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Casamentos na Sede dos Arautos

03 de Abril de 2014

Os Santos Padres dizem: “O matrimônio foi instituído por Deus Nosso Senhor, no paraíso terrestre e santificado com a real presença de Jesus Cristo nas Bodas de Caná da Galiléia”.

No último dia 03, quatro casais uniram-se santamente pelo vínculo indissolúvel do sacramento do Matrimônio. Pe Celio Casale, superior da casa dos Arautos em Recife, assistiu à celebração. Durante a homilia recordou um belo fato que mostra a importância que a Igreja dá a este sacramento:

Estes casais receberam um grande sacramento; fazemos votos de que este sacramento recebido seja verdadeiramente portador não só de bens deste mundo, mas mais ainda de graças espirituais. No século passado, viveu em França Frederico Ozanam, grande professor; ensinava na Sorbone, era eloquente, ótima pessoa! Era seu amigo Lacordaire, que dizia: “É tão excelente, é tão bom, far-se-á sacerdote e este chegará a ser grande Bispo!”. Não foi assim. Encontrou uma jovem cheia de qualidades e casaram-se. Lacordaire não ficou satisfeito e disse: “Pobre Ozanam! Também ele caiu na armadilha!”. Dois anos mais tarde, Lacordaire veio a Roma e foi recebido por Pio IX. O papa o chamou e disse: “Venha cá, Padre, venha. Sempre ouvi dizer que Jesus instituiu sete sacramentos; agora vem o Padre e troca-me as voltas: diz-me que instituiu seis sacramentos… e uma armadilha! Não, Padre, o matrimônio não é armadilha, é um grande sacramento!”. Porque assim é, apresentemos de novo os nossos melhores votos a estes caros esposos: o Senhor os abençoe! (João Paulo I Audiência Geral, 13 de Setembro de 1978). 

 

 

 

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5º Domingo da Quaresma

Naquele tempo, havia um doente, Lázaro, que era de Betânia, o povoado de Maria e de Marta, sua irmã. Maria era aquela que ungira o Senhor com perfume e enxugara os pés com seus cabelos. O irmão dela, Lázaro, é que estava doente.  As irmãs mandaram então dizer a Jesus: “Senhor, aquele que amas está doente”. Ouvindo isto, Jesus disse: “Esta doença não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela”. Jesus era muito amigo de Marta, de sua irmã Maria e de Lázaro. Quando ouviu que este estava doente, Jesus ficou ainda dois dias no lugar onde Se encontrava. Então, disse aos discípulos: “Vamos de novo à Judeia”. Os discípulos disseram-Lhe: “Mestre, ainda há pouco os judeus queriam apedrejar-Te, e agora vais outra vezpara lá?” Jesus respondeu: “O dia não tem doze horas? Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas se alguém caminha de noite, tropeça, porque lhe falta a luz”.

   Para tornar bem claro quem era o enfermo em questão, São João o apresenta como sendo o irmão de Marta e Maria. Ressalta a figura desta última, por se tratar de uma pessoa muito conhecida e comentada em toda Israel, devido à sua impressionante conversão e seu belíssimo ato de arrependimento em casa de Simão, o fariseu (cf. Lc 7, 37-50).

   Transparece na atitude  de ambas um profundo espírito de fé na onipotência do Salvador e, ao mesmo tempo, uma nobre e fraternal dedicação.

   “Senhor, aquele que amas está doente”. Segundo Santo Agostinho, esta simples frase contém uma profunda verdade de fé: Deus jamais abandona aquele a quem ama. Elas não imploram nem pedem explicitamente a cura, quer pudesse ser ela operada de perto, ou de longe; era-Lhe suficiente conhecer o estado de seu amado para, por um simples desejo seu, tornar efetivo o milagre.

   Grande perplexidade devem ter tido ambas ao receberem a resposta do Senhor, dois dias depois do falecimento de Lázaro: “Esta doença não leva à morte”. Maior aflição ainda deveu-se ao fato de Jesus não Se ter movido para Se encontrar com o amigo nem com suas irmãs.

