20 de maio de 2020
Muitos já postulam uma Igreja menos “sacramentalizada” e mais evangelizadora. Por exemplo, como distribuir a Eucaristia? Com máscara? O problema é não a deixar cair…
Santo Antônio, o herege e o burro: Museu Nacional de Arte Antiga – Lisboa – Portugal
Redação (15/05/2020 14:00, Gaudium Press) As missas públicas estão retornando. Alemanha, Itália, Espanha e outros países adotaram protocolos para a celebração eucarística pós-quarentena. Já em outros quadrantes, porém, continuam as celebrações adaptadas ao nosso tempo pestilencial: missas sobre o teto de igrejas, em estacionamentos e, claro, via internet ou televisão. Neste contexto, alguns já estão pensando na Igreja e sua liturgia pós-pandemia. Como ela será?
Certos autores entrevem uma Igreja menos “sacramentalizada”, menos “ritualística”, para dar lugar a uma Igreja mais “evangelizadora”, seja lá o que isso signifique. Advogam uma redução do culto prestado à Eucaristia, interpretando quase uma contradição entre sacramento e evangelização. Pois bem, se Jesus exortou os Apóstolos a fazer “discípulos em todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19), é inegável que exista um vínculo íntimo entre sacramento (neste caso, o batismo) e evangelização. Pelo menos na visão cristã…
Quem sabe mesmo uma Igreja renovada?
De toda sorte, prefiro pensar que as restrições sanitárias nos levem a refletir melhor sobre outros aspectos da vida da Igreja. Talvez, por exemplo, sobre a importância de ter uma igreja sempre limpa e bem ventilada. Prefiro pensar numa maior diligência em purificar os vasos sagrados, trocar periodicamente as alfaias, etc. Prefiro pensar que desmedidos abraços da paz e abusos litúrgicos de todos gêneros possam ser de fato evitados. Prefiro pensar que o silêncio sagrado será mais valorizado… afinal, é necessário manter distância de segurança.
Mas os caçadores de devotos da Eucaristia jamais raciocinarão dessa forma. A intenção deles parece ser debochar das almas bem intencionadas que apenas desejam receber dignamente a Sagrada Comunhão.
Convenhamos: se há possibilidade de celebrar a missa, o mínimo que se exige é a sua digna celebração. Recorde-se, por exemplo, que os padres confinados em campos de concentração de Dachau (durante a Segunda Guerra), mesmo naquela situação vexaminosa, procuravam celebrar a Eucaristia com o maior decoro possível. Até mesmo membros de outras religiões os respeitavam por isso.
Missa no campo de concentração de Dachau
Ora, na situação de pós-confinamento por covid-19, a distribuição da Eucaristia em bandejas de plástico (em estilo self-service) ou por meio de saquinhos denotaria efetiva reverência pelo Santíssimo Sacramento?
Distribuição da comunhão na Ilha da Madeira
As tais “pinças eucarísticas”, já de fato utilizadas no contexto medieval, estão sendo hoje empregadas com o devido respeito pelas espécies eucarísticas? Tomara que sim. E usar luvas de látex para distribuição do Pão dos Anjos? É só uma práxis inútil? Não bastaria lavar bem as mãos? O julgamento fica para cada um.
Como distribuir a Comunhão? São Francisco de Assis nos ensina
Voltemos aos fundamentos: a premissa mais importante é que a Comunhão deve ser ministrada e recebida de modo digno, pois ali está presente o próprio Jesus em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. É o que o catecismo mais básico nos ensina. Não por menos que São Francisco de Assis, tão justificadamente recordado por sua pobreza e simplicidade, exigia que fossem “preciosos os cálices, corporais, ornamentos do altar e tudo que pertence ao sacrifício”, e que o “santíssimo corpo do Senhor […] seja posto em lugar precioso […] e levado com grande veneração e administrado aos outros com discrição”.[1] Para Deus as melhores honras.
O Martelo dos Hereges e a máscara dos hereges
Para refletir melhor sobre nossa atitude diante do Santíssimo Sacramento, vale recordar o célebre episódio do mais famoso filho espiritual do Poverello: Santo Antônio de Pádua.
Certa vez, o santo franciscano entrou em debate com um herege sobre a presença real de Jesus na hóstia consagrada. O herege então propôs a Antônio um desafio: tratava-se de colocar um asno confinado (sim, confinado…) numa estala por alguns dias sem comer. Numa data determinada, o animal esfomeado seria levado a uma praça diante de um fardo de feno, enquanto o santo franciscano traria o Santíssimo Sacramento. Pois bem, se o animal se ajoelhasse diante da Eucaristia e ignorasse a comida, o herege garantia a sua própria conversão.
No dia combinado, Antônio apresentou a hóstia junto ao feno, exortando:
“Pelo poder e pelo nome do Criador, que eu, por mais que seja indigno, tenho verdadeiramente nas mãos, te digo, ó animal, e te ordeno que te aproximes prontamente com humildade e prestes a devida veneração”.
Terminada a fórmula, o asno, para a surpresa da multidão, colocou-se de joelhos e inclinou a cabeça diante do Santíssimo Sacramento. Já o monte de feno foi totalmente ignorado pelo faminto animal.
Milagre do burro – Igreja de Santa Clara, Borja – Espanha
Antônio, o “Martelo dos Hereges” – como era chamado pelo biógrafo franciscano João Pecham – provou que diante da Eucaristia antes de tudo é necessário ter respeito e veneração. Afinal, até as bestas louvam o Senhor! (Dn 3,81).
Em última análise, entre hereges com máscara de sábios e asnos devotos da Eucaristia, prefiro a posição destes últimos. Eis o problema das máscaras usadas nestes tempos: elas se desgastam… e um dia caem…
Por Luís Fernando Ribeiro
[1] São Francisco de Assis. Carta aos custódios, 3-4.
Sobre isso, ver também:
Missas públicas suspensas: a grande Sexta-Feira Santa da Igreja
Lojas abertas e igrejas fechadas: o que é mesmo essencial?
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