Category: Espiritualidade, Evangelho Comentado, Fundador, Liturgia
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A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo.
De acordo com o direito judaico da época, o matrimônio entre israelitas era constituído por dois atos distintos aos quais poderíamos chamar de esponsais e núpcias. Antes do casamento, os pais dos nubentes redigiam o contrato matrimonial, onde constavam os bens que cada parte entregaria para formar o patrimônio da nova família. Realizava-se uma cerimônia, na qual o noivo entregava simbolicamente à noiva um objeto de valor. Com esse gesto ficava selado o compromisso, tornando-se os contraentes marido e mulher, pois os esponsais judaicos “constituíam verdadeiro contrato matrimonial”.
Embora a partir desse momento fosse permitido ao casal morar sob o mesmo teto, era costume esperar até as núpcias, que seriam celebradas algum tempo depois, durante as quais o esposo conduzia solenemente a esposa à sua casa, entre festas e manifestações de júbilo. Assim, ao afirmar que Maria “estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo”, o Evangelista situa a Encarnação do Verbo no período posterior à cerimônia do compromisso, mas antes de Maria ir habitar na casa do esposo.
José, seu marido, era justo…
São José, diante dessa Virgem que lhe fora dada como esposa, cuja virtude deixou surpresos até os Anjos, tomou uma atitude humilde e admirativa. Ora, alguns meses depois, quando São José foi buscar Nossa Senhora na casa de Santa Isabel, eram visíveis os sinais da gestação do Menino Jesus. Contudo, Ela nada lhe disse… E ele nada perguntou…
Uma coisa era certa: como afirma um famoso mariólogo, “ele bem sabia como era admirável a virtude de Maria, e, apesar da evidência exterior dos fatos, não conseguia acreditar ser Ela culpada”. Não há dúvida de que São José, diante do mistério da milagrosa Encarnação do Verbo, proclama um verdadeiro fiat! Pois, sem deixar-se levar por uma visualização humana, e confiando inteiramente na virtude da Mãe de Deus, põe-se com docilidade nas mãos da Providência: “Faça-se aquilo que Vós quereis, embora eu não chegue a compreendê-lo!”.
…e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo.
Segundo a Lei Mosaica, estando Maria para dar à luz sem a menor participação dele, devia José adotar uma das quatro atitudes seguintes: a primeira era denunciar a esposa a um tribunal, pedindo a anulação dos esponsais; a segunda, levá-La para sua casa, como se fosse o pai do nascituro; a terceira, repudiá-La publicamente, embora escusando-A e sem pedir castigo; e a quarta, emitir libelo de repúdio em privado, diante de duas testemunhas e sem alegar os motivos.5 Ora, qualquer dessas hipóteses era impensável para São José, pois em todas ficaria lesada a honra de Nossa Senhora.
Havia, entretanto, uma quinta saída: fugir, abandonando a esposa grávida, subtraindo-se assim às obrigações impostas pela Lei. Deste modo, assumiria sobre si a infâmia de ter abandonado sem motivo a esposa inocente e o futuro filho, ficando ele mal perante a sociedade. Foi esta a sua escolha.
Enquanto José pensava nisso, eis que o Anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José, filho de Davi…”
Aparece aqui um importante elemento para bem avaliarmos o papel de São José na Sagrada Família e na própria ordem da Encarnação. Assim como Deus escolheu, desde toda a eternidade, a Mãe da qual nasceria Jesus, algo semelhante fez com aquele que seria o pai nutrício do Verbo Encarnado, dotando-o dos mais altos atributos, inclusive do ponto de vista natural.
“…não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo”.
Para dissipar a provação de José a respeito de sua insuficiência no campo sobrenatural em relação à santidade de Maria, o convida a não ter medo de recebê-La como esposa. Ao anunciar-lhe que Maria concebera pelo Espírito Santo, mostrava-lhe também não estar Ela — como, aliás, nenhuma criatura humana — à altura desse sublime mistério. Portanto, o Paráclito que A escolheu haveria de dar-Lhe as graças para o cumprimento de sua incomparável missão. E o mesmo se passaria com ele, José.