   Essa é bem a provação pela qual passam as almas aflitas que imploram a intervenção de Deus e julgam não serem atendidas, devido à demora ou a uma aparente inércia da parte do Céu. Quão benfazeja é esta passagem para nos convencer a jamais descrermos da onipotência da oração perfeita!

 Depois acrescentou: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas Eu vou acordá-lo”. Os discípulos disseram: “Senhor, se ele dorme, vai ficar bom”.  Jesus falava da morte de Lázaro, mas os discípulos pensaram que falasse do sono mesmo. Então Jesus disse abertamente: “Lázaro está morto. Mas por causa de vós, alegro-Me por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele”. Então Tomé, cujo nome significa Gêmeo, disse aos companheiros: “Vamos nós também para morrermos com Ele”.

   Porém, ao acrescentar: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas Eu vou acordá-lo”, deu aos Apóstolos nova esperança de não ser necessário retornar à Judeia pois, segundo a forte experiência da época, a retomada do sono ao longo de uma enfermidade grave era indício de boa convalescença, e por isso exclamam: “Senhor, se ele dorme, vai ficar bom”.

   Diante dessa situação era indispensável falar-lhes às claras, revelando-lhes a morte de Lázaro. Só este particular já seria suficiente para melhor crerem nas propostas de Jesus, pois, até aquele instante, ninguém ali sabia do falecimento de Lázaro, que Ele lhes comunica com toda segurança. E, ademais, aproveita para estimular a confiança dos Apóstolos, manifestando sua alegria pelo fato de eles não terem estado em Betânia durante a enfermidade de Lázaro, pois, nesse caso, Jesus se veria na contingência de curá-lo antes de sua morte, diminuindo a grandeza do milagre da ressurreição que iria operar.

Quando Jesus chegou, encontrou Lázaro sepultado havia quatro dias. Betânia ficava a uns três quilômetros de Jerusalém. Muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as consolar por causa do irmão. Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro d’Ele. Maria ficou sentada emcasa. Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, Ele To concederá”.

   Betânia, segundo a própria narração, ficava a menos de 3 km de distância de Jerusalém. Essa propriedade pertencente à família de Lázaro havia sido utilizada por Jesus com frequência, quase todas as vezes que devia ir a Jerusalém, não só por sua proximidade, mas até mesmo pelo conforto. Essa é também a razão de ali se encontrarem muitos judeus. O luto era observado ao longo de sete dias, sendo os três primeiros reservados para o pranto e os quatro outros para receber as visitas de pêsames.

   Uma vez mais os fatos nos revelam as características próprias a cada uma das duas irmãs. Marta é mais dada à administração, às relações sociais, etc., e Maria mais ao fervor amoroso. Por tal motivo Marta não avisa sua irmã, pois seria impossível retê-la junto às visitas enquanto se desenrolasse seu diálogo com o Mestre. Aliás, esse diálogo não poderia ter transcorrido com maior ternura e delicadeza. Não há a menor sombra de queixa da parte de Marta ao afirmar: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”, pelo contrário, trata-se da manifestação de um pesaroso sentimento feito de confiança no poder de Jesus.

   Maria, por sua vez, repetirá pouco depois exatamente essa mesma frase, permitindo-nos perceber o teor das conversas havidas entre ambas naqueles últimos dias.

   Entretanto, a fé de uma e outra ainda não havia atingido sua plenitude, pois não podiam imaginar o grande milagre que iria ser operado por Jesus. Marta não tem noção do poder absoluto de Jesus, e daí o condicionar as ações do Divino Mestre aos pedidos que Ele faça a Deus: “Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, Ele To concederá”.

Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”. Então Jesus disse: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em Mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá jamais. Crês isto?” Respondeu ela: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”.

   Marta externa sua firme crença na ressurreição final e nessa ocasião espera rever seu irmão em corpo e alma, sem jamais imaginar a possibilidade de reencontrá-lo naquele mesmo dia.

