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5º Domingo da Quaresma

Naquele tempo, havia um doente, Lázaro, que era de Betânia, o povoado de Maria e de Marta, sua irmã. Maria era aquela que ungira o Senhor com perfume e enxugara os pés com seus cabelos. O irmão dela, Lázaro, é que estava doente.  As irmãs mandaram então dizer a Jesus: “Senhor, aquele que amas está doente”. Ouvindo isto, Jesus disse: “Esta doença não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela”. Jesus era muito amigo de Marta, de sua irmã Maria e de Lázaro. Quando ouviu que este estava doente, Jesus ficou ainda dois dias no lugar onde Se encontrava. Então, disse aos discípulos: “Vamos de novo à Judeia”. Os discípulos disseram-Lhe: “Mestre, ainda há pouco os judeus queriam apedrejar-Te, e agora vais outra vezpara lá?” Jesus respondeu: “O dia não tem doze horas? Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas se alguém caminha de noite, tropeça, porque lhe falta a luz”.

   Para tornar bem claro quem era o enfermo em questão, São João o apresenta como sendo o irmão de Marta e Maria. Ressalta a figura desta última, por se tratar de uma pessoa muito conhecida e comentada em toda Israel, devido à sua impressionante conversão e seu belíssimo ato de arrependimento em casa de Simão, o fariseu (cf. Lc 7, 37-50).

   Transparece na atitude  de ambas um profundo espírito de fé na onipotência do Salvador e, ao mesmo tempo, uma nobre e fraternal dedicação.

   “Senhor, aquele que amas está doente”. Segundo Santo Agostinho, esta simples frase contém uma profunda verdade de fé: Deus jamais abandona aquele a quem ama. Elas não imploram nem pedem explicitamente a cura, quer pudesse ser ela operada de perto, ou de longe; era-Lhe suficiente conhecer o estado de seu amado para, por um simples desejo seu, tornar efetivo o milagre.

   Grande perplexidade devem ter tido ambas ao receberem a resposta do Senhor, dois dias depois do falecimento de Lázaro: “Esta doença não leva à morte”. Maior aflição ainda deveu-se ao fato de Jesus não Se ter movido para Se encontrar com o amigo nem com suas irmãs.

   Essa é bem a provação pela qual passam as almas aflitas que imploram a intervenção de Deus e julgam não serem atendidas, devido à demora ou a uma aparente inércia da parte do Céu. Quão benfazeja é esta passagem para nos convencer a jamais descrermos da onipotência da oração perfeita!

 Depois acrescentou: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas Eu vou acordá-lo”. Os discípulos disseram: “Senhor, se ele dorme, vai ficar bom”.  Jesus falava da morte de Lázaro, mas os discípulos pensaram que falasse do sono mesmo. Então Jesus disse abertamente: “Lázaro está morto. Mas por causa de vós, alegro-Me por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele”. Então Tomé, cujo nome significa Gêmeo, disse aos companheiros: “Vamos nós também para morrermos com Ele”.

   Porém, ao acrescentar: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas Eu vou acordá-lo”, deu aos Apóstolos nova esperança de não ser necessário retornar à Judeia pois, segundo a forte experiência da época, a retomada do sono ao longo de uma enfermidade grave era indício de boa convalescença, e por isso exclamam: “Senhor, se ele dorme, vai ficar bom”.

   Diante dessa situação era indispensável falar-lhes às claras, revelando-lhes a morte de Lázaro. Só este particular já seria suficiente para melhor crerem nas propostas de Jesus, pois, até aquele instante, ninguém ali sabia do falecimento de Lázaro, que Ele lhes comunica com toda segurança. E, ademais, aproveita para estimular a confiança dos Apóstolos, manifestando sua alegria pelo fato de eles não terem estado em Betânia durante a enfermidade de Lázaro, pois, nesse caso, Jesus se veria na contingência de curá-lo antes de sua morte, diminuindo a grandeza do milagre da ressurreição que iria operar.

Quando Jesus chegou, encontrou Lázaro sepultado havia quatro dias. Betânia ficava a uns três quilômetros de Jerusalém. Muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as consolar por causa do irmão. Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro d’Ele. Maria ficou sentada emcasa. Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, Ele To concederá”.

