se pôr a salvo da perseguição de Herodes, sem tempo de preparar convenientemente tão longa viagem.

   Ao receber a ordem de voltar para Israel, São José poderia alegar a situação que já tinha atingido no Egito, onde fora tão difícil se estabelecer no início, e pedir o adiamento do retorno Mas ele não se queixa nem discute com o Anjo: levanta-se e parte sem delongas para a terra natal. Assim deve ser um superior quando ouve a voz da graça: à imitação de São José, obedecer de imediato com toda segurança.

   Mas, quando soube que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Por isso, depois de receber um aviso em sonho, José retirou-se para a região da Galileia, e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelos profetas: “Ele será chamado Nazareno”.

   Embora Arquelau não conseguisse superar seu pai em crueldade, empenhou-se em seguir-lhe os passos, deixando também um rastro de sangue em seu curto reinado. Por isso José, inspirado em sonho, partiu para a Galileia, lugar sob outra jurisdição. Tais são os caminhos da nossa existência, atravessados por imprevistos que nos mudam os planos: ora Deus pede uma coisa, ora pede outra. Entretanto, em tudo o que acontece Ele nos dirige com sabedoria e afeto paternal.

   A Igreja nos propõe nesta festa litúrgica o inigualável exemplo da Sagrada Família: São José, obediente, de nada se queixa; Nossa Senhora toma os reveses com inteira cordura e submissão; e o Menino Jesus Se deixa conduzir e governar por ambos, sendo Ele o Criador do Universo. Nós também devemos, portanto, ser flexíveis à vontade de Deus e estar dispostos a aceitar com doçura de coração, com resignação plena e total, os sofrimentos que a Providência exigir ao longo de nossa vida.

   Esta atitude diante da cruz é a raiz da verdadeira felicidade, bem-estar e harmonia familiar, e atrai sobre cada um de nós graças especialíssimas que nos restauram as almas, curando-as das misérias e firmando-as rumo ao Céu. Peçamos à Sagrada Família que, por sua intercessão, floresça nas famílias de toda a Terra a sólida determinação de abraçar sempre mais a via da santidade, da perfeição e da virtude, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e de Maria, na certeza de que, em compensação, o resto virá por acréscimo.

Obras Consultadas

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

 

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