Depois de ter dito isto, ela foi chamar a sua irmã, Maria, dizendo baixinho: “O Mestre está aí e te chama”. Quando Maria ouviu isso, levantou-se depressa e foi ao encontro de Jesus. Jesus estava ainda fora do povoado, no mesmo lugar onde Marta se tinha encontrado com Ele. Os judeus que estavam em casa consolando-a, quando a viram levantar-se depressa e sair, foram atrás dela, pensando que fosse ao túmulo para ali chorar. Indo para o lugar onde estava Jesus, quando O viu, caiu de joelhos diante d’Ele e disse-Lhe: “Senhor, se tivesses estado aqui, o meu  irmão não teria morrido”. Quando Jesus a viu chorar, e também os que estavam com ela, estremeceu interiormente, ficou profundamente comovido, e perguntou: “Onde o colocastes?” Responderam: “Vem ver, Senhor”. E Jesus chorou. Então os judeus disseram: “Vede como Ele o amava!” Alguns deles, porém, diziam: “Este, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito com que Lázaro não morresse?” 

   Sempre “pedra de escândalo” (Is 8, 14), os campos se dividem em vista de suas lágrimas. Alguns são tomados de admiração, outros O recriminam por ter deixado morrer Lázaro. Hipocrisia pura, segundo autores clássicos, pois se põem a julgar Jesus antes mesmo de qualquer ação sua. Esse é o efeito de uma antipatia preconcebida, radicada, talvez, no vício da inveja.

De novo, Jesus ficou interiormente comovido. Chegou ao túmulo. Era uma caverna, fechada com uma pedra. Disse Jesus: “Tirai a pedra!” Marta, a irmã do morto, interveio: “Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias”. Jesus lhe respondeu: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” Tiraram então a pedra. Jesus levantou os olhos para o alto e disse: “Pai, Eu Te dou graças porque Me ouviste. Eu sei que sempre Me escutas. Mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para que creia que Tu Me enviaste”. Tendo dito isso, exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!” O morto saiu, atado de mãos e pés com os lençóis mortuários e o rosto coberto com um pano. Então Jesus lhes disse: “Desatai-o e deixai-o caminhar”. Então, muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram n’Ele.

   Com magna autoridade, Jesus ordena, para espanto dos circunstantes: “Tirai a pedra!”. Marta, sempre criteriosa, não resiste em ponderar que o cadáver já estaria em decomposição depois de quatro dias. “Senhor, já cheira mal”. Magistral a resposta de Jesus: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?”.

   Belíssima oração a de Nosso Senhor; com o túmulo já aberto, o mau odor ferindo as narinas dos presentes, a atenção não poderia ser mais intensa. Ele reza não por necessidade, “mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para que creia que Tu Me enviaste”.

   Dois portentosos milagres se operam, não só o da pura ressurreição. Lázaro estava atado da cabeça aos pés, impedido de caminhar; entretanto, subiu pela escada que dava acesso à entrada do túmulo, estando até mesmo com um sudário ao rosto. Imaginemos a impressionante cena de um defunto subindo degrau por degrau, sem liberdade de movimentos e sem enxergar, mas já respirando com visíveis sinais de vida.

   Nada mais relata o Evangelista; nenhuma palavra a respeito de Lázaro ou das manifestações de alegria de suas irmãs; apenas a conversão de “muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria”.

   Aí está o poder de Cristo manifestado em pleno esplendor para alimentar-nos em nossa fé.

  Por maior que sejam os dramas ou aflições em nossa existência, sigamos o exemplo e a orientação de Maria, crendo na onipotência de Jesus, compenetrados das palavras de São Paulo: “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios” (Rm 8, 28).

Obra consultada:

 DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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Domingo Laetare

 

“Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações” (Intróito do IV Domingo da Quaresma)

   Schuster diz que a liturgia consagrou este domingo à celebração das glórias da bandeira triunfante da redenção, a Santa Cruz. Por este motivo o Papa celebrava neste dia na Basílica da Santa Cruz de Jerusalém, também conhecida como “Sancta Ierusalém”. E Pio Parsch nos faz perceber a semelhança entre este e o segundo Domingo da Quaresma quando recordamos a Transfiguração do Senhor. Ambos nos dão forças e estímulo durante o jejum e a severidade quaresmal.

Domingo Laetare

   Assim é chamado o domingo da quarta semana da quaresma. Seu nome vem da primeira palavra do introito deste dia, assim como o terceiro domingo do Advento (Gaudete). Esta alegria é expressa em toda liturgia. Os paramentos são róseos, flores no altar o som do órgão, etc.