   Betânia, segundo a própria narração, ficava a menos de 3 km de distância de Jerusalém. Essa propriedade pertencente à família de Lázaro havia sido utilizada por Jesus com frequência, quase todas as vezes que devia ir a Jerusalém, não só por sua proximidade, mas até mesmo pelo conforto. Essa é também a razão de ali se encontrarem muitos judeus. O luto era observado ao longo de sete dias, sendo os três primeiros reservados para o pranto e os quatro outros para receber as visitas de pêsames.

   Uma vez mais os fatos nos revelam as características próprias a cada uma das duas irmãs. Marta é mais dada à administração, às relações sociais, etc., e Maria mais ao fervor amoroso. Por tal motivo Marta não avisa sua irmã, pois seria impossível retê-la junto às visitas enquanto se desenrolasse seu diálogo com o Mestre. Aliás, esse diálogo não poderia ter transcorrido com maior ternura e delicadeza. Não há a menor sombra de queixa da parte de Marta ao afirmar: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”, pelo contrário, trata-se da manifestação de um pesaroso sentimento feito de confiança no poder de Jesus.

   Maria, por sua vez, repetirá pouco depois exatamente essa mesma frase, permitindo-nos perceber o teor das conversas havidas entre ambas naqueles últimos dias.

   Entretanto, a fé de uma e outra ainda não havia atingido sua plenitude, pois não podiam imaginar o grande milagre que iria ser operado por Jesus. Marta não tem noção do poder absoluto de Jesus, e daí o condicionar as ações do Divino Mestre aos pedidos que Ele faça a Deus: “Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, Ele To concederá”.

Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”. Então Jesus disse: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em Mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá jamais. Crês isto?” Respondeu ela: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”.

   Marta externa sua firme crença na ressurreição final e nessa ocasião espera rever seu irmão em corpo e alma, sem jamais imaginar a possibilidade de reencontrá-lo naquele mesmo dia.

Depois de ter dito isto, ela foi chamar a sua irmã, Maria, dizendo baixinho: “O Mestre está aí e te chama”. Quando Maria ouviu isso, levantou-se depressa e foi ao encontro de Jesus. Jesus estava ainda fora do povoado, no mesmo lugar onde Marta se tinha encontrado com Ele. Os judeus que estavam em casa consolando-a, quando a viram levantar-se depressa e sair, foram atrás dela, pensando que fosse ao túmulo para ali chorar. Indo para o lugar onde estava Jesus, quando O viu, caiu de joelhos diante d’Ele e disse-Lhe: “Senhor, se tivesses estado aqui, o meu  irmão não teria morrido”. Quando Jesus a viu chorar, e também os que estavam com ela, estremeceu interiormente, ficou profundamente comovido, e perguntou: “Onde o colocastes?” Responderam: “Vem ver, Senhor”. E Jesus chorou. Então os judeus disseram: “Vede como Ele o amava!” Alguns deles, porém, diziam: “Este, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito com que Lázaro não morresse?” 

   Sempre “pedra de escândalo” (Is 8, 14), os campos se dividem em vista de suas lágrimas. Alguns são tomados de admiração, outros O recriminam por ter deixado morrer Lázaro. Hipocrisia pura, segundo autores clássicos, pois se põem a julgar Jesus antes mesmo de qualquer ação sua. Esse é o efeito de uma antipatia preconcebida, radicada, talvez, no vício da inveja.

De novo, Jesus ficou interiormente comovido. Chegou ao túmulo. Era uma caverna, fechada com uma pedra. Disse Jesus: “Tirai a pedra!” Marta, a irmã do morto, interveio: “Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias”. Jesus lhe respondeu: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” Tiraram então a pedra. Jesus levantou os olhos para o alto e disse: “Pai, Eu Te dou graças porque Me ouviste. Eu sei que sempre Me escutas. Mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para que creia que Tu Me enviaste”. Tendo dito isso, exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!” O morto saiu, atado de mãos e pés com os lençóis mortuários e o rosto coberto com um pano. Então Jesus lhes disse: “Desatai-o e deixai-o caminhar”. Então, muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram n’Ele.

   Com magna autoridade, Jesus ordena, para espanto dos circunstantes: “Tirai a pedra!”. Marta, sempre criteriosa, não resiste em ponderar que o cadáver já estaria em decomposição depois de quatro dias. “Senhor, já cheira mal”. Magistral a resposta de Jesus: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?”.

   Belíssima oração a de Nosso Senhor; com o túmulo já aberto, o mau odor ferindo as narinas dos presentes, a atenção não poderia ser mais intensa. Ele reza não por necessidade, “mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para que creia que Tu Me enviaste”.

