By

2º Domingo da Páscoa

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou…

   O Evangelho se abre com um episódio ocorrido no próprio dia da Ressurreição. Ao cair da tarde, ainda os encontramos reunidos no Cenáculo. Temerosos de que os judeus viessem à sua procura e os levassem paraa prisão, fecharam bem todas as portas do local. Não obstante, enquanto conversavam, “Jesus entrou”.

   Neste caso, o medo que se apoderou dos Apóstolos foi útil, e até providencial, para lhes oferecer uma prova irrefutável da Ressurreição de Jesus em Corpo glorioso, pois se a casa estivesse aberta eles imaginariam que o Mestre havia entrado pelas vias normais. De fato, esse ato de transpor barreiras físicas decorre de uma das propriedades dos corpos gloriosos, a sutileza, pela qual os Bem-aventurados são capazes de atravessar outros corpos sempre que o queiram.

…e, pondo-Se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.

   Esta passagem traz um aviso, um conselho e um convite para nós: sempre que procuramos a companhia de Jesus — seja no Santíssimo Sacramento, seja numa cerimônia litúrgica, seja em qualquer circunstância em que elevemos nossa alma até Ele — devemos estar em paz, pois só assim nos beneficiaremos inteiramente de sua presença. Isto é, precisamos aquietar as paixões, eliminar os apegos e as aflições com as coisas concretas e colocarmo-nos em atitude contemplativa.

Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.

   Compreende-se que São João faça constar o quanto os discípulos se alegraram com isso. Haviam-se dissipado todas as inquietações, graças à paz infundida por Jesus, sem a qual não teriam desfrutado o imenso dom que Ele lhes oferecia ao manifestar-Se.

   Vemos ainda acentuada a necessidade de nunca abandonarmos o espírito contemplativo — quer estejamos em meio às atividades, quer enfrentando um drama, quer nas ocasiões de júbilo —, bem como a importância de vigiarmos sempre para impedir que nossas más inclinações nos dominem, roubando-nos a paz. No temor, na dor ou na confusão, na euforia, no entusiasmo ou na consolação, nunca devemos perder a paz! Nisto consiste o estado de santidade.

Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio”.

   Com que objetivo o Pai enviou Jesus ao mundo? Para salvar os homens, revelando, ensinando, perdoando e santificando, e é esta a missão que o Redentor transfere aos Apóstolos reunidos em plenário, já no primeiro encontro posterior à sua Ressurreição. Tal é a função da Igreja, de modo particular dos que são chamados ao ministério sacerdotal, mas também de todo apóstolo: quanto lhes seja possível, têm obrigação de instruir nas verdades da Fé e encaminhar para o perdão, promovendo a santificação das almas pelo exemplo e pela palavra.

E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”.

   O Filho de Deus lhes conferia o poder de perdoar os pecados, deixando a seu encargo “o principado do supremo juízo, para que, fazendo as vezes de Deus, a uns retenham os pecados e os perdoem a outros”. De fato, sem a assistência do Espírito Santo não é possível exercer missão tão elevada, pois o confessor deve tratar cada alma tal como Jesus o faria, sabendo discernir as disposições do penitente, dar-lhe o conselho adequado e estimulá-lo ao sincero arrependimento de suas faltas.

Tomé, chamado Dídimo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. Os outros discípulos contaramlhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”.

   Tomé, ausente do Cenáculo quando Jesus ali estivera junto aos discípulos,não havia se beneficiado do convívio com o Senhor, e, ao ouvir a notícia, recalcitrou em não acreditar, declarando que só se convenceria se comprovasse por si mesmo a Ressurreição.

   Deus permitiu isso também para que os outros Apóstolos, já trabalhados por Nosso Senhor, tivessem um choque com atitudetão incrédula, e ficasse patente para eles a diferença entre quem ouvira duas vezes “A paz esteja convosco” e quem não fora objeto deste favor. Tomé vinha com a agitação da atividade, com as aflições de quem está alheio à contemplação e, em consequência, fraquejou na fé.

Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-Se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.

  Apesar de todas as graças recebidas na ocasião anterior, os Apóstolos ficam mais uma vez amedrontados. E é compreensível, pois, se a aparição de um Anjo incute temor, como não causaria a de um Deus feito Homem, ostentando em seu Corpo marcas de glória? Por isso Nosso Senhor lhes deseja outra vez a paz. Pazsobrenatural que Ele próprio comunica à alma de cada um.

Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E nãosejas incrédulo, mas fiel”. Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!”

   Assim como fizera aos outros, Jesus apresentou as mãos a Tomé e afastou a túnica, de modo a mostrar a chaga do lado, para que o Apóstolo incrédulo também se tornasse testemunha da Ressurreição. O felix culpa! Ao tocar nas sagradas chagas, São Tomé deu-nos a prova de que era realmente o Corpo do Divino Mestre, curando “em nós as chagas de nossa incredulidade. De maneira que a incredulidade de Tomé foi mais proveitosa para nossa fé do que a fé dos discípulos que acreditaram, porque, decidindo aquele apalpar para crer, nossa alma se afirma na fé, descartando toda dúvida”

   Há ainda nesta passagem outro aspecto que merece nossaatenção: tudo isto aconteceu depois de São Tomé receber a paz de Nosso Senhor. Do contrário, embora ele pusesse a mão na chaga de nada aproveitaria, porque é na paz que a fé, a esperança, a caridade — enfim, todas as virtudes — se desenvolvem.

Jesus lhe disse: “Acreditaste, por que Me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”

   Este versículo ressalta o contraste entre o caráter divino da Igreja e o seu elemento humano. Este último é incrédulo e, no fundo, infiel, pois é constituído de pessoas concebidas no pecado original e que, portanto, têm debilidades. Mas, enquanto instituição erigida por Cristo para santificar e salvar, ela é impecável, e nenhuma imperfeição humana atinge sua divindade.

Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que,crendo, tenhais a vida em seu nome.

   Impossível seria narrar tudo o que o Divino Mestre fez, pois a vida d’Ele foi um sinal permanente. Por esta razão, o Evangelista selecionou os episódios mais adequados à finalidade que tinha em vista, dentre os quais os dois encontros de Jesus com os discípulos, mencionados neste Evangelho. Com efeito, eles nos levam a concluir facilmente que Nosso Senhor Jesus Cristo é o Filho de Deus Vivo e que n’Ele devemos ver mais o lado divino do que o humano.

   Tenhamos sempre presente que, se não nos coube a graça de conviver com Nosso Senhor, nem ver e tocar suas divinas chagas, nos foi reservada, conforme a afirmação do Divino Mestre, uma bem-aventurança maior do que a deles: crer na Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Bem se poderiam aplicar a nós as palavras de São Pedro na segunda leitura (I Pd 1, 3-9) deste domingo: “Sem ter visto o Senhor, vós O amais. Sem O ver ainda, n’Ele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação” (I Pd 1, 8-9)

Obra consultada: DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

By

Domingo de Ramos

   Na Antiguidade, os grandes heróis militares e os atletas vencedores eram saudados com ramos de palma, para honrá-los pelo triunfo alcançado. Portanto, Jesus quis que sua Paixão, cujo ápice se deu no Calvário, fosse marcada pelo triunfo já na abertura, antecipando a glória da Ressurreição que viria depois.

  À vista deste contraste podemos ficar surpresos: como a Igreja combina ambos os aspectos nesta circunstância?

   Este primeiro aspecto da celebração de hoje nos ensina o quanto é uma falha conceber a Redenção operada por Nosso Senhor centrando-se só na dor. Também, e talvez principalmente, ela comporta o gáudio da Ressurreição, pois, se os padecimentos de Jesus se estenderam da noite de Quinta-Feira até a hora nona de Sexta-Feira, e sua Alma tenha se separado do Corpo por cerca de trinta e nove horas ― como se pode deduzir das narrações evangélicas ―, o período de glória prolongou- -se por quarenta dias, aqui na Terra, e permanece por toda a eternidade no Céu.

   Foi esta a noção que faltou aos Apóstolos ao verem o Divino Mestre entristecer-Se, suar Sangue e deixar-Se prender por vis soldados; em consequência, O abandonaram. Nossa Senhora, pelo contrário, embora cheia de dor e com o coração transpassado por uma espada (cf. Lc 2, 35), não desfaleceu, porque guardava no fundo da alma a certeza de que seu Filho ressuscitaria.