Um descanso em meio ao jejum

   É lei humana procurar um breve descanso quando o período de trabalho é prolongado. Por isso, a Igreja, em meio ao rigor da quaresma, concede um dia de repouso. E esta data é especialmente solene e se reveste de inusitada alegria para que fortalecendo os fiéis, lhe comunique novas forças.

O Domingo da Rosa

  O Domingo Laetare é conhecido como o domingo róseo (devido a cor dos paramentos, do mesmo modo que o domingo Gaudete). Mas também é chamado de o “Domingo da Rosa”.

   Desde os tempos do Papa Leão IX (1049-1054), era costume o Papa abençoar uma rosa de ouro, leva-la em procissão até a Igreja da Santa Cruz de Jerusalém e entrega-la de presente, após a missa,  ao prefeito de Roma. Com o passar do tempo este presente passou a ser enviado a pessoas ilustre a quem se queria honrar sua piedade e amor à Igreja, como, por exemplo, a princesa Isabel, filha de Dom Pedro II que a recebeu em 1888 do Papa Leão XIII.

   No dias de hoje os papas costumam presentar santuários de grande importância para a piedade popular, como a Basílica de Nossa Senhora Aparecida que recebeu uma rosa de Paulo VI, em 1967 e outra de Bento XVI, em 2007.

Por que Alegria?

   Para esta pergunta a resposta mais acertada é a de São Paulo aos Gálatas: “meus irmãos, não somos filhos da escrava, mas da livre, pela liberdade para a qual o Cristo nos resgatou.” Os catecúmenos que se preparam para receber o batismo na noite santa da vigília Pascal escutaria, sem dúvida, estas palavras do Apóstolo como um estímulo de preparação para a nova vida que se aproxima.

Convite

   O Domingo Laetare nos convida a tomarmos, como nos diz Schuster,  um “moderado refrigério”. Todavia, nos falta muito caminho a percorrer. Temos de seguir os passos de Cristo até o Sábado Santo, temos de subir o calvário com Ele e para isso continuemos nosso jejum, nossa oração e nossas boas obras.

 

Fontes consultadas:
ORIA, Mons. Angel Herrera, VERBUM VITAE – La Palabra de Cristo, Vol III, BAC, Madrid, 1954

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4º Domingo da Quaresma – Domingo Laetare

   O trecho do Evangelho deste domingo apresenta Nosso Senhor pouco depois de sair do Templo, onde acabara de ter uma das mais ardentes polêmicas com os fariseus, encerrada por Ele com uma solene declaração de sua divindade, ao afirmar com fórmula de juramento: “Em verdade, em verdade vos digo, antes que Abraão fosse, Eu sou” (Jo 8, 58). Os fariseus “pegaram então em pedras para Lhas atirar” (Jo 8, 59). Tinham a intenção de matá-Lo, mas não conseguiram, pois Ele Se esquivou e saiu do Templo, “porque ainda não era chegada sua hora” (Jo 8, 20).

   Logo após essa dramática cena, Jesus fez diante de todo o povo o estrondoso milagre que servirá para confirmar a veracidade de suas palavras a respeito de sua sobrenatural origem.

Naquele tempo, ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. Os discípulos perguntaram a Jesus: “Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?” Jesus respondeu: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele. É necessário que nós realizemos as obras d’Aquele que Me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, Eu sou a Luz do mundo”.  

   A crença de que os males físicos eram sempre consequência de algum pecado estava muito arraigada não só nos judeus, mas também nos povos pagãos contemporâneos de Cristo. No presente caso, porém, declara taxativamente o Mestre que essa cegueira foi permitida desde toda a eternidade, para dar ensejo à manifestação de seu poder divino sobre a natureza.

Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego. E disse-lhe: “Vai lavar-te na piscina de Siloé” (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando.

   Causa surpresa o fato de Jesus cuspir no chão, fazer lama, passar nos olhos do doente e depois dar-lhe ordem de ir lavar-se.