   Dois portentosos milagres se operam, não só o da pura ressurreição. Lázaro estava atado da cabeça aos pés, impedido de caminhar; entretanto, subiu pela escada que dava acesso à entrada do túmulo, estando até mesmo com um sudário ao rosto. Imaginemos a impressionante cena de um defunto subindo degrau por degrau, sem liberdade de movimentos e sem enxergar, mas já respirando com visíveis sinais de vida.

   Nada mais relata o Evangelista; nenhuma palavra a respeito de Lázaro ou das manifestações de alegria de suas irmãs; apenas a conversão de “muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria”.

   Aí está o poder de Cristo manifestado em pleno esplendor para alimentar-nos em nossa fé.

  Por maior que sejam os dramas ou aflições em nossa existência, sigamos o exemplo e a orientação de Maria, crendo na onipotência de Jesus, compenetrados das palavras de São Paulo: “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios” (Rm 8, 28).

Obra consultada:

 DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano

Mons. João Clá Dias, EP

Nossa Senhora do Bom Conselho de GenazzanoEm meio a uma atmosfera de paz e bênção celestiais, ergue-se, em Genazzano, na Itália, uma igreja bela e nobre, de proporções harmônicas e distintas, dedicada, desde sua origem, a Nossa Senhora do Bom Conselho. (…)

capela onde se venera o afresco de Nossa Senhora do Bom ConselhoEm seu interior, na nave lateral esquerda, encontra-se uma pequena capela, especialmente construída para abrigar o afresco milagroso da Mãe do Bom Conselho.

A pintura, aplicada sobre delgada crosta de reboca, de 31 cm de largura por 42,5 cm de altura, retrata Maria Santíssima com inefável e materno afeto, amparando em seus braços o Menino Jesus, ambos encimados por um singelo arco-íris. As cores do afresco são suaves, e finos os traços dos admiráveis semblantes.

O magnum Mysterium!” – canta a Igreja no responsório das Matinas de Natal. Deus e Homem, hipostaticamente unidos! Seriedade e doçura, majestade e candura maravilhosamente expressas na fisionomia de uma criança.

Analise-se mais detidamente este quadro do Divino Infante. O nariz sem sinuosidades lembra a suprema retidão dAquele que é o Sol de Justiça. Seus olhos comunicativos, ligeiramente amendoados, de um castanho suave e luminoso, com certo matiz de verde, irradiam paz, ilimitada bondade, infinita sabedoria.

Atrai agradavelmente a vista sua túnica vermelho-ocre, em cuja gola se destacam bordados harmoniosos e enigmáticos. Mero ornato? Ou quiçá alguma palavra em idioma desconhecido, alusiva a sua missão?

Num gesta de intenso afeto, transbordante de amor, Ele envolve com a mão direita o nobre e delicado pescoço de sua Mãe, enquanto com a esquerda segura energicamente a parte superior do vestido dEla, como a dizer: “Sois toda minha!” É tão categórico esse comovedor e divino amplexo , que sua vista direita parece levemente desviada da linha normal, pela ênfase com que Ele estreita sua faca à de sua Mãe Santíssima.

Sem deixar de exprimir em nada a fisionomia própria de uma criança, o Divino Infante não denota, entretanto, a menor superficialidade, tão característica dessa fase da vida. Pelo contrário, como um oceano de seriedade, transparece nEle toda a profundidade e amplitude do entendimento, toda a força da vontade, toda a elevação e nobreza do sentir. E tem a mais alta consciência do que representa sua Mãe, do paraíso interior que Ela Lhe oferece. (…)

O Divino Infante quis manifestar aqui todo o seu comprazimento, toda a sua felicidade em estar no colo de sua Mãe Santíssima, como a indicar a necessidade de recorrer a Ela em todas as borrascas e sofrimentos desta vida, a fim de haurir a força e a coragem indispensáveis para seguir “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6)

Por sua atitude, o Menino Deus parece dizer a cada um: “Se queres algo de Mim, pede-o por meio de minha Mãe e serás atendido”. O quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzado bem poderia estar aureolado com as palavras “Mediação Universal de Maria”, pois o próprio Deus humanado quis encontrar proteção e amparo nos braços virginais de sua Mãe Santíssima.