Uma clave para considerar a Paixão do Senhor

   Contemplemos a Liturgia de hoje com esta perspectiva, revivendo aqueles momentos de gozo em que Jesus entra na Cidade Santa, com vistas a passarmos depois pelas angústias da Paixão e pelas alegrias da Ressurreição. Que as graças derramadas sobre todos os participantes dessa primeira procissão, na qual estava presente o Redentor, desçam sobre nós e cumulem nossas almas, fazendo-nos compreender bem o papel do sofrimento em nossa vida de católicos apostólicos romanos, enquanto meio indispensável para chegar à glória final e definitiva. Dor e triunfo encontram-se aqui magnificamente entrelaçados. Per crucem ad lucem! ― É pela cruz que alcançamos a luz!

A bondade divina manifestada na Paixão

   Para salvar a humanidade, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade quis Se encarnar, tornando-Se igual a nós em tudo, exceto no pecado.

   Aquele que, com um simples ato de vontade, poderia ter impedido a ação dos que promoveram sua morte, aceitou todos os ultrajes descritos por São Mateus no Evangelho da Missa.

   Experimentamos aqui a misericórdia de Deus, infinitamente solícito em nos perdoar. Se um só de nós houvesse incorrido em alguma falta e todos os demais homens fossem inocentes, teria Ele padecido igual martírio para resgatar esse único réu! Como aponta o padre Garrigou-Lagrange, no mistério da Redenção “as exigências da justiça terminam por se identificar com as do amor, e é a misericórdia que triunfa, porque é a mais imediata e profunda expressão do amor de Deus pelos pecadores”.

A maldade humana vinga-se do bem recebido

   Ante tanta benevolência, vemos o povo contente e reconhecendo autêntica e sinceramente estar ali, de fato, o Messias. Contudo, não de forma profunda, mas superficial e carente de raízes… Se hoje Jesus foi recebido com honras ― “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos Céus!” ―, dentro de alguns dias essa mesma multidão estará na praça, diante do Pretório, preferindo Barrabás Àquele que antes acolhera com regozijo, e gritando “Seja crucificado!”, como lemos no texto da Paixão.

   Por quê? Pelo ódio dos que não querem aceitar o convite para uma mudança de vida.

Não devemos colocar nossa esperança no mundo

   A Paixão do Senhor nos mostra, de maneira eloquente, o quanto é preciso pôr nosso empenho em servi-Lo, pouco nos importando se nos atacam ou nos elogiam, se nos recebem ou nos repudiam, mas, isto sim, se Lhe agradamos com a nossa forma de proceder.

   Ao sermos batizados nos comprometemos ― seja por nós mesmos, seja na pessoa de nossos padrinhos ― a renunciar ao demônio, ao mundo e à carne, e ficamos marcados pelo sinal do combate. Não firmamos, em nenhum momento, o propósito de nos apoiarmos no aplauso dos outros. Assim sendo, ao celebrar o Domingo de Ramos devemos nos lembrar dessas promessas de luta, que exigem da nossa parte a determinação de enfrentar todas as batalhas que tais inimigos, por nós rejeitados no Batismo, nos apresentarão. E isso significa, a exemplo de Jesus, aceitar e carregar a cruz depositada sobre nossos ombros pela Providência.

A Cruz: de sinal de ignomínia a símbolo de glória

   Sim, Ele é Rei, e está sentado em seu trono. Que trono é esse? A Cruz, sinal de ignomínia por constituir o pior castigo, o suplício mais horrível daqueles tempos No entanto. tão poderoso é este Rei que, posto nesse pedestal de humilhação, Ele o transforma em trono de glória! Hoje em dia, ostentar a Cruz ao peito é uma honra, e nos admiramos ao vê-la sobre as coroas dos reis, nas grandes condecorações ou no alto das catedrais e dos edifícios eclesiásticos: é a exaltação da Cruz!

   Ao levar nas mãos, hoje, a palma como símbolo de triunfo, devemos crer que no Juízo Final toda a maldade será julgada e, entrando na eternidade, a História ficará bem definida: ou o gozo da visão beatífica ou o fogo que arderá sem nunca se extinguir. Não há terceira possibilidade.

O valor da luta

   Contrariamente à quimera sugerida por certa mentalidade muito alastrada, não é possível abolir a cruz da face da Terra, pois, em geral, todo ser humano sofre. Apenas nas produções cinematográficas e demais fantasias do gênero ― coroadas sempre pelo happy end ― encontramos figuras irreais de pessoas imunes a qualquer incômodo físico ou moral, bem-sucedidas em todos os seus empreendimentos e sem dificuldades no convívio social, não havendo sequer os pequenos aborrecimentos e decepções do cotidiano.