“Ela dará à luz um Filho, e tu Lhe darás o nome de Jesus…”
Logo depois de revelar-lhe a miraculosa maternidade de Maria, o Anjo dirige-se a São José como verdadeiro chefe da família, a quem compete dar o nome à criança. E embora sendo inferior a Jesus e Maria no plano sobrenatural, é-lhe reconhecido o direito, como esposo, sobre o fruto das entranhas de sua mulher.
“…pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”.
Ora, isto só é possível a alguém divino. Deixa assim patente o mensageiro celeste que o Filho por nascer de Maria era não só Filho do Altíssimo, mas também Deus Ele próprio.
Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: “Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um Filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, o que significa: Deus está conosco”.
O que fora incompreensível para Acaz por causa da sua dureza de coração, o esposo de Maria compreendeu inteiramente graças à sua robusta e humilde fé.
Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor havia mandado, e aceitou sua esposa.
Sem dúvida, São José, depois de atravessar com admirável paz de alma uma terrível e lancinante provação, teve esse momento gloriosíssimo de adoração ao Menino Jesus vivendo em Maria. O padre Garrigou-Lagrange, afirma que a missão de São José vai além da ordem da natureza, e não somente humana, mas também angélica. Para melhor frisar seu pensamento, o teólogo dominicano levanta uma pergunta a respeito dessa missão: “Será ela somente da ordem da graça, como a de São João Batista, o qual prepara as vias da Salvação; como a missão universal dos Apóstolos na Igreja para a santificação das almas; ou a missão particular dos fundadores de ordens?”. E apresenta esta resposta: “Observando de perto a questão, vê-se que a missão de São José ultrapassa até a ordem da graça, e confina com a ordem hipostática constituída pelo próprio mistério da Encarnação”
“Deus pediu à Virgem” — comenta o padre Llamera — “seu consentimento para a Encarnação. Ela o concedeu livremente, e neste ato voluntário se radica sua maior glória e mérito”. Mas também ao Santo Patriarca foi solicitada sua anuência ao virginal matrimônio com Maria, condição para a Redenção; outrossim, pediu-lhe a Providência uma heroica aceitação, sem entender, do mistério da Encarnação: mais acreditou ele na inocência de Maria do que na evidência da gravidez, constatada pelos seus olhos. Sem dúvida, foi esse fiat! de São José um dos maiores atos de virtude jamais praticados na Terra.
Abre-se assim ante nossos olhos, às portas do Natal, um vastíssimo panorama em relação aos tesouros de graça depositados na alma do esposo virginal de Maria e pai adotivo de Jesus. Segundo uma piedosa afirmação, “sabemos que algumas almas, por predileção divina, como as de Jeremias e do Batista, foram santificadas antes de verem a luz do dia. Ora, o que diríamos de José? […] [Ele] supera todos os outros Santos em dignidade e santidade; somos, pois, livres para conjecturar que, embora não esteja consignado na Escritura, ele deve ter sido santificado antes de seu nascimento e mais cedo que qualquer um dos demais, pois todos os Santos Doutores concordam ao dizer que não houve nenhuma graça concedida a qualquer Santo, exceto Maria, que não tenha sido concedida a José. […] A grande finalidade que Deus tinha em vista ao criar São José era associá-lo ao mistério da Encarnação […]. Ora, para corresponder a tão elevada vocação, a qual, depois da Virgem Mãe, foi superior a todas as outras, quer dos Anjos ou dos Santos, José deveria necessariamente ter sido santificado em eminentíssimo grau, para ser digno de assumir sua posição na sublime ordem da união hipostática, na qual Jesus teve o primeiro lugar e Maria, o segundo”.
Enfim, não desvendará ainda a teologia insuspeitadas maravilhas na pessoa de São José, o castíssimo chefe da Sagrada Família e Patriarca da Santa Igreja Católica Apostólica Romana?
Obras Consultadas
DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013
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