O Menino pressiona levemente sua face contra o rosto de sua Mãe, e dEla recebe inefável manifestação de afeto, veneração e ternura, representada com especial acerto pelo grau de inclinação de ambas as cabeças, pelo modo como se olham.

Oh! Mistérios desta união, que fizeram exclamar a São Bernardo: “Maravilha-te com estas duas coisas e considera qual é causa de maior admiração: se a benigníssima mercê do Filho ou a excelentíssima dignidade de tal Mãe. De ambos os lados está o pasmo, de ambos o prodígio. Que Deus obedeça a uma Mulher, é humildade sem igual, e que uma Mulher tenha autoridade para mandar em Deus, é excelência sem igual” (São Bernardo, Obras Completas, BAC, Madrid, 1953, vol. I, p. 190)

Seria intenção do artista simbolizar a grandeza e profundidade da misteriosa união entre mãe e filho – união arquetípica neles, Maria e Jesus – pintando as faces tão juntas? Ao analisar os traços fisionômicos da Senhora do Bom Conselho – o rosado da face, a configuração retilínea no nariz, a inclinação do pescoço, a cor dos cabelos tendente ao dourado, o arqueado das sobrancelhas – percebe-se que Ela é a Mãe de um Filho que fisicamente muito se Lhe assemelha.

Então, por que pintar tão juntos Maria e Jesus Menino? É porque o Filho é o próprio Criador da excelsa Mãe. E a Mãe – a mais perfeita das criaturas – levou nas suas entranhas virginais o Divino Infante.

A Mãe, em altíssimo ato de adoração ao Filho, procurando como que adivinhar o que se passa em seu interior, considera ao mesmo tempo o fiel que a seus pés se ajoelha e, como Medianeira de todas as graças, acolhe sua prece e a apresenta a Deus Nosso Senhor.

Jamais teve alguém em seus braços tesouro de igual valor: infinito…! Entretanto, quem foi mais desejosa do que Nossa Senhora de atrair outros para compartilharem de seu tesouro?

É infinito o caleidoscópio de paradoxos que a consideração do relacionamento entre Nossa Senhora e seu Divino Filho, nesse afresco, sugere.

Há nesta união de Mãe e Filho uma intimidade e uma profundidade que surpreende e atrai. A união de alma, refletida no olhar que um e outro trocam entre si, gera em ambos uma tranquilidade e uma imobilidade no afeto que lhes parece fazer sentir a bem-aventurada delícia deste mútuo entendimento, deste mútuo estar juntos!

Mas, ao mesmo tempo, este profundo, calmo, sério e íntimo olhar não é excludente. O fiel sente-se atraído a entrar no aconchego e na serenidade desse olhar. Mãe e Filho se dispõem a receber com bondade o fiel devoto à procura de socorro, misericórdia ou amparo. O aconchego sacral que ambas as fisionomias irradiam faz com que o fiel se sinta entendido e amado nos aspectos mais nobres e elevados de sua alma.

Afresco Nossa Senhora do Bom ConselhoLeitor, abandona por um momento o texto e contempla uma vez mais – e agora detidamente – a foto do afresco, e deixa-te penetrar pela celestial atmosfera que Mãe e Filho criam. Por certo perceberás que, para além de suas qualidades pictóricas e artísticas, dessas duas fisionomias com que se evolam certas graças de presença de Nossa Senhora e do Menino Jesus, às quais bem poucos conseguem resistir. Sentirás que graças sensíveis batem à porta de tua alma, ou já a adentram, trazendo consigo uma paz repousante e um repouso pacificador. Ora é a fisionomia da Mãe, ora o olhar do Filho, ora o afresco no seu conjunto que te dará ânimo em meio às situações difíceis, que te consolará durante os sofrimentos, que te acalmará nas aflições, que te dará confiança nas angústias, coragem na hora de avançar, prudência ao ter que recuar; que, por fim, fará descer do Céu o milagre até ti, quando todos os recursos humanos se tiverem esgotado.

(João S. Clá Dias, Mater Boni Consilii, Edições Brasil de Amanhã, 1992, págs 3 a 8 )

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A anunciação do Anjo e a Encarnação do Verbo

Mons. João Scognamiglio Clá Dias

0055(1)E, estando Isabel no sexto mês, foi enviado por Deus o Anjo Gabriel a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão, que se chamava José, da casa de Davi, e o nome da Virgem era Maria. E, entrando o Anjo onde ela estava, disse-lhe: “Deus te salve, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres”.