   Por mais que se fundem hospitais, por mais que se abram creches ou se construam abrigos para idosos, a dor é nossa companheira e só deixará de existir no Paraíso Celeste. É imprescindível ao homem, portanto, compreender o verdadeiro valor do sofrimento, pois uma impostação equivocada perante ele leva alguns a caírem no abatimento; outros, a revoltar-se contra a Providência; outros — quiçá a maioria — a querer se esquivar de carregar a própria cruz, tentativa que, além de ser inútil, a torna mais pesada, acrescentando-lhe o ônus da inconformidade com a vontade de Deus, que conhece e permite cada uma de nossas angústias.

   Se nossa existência transcorresse sem a presença de obstáculos, seríamos como um botão de rosa que nunca houvesse desabrochado ou um bebê que não crescesse nem se desenvolvesse, e jamais atingiríamos a plenitude espiritual de um concidadão dos Santos e habitante do Céu. O sofrimento constitui-se, então, um meio infalível de preparação para contemplar a Deus face a face.

A glória comprada pelo sofrimento

   Reportando-nos ao início da celebração do Domingo de Ramos, vemos que se a entrada triunfal em Jerusalém precedia as humilhações da Paixão, esta, por sua vez, prenunciava a verdadeira glorificação de Jesus, conforme suas próprias palavras aos discípulos de Emaús, depois da Ressurreição: “Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?”

O combate do católico é sua glória

   A lição da Liturgia neste início de Semana Santa deve ser guardada na lembrança até o nosso último suspiro: somos combatentes! Não fomos feitos para apoiar aqueles que põem sua esperança no mundo, mas para defender Nosso Senhor Jesus Cristo.

   Nesta Semana Santa, unamo-nos a Nosso Senhor Jesus Cristo e façamos companhia a Nossa Senhora nas dores que ao longo dos próximos dias vão se descortinar diante de nossos olhos, com a certeza da glória que atrás delas espera para se manifestar.

Obra consultada: DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

By

5º Domingo da Quaresma

Naquele tempo, havia um doente, Lázaro, que era de Betânia, o povoado de Maria e de Marta, sua irmã. Maria era aquela que ungira o Senhor com perfume e enxugara os pés com seus cabelos. O irmão dela, Lázaro, é que estava doente.  As irmãs mandaram então dizer a Jesus: “Senhor, aquele que amas está doente”. Ouvindo isto, Jesus disse: “Esta doença não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela”. Jesus era muito amigo de Marta, de sua irmã Maria e de Lázaro. Quando ouviu que este estava doente, Jesus ficou ainda dois dias no lugar onde Se encontrava. Então, disse aos discípulos: “Vamos de novo à Judeia”. Os discípulos disseram-Lhe: “Mestre, ainda há pouco os judeus queriam apedrejar-Te, e agora vais outra vezpara lá?” Jesus respondeu: “O dia não tem doze horas? Se alguém caminha de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas se alguém caminha de noite, tropeça, porque lhe falta a luz”.

   Para tornar bem claro quem era o enfermo em questão, São João o apresenta como sendo o irmão de Marta e Maria. Ressalta a figura desta última, por se tratar de uma pessoa muito conhecida e comentada em toda Israel, devido à sua impressionante conversão e seu belíssimo ato de arrependimento em casa de Simão, o fariseu (cf. Lc 7, 37-50).

   Transparece na atitude  de ambas um profundo espírito de fé na onipotência do Salvador e, ao mesmo tempo, uma nobre e fraternal dedicação.

   “Senhor, aquele que amas está doente”. Segundo Santo Agostinho, esta simples frase contém uma profunda verdade de fé: Deus jamais abandona aquele a quem ama. Elas não imploram nem pedem explicitamente a cura, quer pudesse ser ela operada de perto, ou de longe; era-Lhe suficiente conhecer o estado de seu amado para, por um simples desejo seu, tornar efetivo o milagre.

   Grande perplexidade devem ter tido ambas ao receberem a resposta do Senhor, dois dias depois do falecimento de Lázaro: “Esta doença não leva à morte”. Maior aflição ainda deveu-se ao fato de Jesus não Se ter movido para Se encontrar com o amigo nem com suas irmãs.

   Essa é bem a provação pela qual passam as almas aflitas que imploram a intervenção de Deus e julgam não serem atendidas, devido à demora ou a uma aparente inércia da parte do Céu. Quão benfazeja é esta passagem para nos convencer a jamais descrermos da onipotência da oração perfeita!