   Bem observa, a este propósito, o mesmo São João Crisóstomo: “Cuspiu no chão para eles não atribuírem um poder milagroso à água dessa piscina e para entenderem que saiu de sua boca a misteriosa energia que regenerou os olhos do cego e os abriu. É por isso que o Evangelista diz: ‘Fez lama com a saliva’. Em seguida, para evitar que se pensasse num poder secreto da terra, mandou-o ir lavar-se”.

   Primeiro quis o Divino Mestre que todos os circunstantes vissem o cego com barro nos olhos, e isso, certamente, causou viva impressão. Em seguida, ao retornar o homem curado, ficaria patente perante eles quem era o Autor da cura. Para um povo duro de coração como aquele, era preciso não haver dúvida a tal respeito. Daí ter Jesus utilizado a própria saliva, misturando-a com a terra, duas matérias incapazes por si de operar a cura, ressaltando provir d’Ele o poder sobrenatural. Pode-se observar que os detalhes do episódio foram divinamente dispostos para produzir nos presentes o grande efeito narrado pelo Evangelista

   “Note-se como o cego tinha a disposição de obedecer em tudo. […] seu único objetivo foi o de obedecer a quem lhe ordenava. Nada pôde dissuadi-lo, nada constituiu obstáculo”. Ele fez exatamente o que Nosso Senhor mandara, e foi recompensado.

Os vizinhos e os que costumavam ver o cego — pois ele era mendigo — diziam: “Não é aquele que ficava pedindo esmola?” Uns diziam: “Sim, é ele!” Outros afirmavam: “Não é ele, mas alguém parecido com ele”. Ele, porém, dizia: “Sou eu mesmo!” Então lhe perguntaram: “Como é que se abriram os teus olhos?” Ele respondeu: “Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: ‘Vai a Siloé elava-te’. Então fui, lavei-me e comecei a ver”.  Perguntaram-lhe: “Onde está Ele?” Respondeu: “Não sei”. 

   Um fato tão extraordinário como este foi motivo de grande sensação, comentários e discussões entre “os vizinhos e os que costumavam ver o cego” pedindo esmolas. O sintético relato evangélico não especifica se houve manifestações de entusiasmo, de incredulidade ou de ódio. Contudo, parece certo que a primeira reação de alguns foi, pelo menos, de ignorar a evidência da cura milagrosa. Indício disso é o tom reservado das respostas do feliz beneficiário do milagre. 

Levaram então aos fariseus o homem que tinha sido cego. Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego. Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: “Colocou lama sobre meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!” Disseram, então, alguns dos fariseus: “Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado”. Mas outros diziam: “Como pode um pecador fazer tais sinais?” E havia divergência entre eles. Perguntaram outra vez ao cego: “E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?” Respondeu: “É um profeta”. Então, os judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista.

   A par do desentendimento instalado entre os fariseus a propósito do acontecimento, esses versículos tornam patentes dois aspectos do estado de espírito deles. A má-fé e a dureza de coração.

Chamaram os pais dele  e perguntaram-lhes: “Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora está enxergando?” Os seus pais disseram: “Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego.  Como agora está enxergando, isso não sabemos. E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo”. Os seus pais disseram isso, porque tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias. Foi por isso que seus pais disseram: “É maior de idade. Interrogai-o a ele”.

   Não tiveram dificuldade os pais do cego em perceber a malícia e o ódio que imperavam nesse inquérito dos fariseus. E tinham motivos de sobra para temê-los, pois a expulsão da sinagoga poderia ter graves consequências no campo civil, como o desterro e o confisco dos bens. Por isso preferiram cortar qualquer possibilidade de fazer algum pronunciamento a respeito de Jesus: “Não sabemos, perguntai ao nosso filho, ele é maior de idade”.

Então, os judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: “Dá glória a Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador”. Então ele respondeu: “Se Ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo”. Perguntaram-lhe então: “Que é que Ele te fez? Como te abriu os olhos?” Respondeu ele: “Eu já vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos discípulos d’Ele?” Então insultaram-no, dizendo: “Tu, sim, és discípulo d’Ele! Nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse, não sabemos de onde é”. Respondeu-lhes o homem: “Espantoso! Vós não sabeis de onde Ele é? No entanto, Ele abriu-me os olhos! Sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua vontade. Jamais se ouviu dizer que alguém tenha  aberto os olhos a um cego de nascença. Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada”. Os fariseus disseram-lhe: “Tu nasceste todo em pecado e estás no  ensinando?” E expulsaram-no da comunidade.