E ela, tendo ouvido estas coisas, turbou-se com as suas palavras, e discorria pensativa que saudação seria esta. E o Anjo disse-lhe: “Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus; eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó; e o seu reino não terá fim”.

E Maria disse ao Anjo: “Como se fará isto, pois eu não conheço varão?” E, respondendo o Anjo, disse-lhe: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo  te cobrirá com a sua sombra. E, por isso mesmo, o Santo, que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se diz estéril; porque a Deus nada é impossível”. Então disse Maria: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em segundo a tua palavra.” E o Anjo afastou-se dela. (Lc. 1, 26 – 38).

 

Primeiro Ponto

Nossa Senhora, jovem, – deveria ter aproximadamente seus quinze ou dezesseis anos – está em oração, está recolhida rezando, porque antes de  tudo Ela é criatura, e toda criatura  necessita de oração. Ela reza pedindo por si, pela humanidade, contemplando a situação do mundo naquele tempo e o seu futuro  –   Ela sabia perfeitamente quais eram os dramas, quais eram as conseqüências terríveis do pecado original. Ela queria que houvesse, o quanto antes, a Redenção. Ela conhecia – com o dom de Ciência, com o dom de Sabedoria,  porque Ela tinha estes dons em altíssimo grau – a origem do pecado já no paraíso terrestre, pela negação e pela desobediência de Adão e Eva. Em conseqüência, tinha Maria verdadeiro horror, indignação, inteira incompatibilidade com o pecado; Ela queria que houvesse quanto antes a vinda do Redentor, para que tudo se pusesse em ordem. E sabia perfeitamente que isso só se  obteria –  dom extraordinário – através da oração. Ela, por isso, rezava, e disso tinha necessidade. Nosso Senhor também rezou, e quantas vezes. Ele não precisava da oração, mas Ele rezava, e rezava pedindo por todos nós.

Explica-nos a teologia que tanto Nosso Senhor, quanto Nossa Senhora – Ele, por ser o Redentor, por ser o Salvador, e, portanto, o que há de mais alto em toda a ordem da criação, Ela por ser a mãe de todos os homens, a Rainha dos Anjos —  Ela e Ele tiveram um privilégio que foi de conhecer todos os homens até o fim dos tempos. Jesus, não só enquanto Deus, mas também enquanto homem, e Maria, enquanto mãe de todo o gênero humano, mãe de todos os santos, mãe de todos aqueles que são batizados, conheceram os homens  um por um. Nosso Senhor e Ela, portanto, tiveram em mente cada um e cada uma de nós que estamos aqui presentes hoje.

Nosso Senhor e Nossa Senhora tiveram um contato direto conosco antes que nós tivéssemos sido criados, e Eles nos viam. Nosso Senhor nos viu várias vezes. Nossa Senhora também.

Ela rezava, pedindo pela nossa salvação, quando lhe aparece o Anjo.

O Anjo aparece fazendo um elogio extraordinário, elogio que daria para deixar orgulhoso qualquer um. E, entrando o Anjo onde ela estava, disse-lhe: “Deus te salve, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres”. Ou seja, o Anjo elogia Nossa Senhora dizendo que Ela é a mais alta figura dentre todas as mulheres.

Nós sabemos perfeitamente como age em nós o orgulho, como age em nós a vaidade, como age em nós o amor-próprio, e, se aparecesse um Anjo para um ou uma de nós no quarto, enquanto este ou esta rezava, e o Anjo fosse São Gabriel cheio de luz — maravilha! — iluminaria o quarto inteiro, sentir-se-ia até o odor de um perfume extraordinário, e ele dissesse nada mais nada menos para nós homens, que somos o primeiro entre todos, ou então, para uma mulher: “Sois a mais alta criatura, a mais excelente de todas as mulheres…” Como nós tomaríamos um elogio destes?

Seria um elogio que nos colheria de surpresa e nos deixaria pasmos, mas ao mesmo tempo nosso amor-próprio, nosso orgulho, nossa vaidade, nosso desejo de aparecer, nosso desejo de ser o primeiro, a primeira, tomariam um grau de calor extraordinário dentro de cada um de nós. Nós ficaríamos rachando de orgulho.

No entanto, o que aconteceu com Nossa Senhora ao ouvir esse elogio? Qual foi a reação dela? São Lucas nos diz: “turbou-se com as suas palavras, e discorria pensativa que saudação seria esta. Olhemos para Ela. Não é verdade que Ela merece este elogio? Pois claro! Puríssima, virginalíssima, virtuosíssima, santíssima — Ela merecia este elogio. E se não houvesse outra razão, bastaria que o Anjo dissesse, e se este  disse é porque foi enviado por Deus para dizê-lo — “Anjo”, significa mensageiro de Deus — e o Anjo falou, é isto!

Ela, ao invés de pensar: “Então quer dizer que eu sou a primeira entre todas as mulheres!”, ao invés de Ela ficar contente, cheia de si, turbou-se, ficou perturbada. Perturbou-se porque tinha medo de ofender a Deus, atribuindo a si qualquer coisa que não lhe pertencesse. Medo de ofender a Deus. Medo de apropriar-se de algo que pertencia a Deus. Medo de consentir em ter um prazer, em ter uma complacência, em se julgar a primeira das mulheres.

Como seria bom se nós nos perturbássemos quando fôssemos elogiados. Maria nos dá esse exemplo. Na Anunciação Ela nos dá um exemplo extraordinário, porque se perturbou ao ouvir este elogio. E diz o texto de São Lucas: turbou-se com as suas palavras, e discorria pensativa que saudação seria esta. Como é que é isso? Um Anjo me aparece e diz isso?

Vejam que Ela não se assusta com a aparição do Anjo, Ela não fica com pânico de que lhe apareça um Anjo. Era tradição de todo o Antigo Testamento que quando um Anjo aparecia a alguém, esse alguém podia contar seus dias, pois estavam inteiramente postos numa seqüência que ia dar na morte próxima. A aparição de um Anjo era tida como prenúncio da morte. E todos aqueles que recebiam uma aparição de um Anjo se assustavam, e assim foi que aconteceu com Zacarias, esposo de Santa Isabel. Zacarias, quando viu o Anjo, ficou em pânico e pensou que fosse morrer. Nossa Senhora não se assusta com a aparição do Anjo. Ela era tão extraordinária que tinha  convívio com os Anjos; mas nada disso levava Nossa Senhora a se considerar como a primeira das mulheres.

Nós, que temos um convívio não com os Anjos, mas, tantas vezes, com o espelho; nós, que aparecemos diante do espelho e ficamos conversando com o espelho – e quantas e quantas vezes o espelho não mente dizendo que nós somos o primeiro dos homens ou a primeira das mulheres? Às vezes o espelho mente e nos diz que somos o primeiro ou a primeira; e nós, muitas vezes, acreditamos facilmente no que nos diz o espelho. E Nossa Senhora, com o elogio feito por um Anjo, se perturba e fica se pondo o problema: o que quer dizer isso? De onde é que saiu esta saudação? De onde vem isso? Eu, de minha natureza, não sou nada. Eu sou vazia. Eu sou a escrava do Senhor. Eu não tenho nada de mim mesma que valha alguma coisa. Eu nunca consegui nada por mim mesma, tudo vem de Deus. Agora vem este Anjo dizer que eu sou a primeira das mulheres. Que humildade!

O que foi obrigado o Anjo a dizer a Ela? O Anjo vai continuar o elogio. O Anjo lhe diz: “Não temas, Maria…” Não temas o quê? Não é ao Anjo, porque ele está ali e Ela, em nenhum momento, teve temor dele. Ela tinha medo das palavras, porque tinha medo de perder a humildade, tinha medo de apropriar-se de algo de Deus. O Anjo vai tranqüilizá-la: “Pois encontraste graça diante de Deus.” Ah bom! Se é por uma ação de Deus, por uma ação da graça, e não por mim mesma que obtive, e sim porque Deus teve misericórdia, Deus contemplou a minha miséria, Deus contemplou o meu nada, aí eu fico tranqüila, porque já não sou Eu, já não vem de mim. Não é algo que eu possa dizer “eu sou”.

Se há algo de bom em mim, esse algo de bom vem de Deus e não de mim, ou seja, o que tranqüilizaria Maria era saber que esse elogio feito pelo Anjo não vinha da natureza dela, esse elogio feito pelo Anjo vinha de uma predileção de Deus. Deus é que teve amor por ela, Deus é que deu a graça a Ela. Deus é que a fez a primeira das mulheres. Se for vontade de Deus, que seja feita. Eu, jamais quereria ambicionar ser a primeira das mulheres, a primeira das criaturas saída das mãos de Deus — nunca! Se Deus o quer, eu estou de acordo com a vontade de Deus. “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”.

O Anjo vai dizer mais, uma vez que Ela se tranqüiliza sabendo que é pela ação da graça, ele lhe diz: “eis que conceberas no teu ventre, e darás à luz um filho, e por-lhes-á o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó; e o seu reino não terá fim.”

Imaginem uma virgem que fez voto de virgindade, que não quer saber de maneira alguma de ofender a Deus, e recebe esta notícia de ser Mãe do Filho de Deus. Qualquer um de nós diante dessa situação diria: Ótimo, que coisa extraordinária, vamos direto, façamos logo isto. Maria perguntou ao Anjo. “Como se fará isto, pois eu não conheço varão?” É a preocupação:  Ela é virgem com a promessa de ser virgem até o fim da vida, porque não se pode falar em morte dela com toda a segurança. Ela queria permanecer na virgindade.       Nós encontramos, então, aqui outro ponto para  meditarmos, que é a virgindade, a castidade. Nesta cena nós vamos ter três representações da virgindade, três representações da castidade. A primeira delas é Deus. Deus é a Virgindade, Deus é a Castidade e, toda virgindade, toda castidade que há na face da Terra é um reflexo desta substância Virgindade, Castidade que é Deus. Nós temos o Anjo, que é puro por natureza, é a pureza enquanto reflexo da pureza de Deus. Então nós temos Deus enquanto sendo a Virgindade, o Anjo representante da Virgindade e a Virgem, também representante desta Virgindade de Deus, desta Castidade de Deus.

Ela virgem, o Anjo, virgem, Deus a Virgindade. Ela, tão Virgem que no começo da história da Igreja era chamada de Santa Maria Virgem. Aos poucos, isto que era sobrenome dela, Santa Maria Virgem, passou a ser o nome, porque hoje nós dizemos Virgem Maria. E Deus, que ama tanto a virgindade, quer tanto a virgindade, quer tanto a castidade, que Ele a fez permanecer virgem antes, durante e depois do parto. E aí está Ela neste primeiro mistério gozoso ressaltando muitíssimo esta virgindade. Ela diz: “como se fará isto…” E o que tranqüiliza Maria é quando o Anjo diz: “O Espírito Santo descerá sobre Ti, e a força do Altíssimo Te envolverá com a Sua Sombra, e por isso mesmo o santo que há de nascer de Ti será chamado Filho de Deus….” O Anjo dá uma prova: “… Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se diz estéril; porque a Deus nada é impossível.” Aí então Nossa Senhora diz: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.”

 

Segundo Ponto

Então nós vemos três características lindíssimas nessa Anunciação. A primeira é o recolhimento e a oração. Exemplo para nós de quanto é conveniente que nós estejamos em oração, porque é na oração que Deus se comunica conosco. A segunda é a virgindade de Maria, o quanto Ela aqui faz transparecer a beleza da virgindade. E a terceira é a completa despretensão, a humildade plena. Então, recolhimento, despretensão, e portanto  humildade, e a virgindade são para nós exemplos. Exemplo neste mundo que diz exatamente o contrário, neste mundo que hoje em dia é um mundo dissipado, feito de orgulho e de impureza; a castidade vai desaparecendo, a castidade vai se retirando deste mundo.

Discutem se é bom desarmar, se é bom não desarmar. Eu julgo que para se ter a verdadeira paz seria preciso que os homens e as mulheres todos praticassem a castidade. A prática da castidade é fecunda. Nós vemos aqui este exemplo. Ela, Virgem, passa a ser a Mãe de Deus, e por sua alta  humildade, alta virgindade, alto recolhimento, Ela não só é Mãe de Deus, mas recebe como filiação toda a humanidade. Ela é Mãe de toda a humanidade.

A castidade produz efeitos, produz frutos magníficos. Não há paz onde não há castidade. De maneira que, além de saber se os homens devem ter armas ou não devem ter armas, eu seria favorável a que também se pusesse o problema: os homens devem ou não devem ser castos? Eu digo os homens? É a humanidade, homens e mulheres. Neste século XXI, se os homens e as mulheres resolvessem, diante de Deus, abraçar a castidade com amor — ela custa nos seus primeiros passos, mas com a graça de Deus tudo é possível –  a humanidade seria outra. A paz desceria sobre a face da Terra. E hoje, que acontecem tsunamis, tufões, tremores de terra, guerras, assaltos e seqüestros,  insegurança, tudo vem desta falta de santidade; falta de santidade, falta de castidade, falta de humildade. O mundo está dando as costas para Deus. Esperemos que Deus não dê as costas para os homens, porque  aí será o fim do mundo.

 

Terceiro Ponto

Entretanto, sendo Nossa Senhora a nossa medianeira, disse em Fátima, “Por fim o Meu Imaculado Coração triunfará”.

O triunfo do Imaculado Coração dela será através do espírito de piedade, fazendo os homens voltarem-se para Deus com  humildade, reconhecendo tudo o que há de bom no Reino de Deus, na prática da castidade e de todas as outras virtudes. É só assim que se entende verdadeiramente o que significa o triunfo do Imaculado Coração de Maria no mundo.

Devemos pedir neste final de meditação à Virgem Maria que derrame sobre nós estas graças que Ela, durante séculos, tem represadas em suas mãos, que derrame sobre cada um de nós, no mais fundo de nossas almas, a ponto de fazer-nos compreender bem a beleza de todas esses virtudes, a beleza das virtudes que existem nela. E que assim possa Ela, olhando para nós, dizer: “Por fim o Meu Imaculado Coração triunfou.” Como triunfou? Porque Ela obteve para nós essas graças todas.

Todos receberão essas graças. Essas graças habitarão em todos, uns em maior grau, outros em menor, mas todos receberão. Quem corresponderá, quem não corresponderá? Isto a história nos dirá, pois o importante é não só receber essas graças, mas também a própria fidelidade, a própria correspondência a elas.

 

Oração Final

Ó Mãe, Vós que sois a Rainha do Anjos, a Mãe dos homens, a mais piedosa de todas as mulheres, a mais humilde de todas as criaturas, o mais virginal de todos os seres saídos das mãos de Deus; minha Mãe, nesta meditação que vos oferecemos, nesta meditação que fazemos para reparar o Vosso Sapiencial e Imaculado Coração de tantos crimes, tantas abominações que hoje em dia se cometem, nós vos pedimos: dai-nos a graça de sermos como Vós, dais-nos a graça de sermos humildes, dai-nos a graça de sermos piedosos e recolhidos, dai-nos a graça de sermos castos e puros. Dai-nos a graça de sermos um reflexo de vosso Sapiencial e Imaculado Coração no que Ele tem de mais excelso, de mais excelente, que são essas virtudes e muitas outras. Minha Mãe, nós queremos ser um daqueles que constituirão o triunfo de Vosso Sapiencial e Imaculado Coração.

Assim Seja.

(trechos da meditação de primeiro sábado na Catedral da Sé, em São Paulo, no dia 1/10/2005 – Homilia adaptada à linguagem escrita, publicada sem conhecimento e/ou revisão do autor.)

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Natividade de Maria Santíssima

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E “como celebraremos o nascimento de Maria?”

        Essa pergunta, feita por São Pedro Damião em seu “Segundo Sermão sobre a Natividade de Nossa Senhora”, ainda surge hoje quando se trata de comemorar essa solenidade. O acontecimento é grande demais. E assim o santo justificou sua perplexidade:

         “Às  trevas do paganismo e à falta de fé dos judeus, representadas pelo templo de Salomão, sucede o dia luminoso no templo de Maria. É justo, portanto, cantar este dia e Aquela que nele nasceu. Mas como poderíamos celebrá-la dignamente? Podemos narrar as façanhas heroicas de um mártir ou as virtudes de um santo, porque são humanas. Mas como poderá a palavra mortal, passageira e transitória exaltar Aquela que deu à luz a Palavra que fica? Como dizer que o Criador nasce da criatura?”

Uma festa de Alegria

          Está inteiramente de acordo com o espírito da Igreja festejar com alegria a Festa da Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria. Sua comemoração é feita no dia 8 de Setembro. “A celebração de hoje é para nós o começo de todas as festas”, afirma o Calendário Litúrgico Bizantino. O nascimento de Maria Santíssima traz ao mundo o anuncio jubiloso de uma boa nova: a mãe do Salvador já está entre nós. Ele é o alvorecer prenunciativo de nossa salvação, o início histórico da obra da Redenção…

Clique aqui e assista um vídeo comemorativo da Festa de Nossa Senhora.

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