 Depois acrescentou: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas Eu vou acordá-lo”. Os discípulos disseram: “Senhor, se ele dorme, vai ficar bom”.  Jesus falava da morte de Lázaro, mas os discípulos pensaram que falasse do sono mesmo. Então Jesus disse abertamente: “Lázaro está morto. Mas por causa de vós, alegro-Me por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele”. Então Tomé, cujo nome significa Gêmeo, disse aos companheiros: “Vamos nós também para morrermos com Ele”.

   Porém, ao acrescentar: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas Eu vou acordá-lo”, deu aos Apóstolos nova esperança de não ser necessário retornar à Judeia pois, segundo a forte experiência da época, a retomada do sono ao longo de uma enfermidade grave era indício de boa convalescença, e por isso exclamam: “Senhor, se ele dorme, vai ficar bom”.

   Diante dessa situação era indispensável falar-lhes às claras, revelando-lhes a morte de Lázaro. Só este particular já seria suficiente para melhor crerem nas propostas de Jesus, pois, até aquele instante, ninguém ali sabia do falecimento de Lázaro, que Ele lhes comunica com toda segurança. E, ademais, aproveita para estimular a confiança dos Apóstolos, manifestando sua alegria pelo fato de eles não terem estado em Betânia durante a enfermidade de Lázaro, pois, nesse caso, Jesus se veria na contingência de curá-lo antes de sua morte, diminuindo a grandeza do milagre da ressurreição que iria operar.

Quando Jesus chegou, encontrou Lázaro sepultado havia quatro dias. Betânia ficava a uns três quilômetros de Jerusalém. Muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as consolar por causa do irmão. Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro d’Ele. Maria ficou sentada emcasa. Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, Ele To concederá”.

   Betânia, segundo a própria narração, ficava a menos de 3 km de distância de Jerusalém. Essa propriedade pertencente à família de Lázaro havia sido utilizada por Jesus com frequência, quase todas as vezes que devia ir a Jerusalém, não só por sua proximidade, mas até mesmo pelo conforto. Essa é também a razão de ali se encontrarem muitos judeus. O luto era observado ao longo de sete dias, sendo os três primeiros reservados para o pranto e os quatro outros para receber as visitas de pêsames.

   Uma vez mais os fatos nos revelam as características próprias a cada uma das duas irmãs. Marta é mais dada à administração, às relações sociais, etc., e Maria mais ao fervor amoroso. Por tal motivo Marta não avisa sua irmã, pois seria impossível retê-la junto às visitas enquanto se desenrolasse seu diálogo com o Mestre. Aliás, esse diálogo não poderia ter transcorrido com maior ternura e delicadeza. Não há a menor sombra de queixa da parte de Marta ao afirmar: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”, pelo contrário, trata-se da manifestação de um pesaroso sentimento feito de confiança no poder de Jesus.

   Maria, por sua vez, repetirá pouco depois exatamente essa mesma frase, permitindo-nos perceber o teor das conversas havidas entre ambas naqueles últimos dias.

   Entretanto, a fé de uma e outra ainda não havia atingido sua plenitude, pois não podiam imaginar o grande milagre que iria ser operado por Jesus. Marta não tem noção do poder absoluto de Jesus, e daí o condicionar as ações do Divino Mestre aos pedidos que Ele faça a Deus: “Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, Ele To concederá”.

Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”. Então Jesus disse: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em Mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá jamais. Crês isto?” Respondeu ela: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”.

   Marta externa sua firme crença na ressurreição final e nessa ocasião espera rever seu irmão em corpo e alma, sem jamais imaginar a possibilidade de reencontrá-lo naquele mesmo dia.

Depois de ter dito isto, ela foi chamar a sua irmã, Maria, dizendo baixinho: “O Mestre está aí e te chama”. Quando Maria ouviu isso, levantou-se depressa e foi ao encontro de Jesus. Jesus estava ainda fora do povoado, no mesmo lugar onde Marta se tinha encontrado com Ele. Os judeus que estavam em casa consolando-a, quando a viram levantar-se depressa e sair, foram atrás dela, pensando que fosse ao túmulo para ali chorar. Indo para o lugar onde estava Jesus, quando O viu, caiu de joelhos diante d’Ele e disse-Lhe: “Senhor, se tivesses estado aqui, o meu  irmão não teria morrido”. Quando Jesus a viu chorar, e também os que estavam com ela, estremeceu interiormente, ficou profundamente comovido, e perguntou: “Onde o colocastes?” Responderam: “Vem ver, Senhor”. E Jesus chorou. Então os judeus disseram: “Vede como Ele o amava!” Alguns deles, porém, diziam: “Este, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito com que Lázaro não morresse?” 