   Nota-se nestes versículos, mais uma vez, sua malévola insistência na tentativa de obter do miraculado uma declaração contra o Senhor.

   Comenta, a esse respeito, Santo Agostinho: “Depois de muitas coisas, foi excluído da sinagoga dos judeus aquele que era cego e agora enxergava. Enfureceram-se contra ele e o expulsaram. E era isso que temiam seus pais, conforme foi declarado pelo Evangelista. […] Temiam, pois, eles serem enxotados da sinagoga; ele não temeu e foi enxotado; os pais permaneceram nela. Mas ele é acolhido por Cristo e pode dizer: ‘Porque meu pai e minha mãe me abandonaram’. Que acrescentou? ‘O Senhor, porém, tomou-me sob a sua proteção’. Vem, ó Cristo, e recebe-o; eles o excomungaram, acolhe-o Tu. Tu, o Enviado, acolhe o excluído”.

Jesus soube que o tinham expulsado. Encontrando-o, perguntou-lhe: “Acreditas no Filho do Homem?” Respondeu ele: “Quem é, Senhor, para que eu creia n’Ele?” Jesus disse: “Tu O estás vendo; é Aquele que está falando contigo”. Exclamou ele: “Eu creio, Senhor!” E prostrou-se diante de Jesus.

   O objetivo de São João, ao narrar este episódio, era, sem dúvida, tornar evidente o seguinte ponto: ao ser curado da cegueira, aquele homem recebeu também a crença na divindade de Cristo.

   É razoável considerar que este milagre tenha concorrido muito para confirmar na fé os próprios Apóstolos e, ademais, lhes haver dado a possibilidade de ponderar o quanto vale mais a conversão espiritual do que a cura da cegueira material.

Então, Jesus disse: “Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem, vejam, e os que veem se tornem cegos”.

   Santo Agostinho assim comenta esta passagem: “Embora todos, ao nascer, tenhamos contraído o pecado original, nem por isso nascemos cegos; contudo, considerando bem, nascemos cegos nós também. Com efeito, quem não nasceu cego? Cego de coração. Mas o Senhor, que fizera ambas as coisas, os olhos e o coração, curou tanto uns quanto o outro”.

Alguns fariseus, que estavam com ele, ouviram isto e lhe disseram: “Porventura, também nós somos cegos?” Respondeu-lhes Jesus: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece”.

   À interpelação de alguns fariseus, Nosso Senhor responde com uma impressionante increpação. Com efeito, se, apesar de todas as obras por Ele realizadas, alguém O considera apenas de modo natural e humano, sem reconhecer sua divindade, esse é, de fato, um cego de alma, um cego de coração. Pelo contrário, quem padece de cegueira corporal, mas, por ação da graça, acredita na divindade do Messias, este foi curado da cegueira espiritual, cura incomparavelmente mais importante que a da cegueira física. Pois, como afirma o Apóstolo, “as coisas que se veem são temporais e as que não se veem são eternas” (II Cor 4, 18).

   O cerne deste Evangelho nos é sintetizado por São Paulo em sua Epístola aos Efésios (5, 8-14), também proposta à nossa consideração neste Domingo da Alegria: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor” (Ef 5, 8).

   Apresentando-nos esse magnífico Evangelho sobre a luz, no 4º Domingo da Quaresma, a Igreja nos proporciona um particular alento para avançarmos com ânimo resoluto na vida espiritual. Às vezes fraquejamos, deixamo-nos arrastar por nossas más inclinações e sentimos periclitar nossa perseverança nas vias da santificação. Nesses momentos, lembremo-nos da cura do cego de nascença e consideremos que, se Deus permitiu que caíssemos numa debilidade, Ele está atento para intervir a qualquer instante e restaurar em nós a vida divina. Com as orações e a mediação maternal de Maria, nos encontraremos purificados para contemplar a luz do Círio Pascal, símbolo também dessa Luz que nos foi dada com a Ressurreição de Cristo e que nos vem através dos Sacramentos.

 

Obra consultada

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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