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O Jejum Quaresmal

Nos preparamos para o combate

   “Entoai o canto e tocai o tímpano, a cítara melodiosa com a harpa. Tocai a trombeta na lua nova, na lua cheia, nosso dia de festa” (Sl 81 3-4). Nossa Páscoa se aproxima e devemos ressoar as trombetas que nos convidam ao jejum.

   O militar inflama de tal modo seus soldados que estes são capazes de enfrentar a própria morte no combate; o treinador coloca diante dos atletas a coroa do prêmio e para conquistá-la não poupam nenhum esforço. Deixa-me dizer as palavras para o alento da batalha do jejum preparatório da grande festa: “ânimo, soldado de Cristo, vamos a luta contra as potestades invisíveis!”

   Os soldados e atletas robustecem seu corpo para lutar. Nós, ao contrário, o enfraquecemos para vencer. O que é o azeite para os músculos é a mortificação para a alma!

   O jejum é útil em todo tempo e impede sempre o ataque do demônio, mas, sobretudo, se é promulgado por todo o orbe o edito de penitência. Soldados e viajantes, maridos e mercadores o recebem com alegria.

Que o rico não diga que o jejum seja indigno de sua mesa. Que o pobre não murmure o jejum é o companheiro de toda sua vida. E ao Menino digo que melhor escola não há.

Exemplos

   Tudo aquilo que se distingue por sua antiguidade é venerável, e nada mais antigo que o jejum.

   No paraíso, o pequeno preceito imposto por Deus não consistia senão em uma mostra de abstinência (Gen 3,3) Por não jejuarmos fomos expulsos do Édem; jejuemos, pois, para que as portas se abram novamente. Lembremo-nos de Eva e do pobre Lázaro (Lc 16, 21); uma pecou pela gula e o outro se salvou por suas privações.

   Moisés, antes de subir ao monte se preparou com um longo jejum (Ex 24,18), e ali , enquanto continuava privado de todo alimento, Deus foi escrevendo com seu dedo os mandamentos em duas tábuas. O que ocorreu, entretanto, ao pé do monte? O povo sentou-se para comer e levantou para jogar, e da comida e do jogo acabou caindo na idolatria.

   Esaú perdeu a primogenitura por sua ansiedade de comida (Gen 25,29-34). Samuel nasceu como prêmio da oração e do jejum de sua mãe (1Rs 1,10). O Jejum tornou invencível Sansão (Jz13,24-25). O jejum de Daniel apagou o fogo e fechou a boca dos leões. (Dn 3,19; Dn6,16,23)

   São João é o maior entre os nascidos; São Paulo enumera o jejum entre todos os demais sofrimentos dos quais se gloria. Porém, mais do que todos estes, temos a Cabeça da Igreja, Cristo Jesus, que para nos dar o exemplo jejuou quarenta dias no deserto.

Façamos um jejum de verdade

   Depois de dias conturbados, a Igreja prescreve o jejum, porque o sol brilha mais claro ao cessar a tormenta. Moisés, para receber a lei necessitou do jejum, e se não tivessem recorrido a este preceito os ninivitas teriam perecido. Quem morreu no deserto senão os que lembravam ansiosos as carnes do Egito? O Jejum é o pão dos anjos e nossa armadura contra os espíritos imundos que não são vencidos senão por ele (Mt 17,20) e pela oração. O jejum nos assemelha  aos anjos.

  Mas cuidado para não misturar outros vícios com a abstinência. Um jejua, mas não perdoa o próximo e vive entre intrigas. Não é possível que alguém viva o jejum da carne, mas devore os irmãos!

(Trechos dos sermões de São Basílio)

Obra consultada

ORIA, Mons. Angel Herrera Oria, Verbum Vitae, Tomo III, BAC, Madrid, 1954

 

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Solenidade de Cristo Rei do Universo

O ano litúrgico chega ao seu final.
Passamos pelo Advento onde ouvimos: “Eis que o Rei há de vir, Senhor da terra, ele mesmo de nós afastará o jugo de nosso cativeiro” (aclamação ao Evangelho da 2ª feira da Segunda semana do Advento). Logo depois, nas alegrias do Natal a Igreja cantou na vigília da noite santa: “Nasceu para nós um menino, um filho dos foi dado. Ele trás nos ombros as insígnias da realeza”. Na epifania a pergunta dos reis magos ecoou em nossos corações: “Onde está o Rei dos judeus que nasceu?” (Mt 2,2).
Durante a paixão, no Domingo de Ramos a liturgia cantou: “Glória, louvor, honra a ti, ó Cristo Rei, redentor”. Finalmente no tempo pascal pudemos contemplar o Rei da eterna glória que subindo aos céus sentou-se em seu trono, a direita do Pai.
Após todos estes dias a Solenidade de Cristo Rei encerra o ano litúrgico e dá a nota final da realeza de Nosso Senhor. Tal solenidade foi instituída em 1925 pelo Papa Pio XI com a encíclica Quas Primas.
Comentando tal data, Pio XII assim se expressou: “No começo do caminho que conduz à indigência espiritual dos tempos presentes, estão os nefastos esforços de não poucos de destronar a Cristo, o afastamento da lei da verdade que Ele anunciou, da lei do amor, alento vital de seu Reino. O reconhecimento dos direitos reais de Cristo e a volta a lei de sua verdade e de seu amor são a única via de salvação!” (Encíclica Summi Pontificatus).

No sexto volume da coleção “O inédito sobre os Evangelhos” de Mons. João Clá Dias, Fundador e presidente geral dos Arautos do Evangelho, o autor abre diante de nós o verdadeiro significado da realeza do Rei dos reis e Senhor dos senhores.

I – Rei no tempo e na eternidade

Ao ouvirmos este Evangelho da Paixão, de imediato surge em nosso interior uma certa perplexidade: por que a Liturgia, para celebrar uma festa tão grandiosa como a de Cristo Rei, terá escolhido um texto todo ele feito de humilhação, blasfêmia e dor?

Apesar de as exterioridades nos causarem uma impressão enganosa, Ele é o Senhor Supremo de todos os seres criados e até dos criáveis. Porém, diante de Pilatos, assevera: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36), porque não quer manifestar seu império em todas as suas proporções, a não ser por ocasião do Juízo Final.

Assim, enquanto o Evangelho nos fala de seu Reinado terreno, a Epístola proclama o triunfo de sua glória eterna. No tempo, vemo-Lo exangue, pregado na Cruz entre dois ladrões. A Liturgia exige de nós um esforço de fé para, indo além do fracasso e da humilhação, crermos na grandiosidade do Reino de Jesus.


II – A realeza absoluta de Cristo

Rei por direito de herança: Ele é o unigênito Filho de Deus e por Este foi constituído como herdeiro universal, recebendo o poder sobre toda a criação, no mesmo dia em que foi engendrado (cf. Hb 1, 2-5).
Rei por ser Homem-Deus: Por outro lado, Jesus Cristo é Deus e, assim sendo, tudo foi feito por ele, o Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. Aí está um Governo incomparável, superior a qualquer imaginação, e do qual ninguém ou nada poderá se subtrair.
O título de Rei Lhe cabe mais apropriadamente do que às outras duas Pessoas da Trindade Santíssima. De fato, o título de Rei, quando aplicado ao Pai, é usado de forma alegórica para indicar seu domínio supremo. E se quisermos atribuí-lo ao Espírito Santo, faltará exatidão jurídica, por tratar-se Ele de Deus não encarnado, pois, para ser Rei dos homens é indispensável ser homem. Deus não encarnado é Senhor, Deus feito homem é o Rei.
Rei por direito de conquista: Jesus Cristo é nosso Rei também por direito de conquista, por nos ter resgatado da escravidão a satanás. Ao adquirirmos um objeto às custas de nosso dinheiro, ele nos pertence por direito. Mais ainda se o obtivermos através de duras penas, pelos esforços de nosso trabalho, e muito mais, se for conseguido pelo alto preço de nosso sangue. E não fomos nós comprados pelo trabalho, sofrimentos e pela própria morte de Nosso Senhor Jesus Cristo? É São Paulo quem nos assevera: “Porque fostes comprados por um grande preço!” (I Cor 6, 20).
Rei por aclamação: Cristo é nosso Rei por aclamação. Antes mesmo das purificadoras águas do Batismo serem derramadas sobre nossa cabeça, nós O elegemos para ser o regente de nossos corações e de nossas almas, através dos lábios de nossos padrinhos. Por ocasião da Crisma e a cada Páscoa, de viva voz nós renovamos essa eleição, sempre de um modo solene.
Rei do interior dos homens e de todas as exterioridades: Não houve, nem jamais haverá um só monarca dotado da capacidade de governar o interior dos homens, além de bem conduzi-los na harmonia de suas relações sociais, seus empreendimentos, etc. O único Rei pleníssimo de todos os poderes é Cristo Jesus.

Exteriormente, pelo seu insuperável e arrebatador exemplo — além de suas máximas, revelações e conselhos — Ele governa os povos de todos os tempos, tendo marcado profundamente a História com sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição. Por meio do Evangelho e sobretudo ao erigir a Santa Igreja, Mestra infalível da verdade teológica e moral, Jesus perpetua até o fim dos tempos o imorredouro tesouro doutrinário da fé.

Aqui precisamente se encontra o principal de seu governo neste mundo: o Reino sobrenatural que é realizado, na sua essência, através da graça e da santidade.

O Reinado de Cristo, em nosso interior, se estabelece pela participação na vida de Jesus Cristo. É através da graça que nossa alma se transforma num verdadeiro trono e, ao mesmo tempo, cetro de Nosso Senhor Jesus Cristo.

E qual o principal adversário contra esse Reino de Cristo sobre as almas? O pecado! Por isso mesmo, se alguém tem a desgraça de cometê-lo, nada fará de melhor do que procurar um confessionário e com arrependimento ali declará-lo a fim de ver-se livre da inimizade de Deus. É impossível gozar de alegria com a consciência atravessada pelo aguilhão de uma culpa. Nessa consciência não reinará Cristo; e se ela não se reconciliar com Deus, aqui na Terra, tampouco reinará com Ele na glória eterna.

IV – Se Cristo é Rei, Maria é Rainha

O Verbo assumiu de Maria Santíssima nossa humanidade, e assim adquiriu a condição jurídica necessária para ser chamado Rei, com toda a propriedade. Foi também nesse mesmo ato que Nossa Senhora passou a ser Rainha. Uma só solenidade nos trouxe um Rei e uma Rainha.

V – Conclusão

Tenhamos sempre bem presente que só pelos méritos infinitos da Paixão de Cristo e auxiliados pela poderosa mediação da Santíssima Virgem nos tornaremos dignos de entrar no Reino. Seguindo os passos da conversão final do bom ladrão, poderemos esperar com confiança ouvir um dia a voz de Cristo Rei dizendo também a nós: “Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso”.

Obras consultadas:
DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol VI, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2012
ORIA, Mons. Angel Herrera, VERBUM VITAE – La Palavra de Cristo, Vol VIII, BAC, Madrid, 1954

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29º Domingo do Tempo Comum

19 de Outubro de 2013

Certo dia, Santa Joana de Chantal perguntou a São Francisco de Sales: “Poderia dizer-me francamente em que momento o senhor pensa em Deus?” O bispo de Genebra respondeu: “Sempre! Porém, as vezes passo um quinze minutos sem pensar nele.” Diante da resposta, a santa exclamou ingenuamente: “Ah! Pobre senhor bispos! O senhor anda muito cansado. Devemos pensar continuamente em Deus!”

O bondoso santo então explicou: “A senhora nunca viu um menino colhendo frutas com a mão direita, enquanto a esquerda está segurando, tranqüiliamente a de seu pai? Fazemos sempre assim. Com uma mão trabalhamos e com a outra não soutamos nunca a Deus!”

A certeza de sempre está ligado a Deus por uma das mãos nos vem através da oração. O papa Pio XII já dizia: “Rezar, rezar, rezar. A oração é a chave dos tesouros de Deus, é a arma do combate e da vitória em todas as lutas em defesa do bem e contra o mal”. E continuava: “Mais que todas as obras externas, por belas e úteis que sejam, é necessária a oração intensa e contínua das almas para obter da misericórdia onipotente de Deus as graças”.

Mons. João Clá Dias, em seu “O Inédito sobre os Evangelhos” nos mostra a necessidade da oração insistente  para hoje e para a segunda vinda do Supremo Juiz. 

“Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens”.

De que juiz se trata e qual a cidade em que ele vivia? Não se sabe. Na realidade, em seu modo de agir ele representa uma clara personificação do ateísmo prático já comum naqueles tempos, se bem que não tão difuso como nos dias atuais. Provavelmente ele praticava a religião com exclusão do Primeiro Mandamento da Lei de Deus.

 “Havia também na mesma cidade uma viúva, que ia ter com ele, dizendo: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário’”

 Nessa mesma cidade havia uma viúva. Será um modelo insuperável de obstinação nesse particular. Esse é, bem provavelmente, o caso da presente parábola. A viúva deve ter saturado o juiz com suas inúmeras visitas, implorando-lhe, a cada vez, justiça contra seu adversário.

“Ele, durante muito tempo não a quis atender”

Não nos são desconhecidas as demoras processuais em nosso Ocidente latino. Mas, nos povos orientais, naqueles tempos, asintérminas esperas faziam guerra às mais robustas paciências.

“Mas, depois disse consigo: ‘Ainda que eu não tema a Deus nem respeite os homens, todavia, visto que esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, para que não venha continuamente importunar-me’”.

O motivo que o levou a tomar tal decisão não foi nada nobre, nem elegante, mas a viúva não se acanhou e nem se deixou tomar pelo respeito humano; seu único empenho era de obter um justo pronunciamento. Em vista de sua fácil compreensão, Jesus passa diretamente à aplicação.

Então o Senhor acrescentou: “Ouvi o que diz este juiz iníquo. E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que a Ele clamam dia e noite, e tardará em socorrê-los?”

O contraste é um ótimo instrumento de didática. Jesus se serve das reações de um julgador iníquo face à obstinada insistência da fragilidade feminina, para compará-las às atitudes do Supremo Juiz. Se um homem mau pratica uma boa ação para deixar de ser importunado, quanto mais não fará Deus, a Bondade em essência? Muito diferentemente da parábola, na aplicação trata-se do Verdadeiro Juiz, o qual é a própria Dadivosidade.

Por outro lado, quem pede não é uma importuna viúva, mas sim os escolhidos de Deus. Estes não são indesejáveis. Ao contrário, a eles cabem os títulos de “privilegiados”, “amigos” e “fiéis”. Jesus focaliza de maneira especial os escolhidos, neste versículo. Quem são eles? Aqueles que amam e temem a Deus, seus servidores, os quais vivem no estado de graça, lastimam-se de suas fraquezas e se penitenciam de suas faltas, purificando-se no divino perdão.

“Digo-vos que depressa lhes fará justiça. Mas quando vier o Filho do Homem, porventura encontrará fé sobre a Terra?”

Esta frase causou uma certa dificuldade de interpretação a numerosos exegetas. A essa pergunta feita pelo próprio Jesus: “encontrará fé sobre a Terra?”, não nos deixou Ele resposta alguma. Seus ouvintes devem ter saído pensativos à busca de elementos para melhor entender seu significado, e um tanto estimulados a fazerem um exame de consciência. Erroneamente julgaríamos ser essa pergunta dirigida apenas aos circunstantes. Ela nos atinge também a nós, ao lermos o Evangelho de hoje. Se Jesus viesse a nós na época atual, encontraria Ele fé sobre a face da Terra?

 “Vigiai e orai para que não entreis em tentação” (Mt 26, 41), disse Nosso Senhor. Faltava uma palavra de incentivo à oração. Daí a “parábola para mostrar que importa rezar sempre e não cessar de o fazer”. Esse sempre não significa que devemos rezar a cada segundo das vinte e quatro horas do dia, mas torna-se indispensável manter uma continuidade moral, uma incansável frequência na oração. Também pode ser sinônimo de “vida inteira”. “Não cessar de o fazer”, apesar dos atrasos em ser atendido, enfrentando ou não obstáculos, na saúde ou na enfermidade, na consolação ou na aridez.

Não julguemos tratar-se aqui de um simples conselho de Jesus. Não! É um preceito, uma obrigação, ninguém pode se dispensar da oração. E quanto mais se sobe na vida interior, maior será o dever e constância da prece. (…) conforme determina o Concílio de Trento: “Deus não manda impossíveis; e ao mandar-nos uma coisa, determina-nos fazer o que podemos e pedir-Lhe o que não podemos, bem como ajuda para poder”.

É preciso importuná-Lo! Ele assim o exige. Ainda mais, é preciso ser incessante e fazer-Lhe uma espécie de “pressão moral”, sem nos cansarmos.

A contínua oração dos eleitos, em meio às dificuldades clamando a seu Pai, é infalível! Lembremo-nos do maternal conselho de Maria: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Com essas palavras, Ela nos confirma ainda mais, ao encerrarmos os comentários ao Evangelho de hoje, o quanto é indispensável rezar sempre.

Obras Consultadas:
DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelho, Libreria Editrice Vaticana
Città del Vaticano, 2012, pag 401 – 413
ORIA, Mons. Angel Herrera, VERBUM VITAE – La Palavra de Cristo, Vol IV, BAC, Madrid, 1954
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