   Sempre “pedra de escândalo” (Is 8, 14), os campos se dividem em vista de suas lágrimas. Alguns são tomados de admiração, outros O recriminam por ter deixado morrer Lázaro. Hipocrisia pura, segundo autores clássicos, pois se põem a julgar Jesus antes mesmo de qualquer ação sua. Esse é o efeito de uma antipatia preconcebida, radicada, talvez, no vício da inveja.

De novo, Jesus ficou interiormente comovido. Chegou ao túmulo. Era uma caverna, fechada com uma pedra. Disse Jesus: “Tirai a pedra!” Marta, a irmã do morto, interveio: “Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias”. Jesus lhe respondeu: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” Tiraram então a pedra. Jesus levantou os olhos para o alto e disse: “Pai, Eu Te dou graças porque Me ouviste. Eu sei que sempre Me escutas. Mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para que creia que Tu Me enviaste”. Tendo dito isso, exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!” O morto saiu, atado de mãos e pés com os lençóis mortuários e o rosto coberto com um pano. Então Jesus lhes disse: “Desatai-o e deixai-o caminhar”. Então, muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram n’Ele.

   Com magna autoridade, Jesus ordena, para espanto dos circunstantes: “Tirai a pedra!”. Marta, sempre criteriosa, não resiste em ponderar que o cadáver já estaria em decomposição depois de quatro dias. “Senhor, já cheira mal”. Magistral a resposta de Jesus: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?”.

   Belíssima oração a de Nosso Senhor; com o túmulo já aberto, o mau odor ferindo as narinas dos presentes, a atenção não poderia ser mais intensa. Ele reza não por necessidade, “mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para que creia que Tu Me enviaste”.

   Dois portentosos milagres se operam, não só o da pura ressurreição. Lázaro estava atado da cabeça aos pés, impedido de caminhar; entretanto, subiu pela escada que dava acesso à entrada do túmulo, estando até mesmo com um sudário ao rosto. Imaginemos a impressionante cena de um defunto subindo degrau por degrau, sem liberdade de movimentos e sem enxergar, mas já respirando com visíveis sinais de vida.

   Nada mais relata o Evangelista; nenhuma palavra a respeito de Lázaro ou das manifestações de alegria de suas irmãs; apenas a conversão de “muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria”.

   Aí está o poder de Cristo manifestado em pleno esplendor para alimentar-nos em nossa fé.

  Por maior que sejam os dramas ou aflições em nossa existência, sigamos o exemplo e a orientação de Maria, crendo na onipotência de Jesus, compenetrados das palavras de São Paulo: “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios” (Rm 8, 28).

Obra consultada:

 DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

By

4º Domingo da Quaresma – Domingo Laetare

   O trecho do Evangelho deste domingo apresenta Nosso Senhor pouco depois de sair do Templo, onde acabara de ter uma das mais ardentes polêmicas com os fariseus, encerrada por Ele com uma solene declaração de sua divindade, ao afirmar com fórmula de juramento: “Em verdade, em verdade vos digo, antes que Abraão fosse, Eu sou” (Jo 8, 58). Os fariseus “pegaram então em pedras para Lhas atirar” (Jo 8, 59). Tinham a intenção de matá-Lo, mas não conseguiram, pois Ele Se esquivou e saiu do Templo, “porque ainda não era chegada sua hora” (Jo 8, 20).

   Logo após essa dramática cena, Jesus fez diante de todo o povo o estrondoso milagre que servirá para confirmar a veracidade de suas palavras a respeito de sua sobrenatural origem.

Naquele tempo, ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. Os discípulos perguntaram a Jesus: “Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?” Jesus respondeu: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele. É necessário que nós realizemos as obras d’Aquele que Me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, Eu sou a Luz do mundo”.  

   A crença de que os males físicos eram sempre consequência de algum pecado estava muito arraigada não só nos judeus, mas também nos povos pagãos contemporâneos de Cristo. No presente caso, porém, declara taxativamente o Mestre que essa cegueira foi permitida desde toda a eternidade, para dar ensejo à manifestação de seu poder divino sobre a natureza.

Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego. E disse-lhe: “Vai lavar-te na piscina de Siloé” (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando.

   Causa surpresa o fato de Jesus cuspir no chão, fazer lama, passar nos olhos do doente e depois dar-lhe ordem de ir lavar-se.

   Bem observa, a este propósito, o mesmo São João Crisóstomo: “Cuspiu no chão para eles não atribuírem um poder milagroso à água dessa piscina e para entenderem que saiu de sua boca a misteriosa energia que regenerou os olhos do cego e os abriu. É por isso que o Evangelista diz: ‘Fez lama com a saliva’. Em seguida, para evitar que se pensasse num poder secreto da terra, mandou-o ir lavar-se”.

   Primeiro quis o Divino Mestre que todos os circunstantes vissem o cego com barro nos olhos, e isso, certamente, causou viva impressão. Em seguida, ao retornar o homem curado, ficaria patente perante eles quem era o Autor da cura. Para um povo duro de coração como aquele, era preciso não haver dúvida a tal respeito. Daí ter Jesus utilizado a própria saliva, misturando-a com a terra, duas matérias incapazes por si de operar a cura, ressaltando provir d’Ele o poder sobrenatural. Pode-se observar que os detalhes do episódio foram divinamente dispostos para produzir nos presentes o grande efeito narrado pelo Evangelista

   “Note-se como o cego tinha a disposição de obedecer em tudo. […] seu único objetivo foi o de obedecer a quem lhe ordenava. Nada pôde dissuadi-lo, nada constituiu obstáculo”. Ele fez exatamente o que Nosso Senhor mandara, e foi recompensado.

Os vizinhos e os que costumavam ver o cego — pois ele era mendigo — diziam: “Não é aquele que ficava pedindo esmola?” Uns diziam: “Sim, é ele!” Outros afirmavam: “Não é ele, mas alguém parecido com ele”. Ele, porém, dizia: “Sou eu mesmo!” Então lhe perguntaram: “Como é que se abriram os teus olhos?” Ele respondeu: “Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: ‘Vai a Siloé elava-te’. Então fui, lavei-me e comecei a ver”.  Perguntaram-lhe: “Onde está Ele?” Respondeu: “Não sei”. 

   Um fato tão extraordinário como este foi motivo de grande sensação, comentários e discussões entre “os vizinhos e os que costumavam ver o cego” pedindo esmolas. O sintético relato evangélico não especifica se houve manifestações de entusiasmo, de incredulidade ou de ódio. Contudo, parece certo que a primeira reação de alguns foi, pelo menos, de ignorar a evidência da cura milagrosa. Indício disso é o tom reservado das respostas do feliz beneficiário do milagre. 

Levaram então aos fariseus o homem que tinha sido cego. Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego. Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: “Colocou lama sobre meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!” Disseram, então, alguns dos fariseus: “Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado”. Mas outros diziam: “Como pode um pecador fazer tais sinais?” E havia divergência entre eles. Perguntaram outra vez ao cego: “E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?” Respondeu: “É um profeta”. Então, os judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista.

   A par do desentendimento instalado entre os fariseus a propósito do acontecimento, esses versículos tornam patentes dois aspectos do estado de espírito deles. A má-fé e a dureza de coração.

Chamaram os pais dele  e perguntaram-lhes: “Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora está enxergando?” Os seus pais disseram: “Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego.  Como agora está enxergando, isso não sabemos. E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo”. Os seus pais disseram isso, porque tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias. Foi por isso que seus pais disseram: “É maior de idade. Interrogai-o a ele”.

   Não tiveram dificuldade os pais do cego em perceber a malícia e o ódio que imperavam nesse inquérito dos fariseus. E tinham motivos de sobra para temê-los, pois a expulsão da sinagoga poderia ter graves consequências no campo civil, como o desterro e o confisco dos bens. Por isso preferiram cortar qualquer possibilidade de fazer algum pronunciamento a respeito de Jesus: “Não sabemos, perguntai ao nosso filho, ele é maior de idade”.

Então, os judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: “Dá glória a Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador”. Então ele respondeu: “Se Ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo”. Perguntaram-lhe então: “Que é que Ele te fez? Como te abriu os olhos?” Respondeu ele: “Eu já vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos discípulos d’Ele?” Então insultaram-no, dizendo: “Tu, sim, és discípulo d’Ele! Nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse, não sabemos de onde é”. Respondeu-lhes o homem: “Espantoso! Vós não sabeis de onde Ele é? No entanto, Ele abriu-me os olhos! Sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua vontade. Jamais se ouviu dizer que alguém tenha  aberto os olhos a um cego de nascença. Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada”. Os fariseus disseram-lhe: “Tu nasceste todo em pecado e estás no  ensinando?” E expulsaram-no da comunidade.

   Nota-se nestes versículos, mais uma vez, sua malévola insistência na tentativa de obter do miraculado uma declaração contra o Senhor.

   Comenta, a esse respeito, Santo Agostinho: “Depois de muitas coisas, foi excluído da sinagoga dos judeus aquele que era cego e agora enxergava. Enfureceram-se contra ele e o expulsaram. E era isso que temiam seus pais, conforme foi declarado pelo Evangelista. […] Temiam, pois, eles serem enxotados da sinagoga; ele não temeu e foi enxotado; os pais permaneceram nela. Mas ele é acolhido por Cristo e pode dizer: ‘Porque meu pai e minha mãe me abandonaram’. Que acrescentou? ‘O Senhor, porém, tomou-me sob a sua proteção’. Vem, ó Cristo, e recebe-o; eles o excomungaram, acolhe-o Tu. Tu, o Enviado, acolhe o excluído”.

Jesus soube que o tinham expulsado. Encontrando-o, perguntou-lhe: “Acreditas no Filho do Homem?” Respondeu ele: “Quem é, Senhor, para que eu creia n’Ele?” Jesus disse: “Tu O estás vendo; é Aquele que está falando contigo”. Exclamou ele: “Eu creio, Senhor!” E prostrou-se diante de Jesus.

   O objetivo de São João, ao narrar este episódio, era, sem dúvida, tornar evidente o seguinte ponto: ao ser curado da cegueira, aquele homem recebeu também a crença na divindade de Cristo.

   É razoável considerar que este milagre tenha concorrido muito para confirmar na fé os próprios Apóstolos e, ademais, lhes haver dado a possibilidade de ponderar o quanto vale mais a conversão espiritual do que a cura da cegueira material.

Então, Jesus disse: “Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem, vejam, e os que veem se tornem cegos”.

   Santo Agostinho assim comenta esta passagem: “Embora todos, ao nascer, tenhamos contraído o pecado original, nem por isso nascemos cegos; contudo, considerando bem, nascemos cegos nós também. Com efeito, quem não nasceu cego? Cego de coração. Mas o Senhor, que fizera ambas as coisas, os olhos e o coração, curou tanto uns quanto o outro”.

Alguns fariseus, que estavam com ele, ouviram isto e lhe disseram: “Porventura, também nós somos cegos?” Respondeu-lhes Jesus: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece”.

   À interpelação de alguns fariseus, Nosso Senhor responde com uma impressionante increpação. Com efeito, se, apesar de todas as obras por Ele realizadas, alguém O considera apenas de modo natural e humano, sem reconhecer sua divindade, esse é, de fato, um cego de alma, um cego de coração. Pelo contrário, quem padece de cegueira corporal, mas, por ação da graça, acredita na divindade do Messias, este foi curado da cegueira espiritual, cura incomparavelmente mais importante que a da cegueira física. Pois, como afirma o Apóstolo, “as coisas que se veem são temporais e as que não se veem são eternas” (II Cor 4, 18).

   O cerne deste Evangelho nos é sintetizado por São Paulo em sua Epístola aos Efésios (5, 8-14), também proposta à nossa consideração neste Domingo da Alegria: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor” (Ef 5, 8).

   Apresentando-nos esse magnífico Evangelho sobre a luz, no 4º Domingo da Quaresma, a Igreja nos proporciona um particular alento para avançarmos com ânimo resoluto na vida espiritual. Às vezes fraquejamos, deixamo-nos arrastar por nossas más inclinações e sentimos periclitar nossa perseverança nas vias da santificação. Nesses momentos, lembremo-nos da cura do cego de nascença e consideremos que, se Deus permitiu que caíssemos numa debilidade, Ele está atento para intervir a qualquer instante e restaurar em nós a vida divina. Com as orações e a mediação maternal de Maria, nos encontraremos purificados para contemplar a luz do Círio Pascal, símbolo também dessa Luz que nos foi dada com a Ressurreição de Cristo e que nos vem através dos Sacramentos.

 

Obra consultada

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

%d blogueiros gostam disto: