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São João Batista: o eco de uma voz que ressoa por mais de dois mil anos

21 de Junho de 2013

by Rodrigo Siqueira

               A alegria está invadindo os bairros e praças do nosso grande Brasil. Comes e bebes, festas, trocas de gentilezas e muitos rojões fazem parte da comemoração que nos rodeia neste mês de junho. Mas tudo isso por quê?

               Porque há homens que nasceram para marcar a História: a sua pessoa, os seus atos, a sua personalidade atravessam os séculos e nos servem de modelo a imitar e de exemplo a seguir.

               São João Batista faz parte desta linhagem de pessoas, homem suscitado por Deus para corrigir os erros de sua época e para iluminar e perfumar a História. Quem foi este tão famoso santo que todos já ouviram falar, mas que nem todos o conhecem?

               Desde os primeiros instantes de sua existência, quando ainda estava no ventre materno, demonstrou possuir uma missão fora do comum. Quando a Santíssima Virgem, após a revelação de São Gabriel, atravessou apressadamente os montes para ir auxiliar a sua santa prima, a qual também concebeu por uma ação divina, e por fim pronunciou-lhe a saudação, o pequeno João pulou de alegria a ponto de deixar patente aos circunstantes se tratar de uma vocação especial. Dele afirmou o evangelista: “Veio um homem enviado por Deus; seu nome era João. (Jo 1, 6).

               Mais tarde encontrou-se no deserto uma figura singular, um homem que se alimentava de gafanhotos e mel silvestre, passava pelos lugares exortando as pessoas que aplainassem o caminho de Deus, ou seja, que suas almas fossem planas e retas sem os desvios e asperezas que são frutos do pecado; um homem altivo apesar de possuir um corpo tratado por heroicas penitências. Entretanto, o fazer penitência é um ato que exige muito do ser humano. Para que alguém esteja realmente disposto a este sacrifício, é necessário que compreenda que pecou, e que este ato irá constituir uma reparação e um pedido de perdão ao Redentor. São João Batista tinha este princípio diante dos olhos, por isso jejuava e se sacrificava pelos pecados do povo. Deus, então, em atenção à sua penitência, concedia força às suas palavras para mover as almas que cruzassem os ouvidos com a sua voz.

               Monsenhor João Clá Dias comentará a seu respeito: “[…] Mas, enquanto preparava o povo judeu para seu encontro com o Messias, São João Batista foi entreabrindo as portas da revelação que o próprio Filho de Deus vinha trazer”.¹

               Assim, o homem de Deus batizava os arrependidos como prefigura e preparação do batismo por excelência trazido por Jesus, e no momento em que lhe comunicam que todos vão ao batismo de Jesus, ele não hesita em manifestar sua humildade dizendo: “É necessário que ele cresça e eu diminua.”

               Que nesta festa de São João, nos lembremos de seus ensinamentos e do seu exemplo de vida; auxiliados pela sua intercessão, tenhamos dor de nossos pecados e peçamos perdão ao nosso Redentor, afim de que, além da animação dos fogos e do bom convívio, aproveitemos a essência desta comemoração, que está em ouvirmos essa voz que ressoa por mais de dois mil anos.

¹CLÁ DIAS, João. In: Revista Arautos do Evangelho, Fazei penitência! Nº120, 2011. p. 15

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São Brás: Brasa de amor a Deus

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No dia 3 de fevereiro, lembramos a vida São Brás, venerado tanto no Oriente como no Ocidente, nasceu na Armênia, no século III, foi médico e bispo em Sebaste. Como médico, usava dos seus conhecimentos para resgatar a saúde, não só do corpo, mas também da alma, pois se ocupava em evangelizar os pacientes.

No tempo deste santo aconteceu uma forte perseguição religiosa, por isso, como santo bispo, procurou exortar seus fiéis à firmeza da fé. Por sua vez, São Brás, que era testemunho de segurança em Deus, retirou-se para um lugar solitário, a fim de continuar governando aquela Igreja, porém, ao ser descoberto por soldados, disse: “Sede benditos, vós me trazeis uma boa-nova: que Jesus Cristo quer que o meu corpo seja imolado como hóstia de louvor”.

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São Brás foi médico e Bispo de Sebaste

Morreu em 316. Quando as perseguições começaram sob o Imperador Dioclecius (284-305). São Brás fugiu para uma caverna onde ele cuidou dos animais selvagens. Anos mais tarde, caçadores o encontraram e o levaram preso para o governador Agrícola, da Capadócia na Baixa Armênia, durante a perseguição do então Imperador Licinius Lacinianus (308-324). São Brás foi torturado com ferros em brasa e depois foi decapitado.

O costume de abençoar as gargantas no seu dia continua até hoje, sendo usadas velas nas cerimônias comemorativas. São utilizadas para lembrar o fato da mãe do menino curado por São Brás, ter levado a ele velas na prisão. Muitos eventos miraculosos são mencionados nos estudos sobre São Brás e é muito venerado na França e Espanha.

Suas relíquias estão em Brusswick, Mainz, Lubeck, Trier e Cologne na Alemanha. Na França em Paray-le-Monial. Em Dubrovnik na antiga Iugoslávia e em Roma, Taranto e Milão na Itália.

Na liturgia da Igreja Católica São Brás é mostrado com velas nas mãos e em frente a ele, uma mãe carregando uma a criança com mão na garganta, como pedindo para ele cura-la. Daí se originou a benção da garganta no seu dia.

Fatos na vida de São Brás

Aos pés de uma montanha, numa gruta, nos campos de Sebaste, na Armênia, morava um homem puro e ino­cente, doce e modesto. O povo da ci­dade, movido pelas virtudes do Santo Varão, inspirado pelo Espírito Santo, o escolheu como Bispo. Os habitantes da cidade, e até os animais, iam procurá-lo, para obter alívio de seus males.

Um dia, os soldados de Agrícola, governador da Capadócia, procuravam feras nos campos de Sebaste, para martirizar os cristãos na arena, quando depararam com muitos animais ferozes de todas as espécies, leões, ursos, tigres, hienas, lobos e gorilas convivendo na maior harmonia. Olhando-se estupefatos e bo­quiabertos, perguntavam-se o que acontecia, quan­do da negra gruta surge, da escuridão para a luz, um homem caminhando entre as feras, levantando a mão, como que abençoando-as. Tranqüilas e em ordem voltaram para suas covas e desertos de onde vieram.

Um enorme leão de juba ruiva permaneceu. Os soldados, mortos de medo, viram-no levantar a pata e logo após, Brás aproximou-se dele para extrair-lhe uma farpa que lá se cravara. O animal, tranqüilo, foi-se embora.
Sabendo do fato, o governador Agrícola mandou prender o homem da caverna. Brás foi preso sem a menor resistência.

Não conseguindo vergar o santo ancião, que se recusou a adorar os ídolos pagãos, Agrícola mandou que o açoitassem e depois o prendessem na mais negra e úmida das masmorras.

Muitos iam procurar o Santo Bispo, que os aben­çoava e curava. Uma pobre mulher o buscou, aflita, com seu filho nos braços, quase estrangulado por uma espinha de peixe que lhe atravessava a garganta. Comovido com a fé daquela pobre mãe, São Brás passou a mão na cabeça da criança, ergueu os olhos, rezou por um instante, fez o sinal da cruz na garganta do menino e pediu a Deus que o acudisse. Pouco depois a criança ficou livre da espinha que a maltra­tava.

Por várias vezes o santo foi levado à presença de Agrícola, mas sempre perseverava na fé de Jesus Cristo. Em revide era supliciado. Movido por sua fidelidade e amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, São Brás curava e abençoava. Sete mulheres que cui­da­ram de suas fe­ridas, provocadas pelos suplícios de Agrícola, fo­ram também castigadas. Depois o governador foi informado que elas haviam atirado seus ídolosno fundo de um lago próximo, e mandou matá-las.

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“Jesus Cristo quer que o meu corpo seja imolado
como hóstia de louvor”, disse São Brás aos soldados

São Brás chorou por elas e Agrícola, enfurecido, con­denou-o à morte, decretando que o lançassem no lago. Brás fez o sinal da cruz sobre as águas e avançou sem afundar. As águas pareciam uma estrada sob seus pés. No meio do lago parou e desafiou os soldados:

– Venham! Venham e ponham à prova o poder de seus deuses!

Vários aceitaram o desafio. Entraram no lago e afundaram no mesmo instante.

Um anjo do Senhor apareceu ao bom Bispo e ordenou que voltasse à terra firme para ser martirizado. O governador o condenou à decapitação. Antes de apresentar a cabeça ao carrasco, São Brás suplicou a Deus por todos aqueles que o haviam assistido no sofrimento, e também por aqueles que lhe pedissem socorro, após ter ele entrado na glória dos céus.

Naquele instante, Jesus lhe apareceu e prometeu conceder-lhe o que pedia. Morreu São Brás em plena época de ascensão do Cristianismo, em Sebaste, a 3 de fevereiro. Era natural da Armênia.

Brás, brasa, chama do amor de Deus, da fé, do amor ao próximo. A vida heróica de São Brás é um estímulo para que mantenhamos também acesa em nossas almas a brasa da fé, que em meio às trevas sempre arda de zelo, fidelidade e intrepidez a favor do bem.

Dentre os milagres que cercaram a vida deste grande santo, há um que chama particularmente a atenção: seu domínio sobre os animais ferozes, que, na companhia do santo, se tornavam mansos como cordeiros. Qual o sentido de tal fato?

No Paraíso Terrestre, antes do pecado original, Adão e Eva tinham poder sobre os animais, que vi­viam em harmonia com o homem, e o serviam. Como castigo do primeiro pecado, que foi uma revolta contra Deus, a natureza se insurgiu contra o violador da ordem, e os animais passaram a hostilizar o homem.

Pelo apaziguamento que São Brás operava sobre os animais selvagens, quis Deus mostrar aos peca­dores o poder da virtude, que ordena até a natureza indomável das feras.

Hoje em dia, a humanidade geme sob o peso do caos, provocado pelo pecado. E os homens praticam atos de ferocidade nunca vistos. Procuremos a so­lução para a desordem do mundo na Lei de Deus. Pela força da virtude, não só os homens, mas também a própria natureza entrará em ordem. E então que belezas não surgirão de uma sociedade, onde todos pratiquem o bem e amem a verdade?

(Revista Arautos do Evangelho, Fevereiro/2002, n. 2, p. 22-23)

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Medalha de São Bento

medalha-sao-bento.jpgA Medalha de São Bento é um poderoso instrumento de proteção contra o demônio, o pecado e toda espécie de males. Ao longo dos séculos, numerosos são os testemunhos dos que alcançaram graças por meio desta Medalha: socorro em casos de doenças, proteção contra calúnias, feitiços e acidentes em viagens; conversões e exorcismos de pessoas, além de conceder graças especiais na hora da morte. Estes são só alguns de seus efeitos.

A fragilidade material da Medalha contrasta com a força e o poder de sua ação.

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É bom assinalar que a medalha não é um talismã. As inúmeras graças alcançadas por meio deste precioso instrumento de fé são, antes de tudo, frutos da vida santa do abade Bento. Durante a sua vida São Bento manifestou espantosos dons sobrenaturais, tais como: o poder de ler o pensamento de seus discípulos, a capacidade de curar, exorcizar e o dom da profecia.

Fonte: Associação Religiosa Nossa Senhora das Graças

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São João Batista e a restituição

O Precursor e a Restituição

São João Batista - Matriz de São João del Rei - MGAo ver Jesus vir a ele no Jordão, João era já pregador de grande prestígio, profeta como nunca houvera em Israel. Entretanto, longe de sentir inveja, o Batista reagiu com heróica humildade e ilimitada servidão, testemunhando ser aquele homem o Filho de Deus.

Mons. João Scognamiglio Clá Dias

” Evangelho “

No dia seguinte João viu Jesus, que vinha ter com ele, e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, eis O que tira o pecado do mundo. Este é Aquele de quem eu disse: Depois de mim vem um Homem que é superior a mim, porque era antes de mim, e eu não O conhecia, mas vim batizar em água, para Ele ser reconhecido em Israel”. João deu este testemunho: “Vi o Espírito descer do Céu em forma de pomba e repousou sobre Ele. Eu não O conhecia, mas O que me mandou batizar em água, disse-me: Aquele sobre quem vires descer e repousar o Espírito, esse é O que batiza no Espírito Santo. Eu O vi, e dei testemunho de que Ele é o Filho de Deus” (Jo I, 29-34).

I – Um dos mais belos encontros da História

“O semelhante se alegra com seu semelhante”, diz um antigo provérbio latino, e de fato é esse um princípio intrínseco a todos os seres com vida, na medida em que sejam passíveis de felicidade. Deus assim nos criou e fez uns dependerem dos outros, aperfeiçoando-nos com o mais entranhado dos instintos, o de sociabilidade. Se para um pássaro constitui motivo de gáudio o encontrar-se com outro da mesma espécie, para nós, esse fenômeno é mais intenso. Ora, se grande é o júbilo de duas crianças afins ao se encontrarem pela primeira vez no colégio, qual não terá sido a reação dos dois maiores homens de todos os tempos, ao se contemplarem face a face?

Assim se realizou um dos mais belos encontros da História, João Batista diante de Jesus; para melhor compreendê-lo, analisemos as analogias entre um e outro.

Traços de semelhança entre Jesus e JoãoJesus abençoando (Sante Chapelle)

Apesar de serem duas pessoas infinitamente distantes entre si pela natureza — João é mero homem, Jesus é a Segunda Pessoa da Trindade Santíssima — numerosos traços de semelhança os unem.

Jesus é o alfa e o ômega da História. João é o começo do Evangelho e o fim da antiga Lei (1). Assim o afirma o próprio Nosso Senhor: “Com efeito, todos os profetas e a Lei profetizaram até João” (Mt 11, 13-14).

Segundo Tertuliano, João Batista é uma “figura única na História, adornada em vida de um prestígio sobre-humano, que se levanta misteriosa e solene nos confins de ambos os Testamentos” (2). Dele afirma Jesus: “Na verdade vos digo que entre os nascidos de mulher, não veio ao mundo outro maior que João Batista” (Mt 11, 11).

Além do mais, a concepção de ambos, de Jesus e de João, é precedida pelo anúncio do mesmo embaixador São Gabriel Arcanjo (Lc 1, 11-19 e 26-34). As mensagens não diferem muito, em seus termos, uma da outra. Os nomes de Jesus e de João foram designados por Deus (Lc 1,13 e 31).

No próprio ato de anunciar o nascimento, o Mensageiro celeste profetiza também o futuro tanto do Precursor (Lc 1,13-17) quanto do Messias (Lc 1,31-33).

O perfil do Precursor

São João Batista (Catedral de Amiens)Sobre Jesus, se fôssemos analisar as grandezas de suas qualidades e de suas obras, “nem todo o mundo poderia conter os livros que seria preciso escrever” (Jo 21, 25).

No Batista, tudo é sui generis, a começar pela profecia de sua vinda, proferida por Isaías e Malaquias: “Uma voz exclama: Abri no deserto um caminho para o Senhor, traçai na estepe uma pista para nosso Deus” (Is 40, 3); “Vou mandar meu mensageiro para preparar o meu caminho” (Mal 3, 1).

Mais impressionante ainda é a sua santificação no seio materno operada pela Santíssima Virgem: “Porque, logo que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre” (Lc 1, 44).

A grandeza de sua missão é profetizada pelo próprio pai: “E tu, menino, serás chamado o profeta do Altíssimo, porque irás à frente do Senhor, a preparar os seus caminhos; para dar ao seu povo o conhecimento da salvação” (Lc 1, 76-77).

A rudeza da forma de vida escolhida pelo Batista lhe confere uma aura de austeridade ímpar: “Ora o menino crescia e se fortificava no espírito. E habitou nos desertos até o dia da sua manifestação a Israel” (Lc 1, 80). “Andava João vestido de pêlo de camelo, (…) e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre” (Mc 1, 6).

Ao iniciar suas pregações, foi acolhido pela opinião pública da época com enorme prestígio, pois, já ao seu nascimento, “o temor se apoderou de todos os seus vizinhos, e divulgaram-se todas essas maravilhas por todas as montanhas da Judéia. Todos os que as ouviram as ponderavam no seu coração dizendo: ‘Que virá a ser este menino?’ Porque a mão do Senhor estava com ele” (Lc 1, 65-66). Logo de início, João atraiu multidões: “E iam ter com ele toda a região da Judéia e todos os habitantes de Jerusalém” (Mc 1, 5), “porque todos tinham a João como verdadeiro profeta” (Mc 11, 32).

Os soldados, os publicanos e as multidões lhe perguntavam “Mestre, que devemos fazer?” (Lc 3, 10-14). O próprio Herodes, querendo matá-lo “teve medo do povo, porque este o considerava como um profeta” (Mt 14, 5). Essa grande fama se estendeu até após sua morte: “porque todos tinham João como um profeta” (Mt 21, 26).

As repercussões sobre sua figura, palavras e obras ecoaram entre os vales e os montes da Terra Prometida, a ponto de o povo chegar a pensar “que talvez João fosse o Cristo” (Lc 3, 15).

Pois bem, fixemos em nossa lembrança essa gloriosa projeção alcançada em vida por São João Batista e abramos um parênteses para considerar a principal de suas virtudes: a da restituição, a qual consiste essencialmente em atribuir a Deus os dons d’Ele recebidos.

II – Inveja e ambição, vícios universais

A ambição é uma paixão tão universal quanto o é a vida humana. Quase se poderia dizer que ela se instala na alma antes mesmo do uso da razão, sendo facilmente discernível no modo de a criança agarrar seu brinquedo ou na ânsia de ser protegida. Ao tomar consciência de si e das coisas, os impulsos primeiros de seu ser convidá-la-ão a chamar a atenção sobre sua pessoa e, se ela cede, ter-se-á iniciado o processo da ambição. O desejo de ser conhecida e estimada é a primeira paixão que macula a inocência batismal. Quantos de nós não nos lançamos nos abismos da ambição, da inveja e da cobiça já nos primeiros anos de nossa infância? Essas provavelmente foram as raízes dos ressentimentos que tenhamos tido a propósito da glória dos outros. Sim, pelo fato de desejarmos a estima de todos, por nos crermos no direito à glória e ao louvor dos nossos circunstantes, constitui para nós uma ofensa o sucesso dos outros. Por isso São Tomás define a inveja como sendo “a tristeza do bem alheio enquanto se considera como mal próprio, porque diminui a própria glória ou excelência” (3).

Há paixões que se mantêm letárgicas até a adolescência, assim não o é a inveja; ela se manifesta já na infância e acompanha o homem até a hora de sua morte. Não será difícil aos pais observar os sinais desse vício, em seus pequenos. Irmãos ou irmãs, entre si, não poucas vezes terão problemas por se imaginarem eclipsados pelas qualidades ou privilégios de seus mais próximos. Quantas vezes não acontece de ser necessário separar-se irmãos, ou irmãs, na tentativa de corrigir essas rivalidades que podem chegar a extremos inimagináveis, tal qual se deu entre os primeiros filhos de Eva, Caim e Abel?

A ambição e a inveja são mais universais do que parece à primeira vista; poucos se vêem livres de suas garras. Elas se levantam e tomam corpo em relação aos que nos são mais próximos, como afirma São Tomás: “A inveja é do bem alheio enquanto diminui o nosso. Portanto, somente se suscita a respeito daqueles que se quer igualar ou superar. Isto não sucede em pessoas que diferem muito de nós em tempo, espaço e lugar, senão nas que nos estão próximas” (4).

Assim, ao sábio será mais difícil invejar o general, e vice-versa, ou, uma médica a uma costureira; mas dentro da mesma profissão, quanto mais relacionadas forem as pessoas entre si, mais intensa se manifestará essa paixão.

Em conseqüência, poder-se-ia dizer que jamais se excitaria esse mau pendor nas almas dos contemporâneos de Jesus face a suas qualidades, pois a diferença entre Ele e qualquer pessoa deste mundo é simplesmente infinita. De fato, esse seria o normal relacionamento dos outros com o Redentor, se seu nascimento e vida fossem refulgentes de poder e de glória. Mas Ele veio ao mundo numa gruta em Belém, foi envolto em panos e depositado na manjedoura sobre palha, viveu em Nazaré exercendo a profissão de carpinteiro para auxiliar seu pai. Assim, só mesmo um forte olhar de fé poderia discernir nesse Menino uma Pessoa de Deus. E essas aparências contrárias à sua divindade chegaram a ser tão extremas que Jesus conferiu o título de bem-aventurado a quem não se envergonhasse de segui-lO (Mt 11, 6). Se Ele tivesse manifestado todo o fulgor da infinita distância existente entre a natureza divina de sua Pessoa e a nossa humana, não haveria quase mérito na restituição dos bens que d’Ele recebemos.

É justamente em função das primeiras palavras pronunciadas por Maria em seu cântico de ação de graças, ouvidas com alegria por João Batista no seio materno, que toma brilho a mais alta virtude do Precursor: “A minha alma glorifica o Senhor; e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador porque olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1, 46-48). Essa foi a formação recebida pelo menino-profeta ao longo dos meses durante os quais Maria viveu em casa de Isabel: humildade e servidão. Como teria sido de um valor inestimável se os pontífices e fariseus do Sinédrio houvessem sido educados na mesma escola de João! Certamente não se teriam reunido depois da ressurreição de Lázaro, para decretar a morte de Jesus (Jo 11, 47-53).

III – São João Batista
e a virtude da restituição

São João Batista (Catedral de Barcelona)Aproximemo-nos de João nas margens do rio Jordão e analisemos seu prestígio de pregador. Profeta como igual nunca houve em Israel, fundador e chefe de uma escola, todo o povo o procura. Entretanto, seu renome está condenado a uma lenta morte, sua instituição deverá dissolver-se paulatinamente, sobre a glória de sua obra far-se-á um grande eclipse, pois um valor mais alto se aproxima. Esse era o momento do ressentimento, da ambição ferida e talvez até da inveja. Muito pelo contrário, a reação de João foi de heróica humildade e ilimitada servidão, como encontramos narrado no Evangelho de hoje.

29º No dia seguinte João viu Jesus, que vinha ter com ele …

Assim como Maria foi à sua prima Santa Isabel, é Jesus quem se dirige a João, e agora pela segunda vez. O discípulo amado não nos relata o Batismo de Jesus como o faz Mateus (3, 13-17) e, segundo São João Crisóstomo, Jesus volta a encontrar-se com o Batista para desfazer o equívoco de que, na primeira vez, Ele tivesse ido procurá-lo tal qual o faziam todos, ou seja, para confessar seus pecados ou para obter a purificação dos mesmos pelas águas do Jordão.

… e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, eis O que tira o pecado mundo”.

Assim como hoje nossa fé se robustece em méritos ao contemplar uma Hóstia consagrada e crer na Presença Real de Jesus Eucarístico, também naqueles dias era indispensável, para benefício de todos, o Redentor apresentar-Se sob os véus de nossa natureza. Jesus, desde o nascimento até essa ocasião, era um homem comum e corrente em todas as suas aparências. Tornava-se necessário ir descerrando pouco a pouco esses véus, a fim de introduzir o povo na verdadeira perspectiva debaixo da qual fosse possível prestar-Lhe um culto de latria. Excelente meio escolheu o Salvador: suscitou um varão que havia comovido toda Israel por sua figura constituída de mistério, profetismo e santidade, saído de dentro de uma vida feita de ascese e penitência, o Precursor.

Era chegado o momento de os judeus ouvirem, de lábios dignos da máxima credibilidade, a proclamação da grandeza do Messias ali presente. A preparação dos corações estava concluída, o caminho do Senhor já se encontrava endireitado, a voz ecoara pelo deserto, o Filho de Deus precisava ser conhecido e, para tal, era indispensável muita clareza na comunicação: “Eis o Cordeiro de Deus”.

O conhecimento de Deus é bem diferente do nosso. Vivemos no tempo, e a cronologia é fundamental em nosso processo intelectivo. Para Deus tudo é presente e, ao criar, fez Ele depender uns seres de outros. No pináculo da criação, colocou Cristo como Causa, Modelo, Regente e Guia, e, tendo em vista o pecado e o Redentor, criou o cordeiro para simbolizar este grandioso aspecto de seu Unigênito Encarnado, o de vítima expiatória, numa clara referência ao “cordeiro pascal” (Ex 12, 3-6), ou quiçá, ao duplo sacrifício diário oferecido no Templo (Ex 29, 38), ou como comenta Orígenes: “Porque Ele, tomando sobre si nossas aflições e tirando os pecados de todo mundo, recebeu a morte como batismo” (5).

O cordeiro é um animal pacífico e pacificador. Solto no pasto ou posto na baia, ele tranqüiliza os corcéis fogosos, evitando-lhes ferimentos inúteis.

A afirmação de João é feita no presente do indicativo —“Aquele que tira” — para indicar a perpetuidade do ato redentor.

30º Este é Aquele de quem eu disse: Depois de mim vem um homem que é superior a mim, porque era antes de mim, …

É patente tratar-se aqui de um Homem de corpo e alma. Embora tenha nascido depois do Batista, este último confessa publicamente não só que Jesus lhe é superior, mas também que já existia antes dele. E é real, pois, enquanto Verbo de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Ele é eterno. Assim, neste versículo, o Precursor proclama a Humanidade unida à Divindade, numa só Pessoa. É a revelação do mistério da Encarnação.

31º … e eu não O conhecia, mas vim batizar em água, para Ele ser reconhecido em Israel.

João quis evitar o equívoco da parte do povo, o qual poderia julgar serem suas afirmações sobre Jesus feitas com base no parentesco existente entre ambos. E realmente, o Batista se retirara ao deserto ainda menino e não estivera com Ele antes. Portanto, suas declarações eram fruto de um discernimento essencialmente profético, como também é profética sua missão, pois torna claro o objetivo de seu batismo: o reconhecimento do Messias, da parte do povo.

32º João deu este testemunho: “Vi o Espírito descer do Céu em forma de pomba e repousou sobre ele”.

O mistério da Santíssima Trindade não havia sido revelado até então; entretanto, de dentro da Teologia como é hoje conhecida, torna-se patente a presença das Três Pessoas nessa proclamação de João Batista.

A pomba é inocente por sua natureza e, ao contrário das aves de rapina, não se alimenta de carnes mortas, mas sim de sementes da terra. Gemem quando estão enamoradas. Eis um belo símbolo do Espírito Santo, a Inocência que nos instrui, ilumina e santifica com gemidos inefáveis dentro de nós.

33º Eu não O conhecia, mas O que me mandou batizar em água, disse-me: Aquele sobre quem vires descer e repousar o Espírito, esse é O que batiza no Espírito Santo.

Reafirma São João Batista não ter antes conhecido Jesus. Compreende-se sua insistência a esse respeito, pois os laços familiares eram vigorosos naqueles tempos e havia o risco de interpretarem as palavras do Precursor sob um prisma meramente humano.

Era indispensável fixar a atenção de todos na origem divina de suas proclamações, daí a referência Àquele que o havia mandado batizar.

34º ºEu O vi, e dei testemunho de que Ele é o Filho de Deus.

Sim, Jesus é o Unigênito do Pai. Enquanto os outros todos — inclusive a Santíssima Virgem — somos filhos adotivos, Jesus é gerado e não criado, desde toda a eternidade. João já havia declarado ser o Messias o Cordeiro de Deus, que batizaria no Espírito Santo. Porém, esta é a primeira vez que declara tratar-se especificamente do Filho de Deus.Visita a Santa Isabel (Igreja Notre Dame de Bordeaux)

IV – Conclusão:
Castigo da ambição e da inveja

O castigo de Deus à ambição e à inveja se faz presente não só na eternidade, mas também nesta vida. Quem se deixa arrastar por esses vícios, perde a noção do verdadeiro repouso e passa a viver constantemente na preocupação, na inquietude e na ansiedade. Sempre estará atormentado pelo pavor de ficar à margem, de ser esquecido, igualado ou superado. Sua existência será um inferno antecipado e essas paixões se constituirão em seus próprios carrascos.

Pelo contrário, quanta felicidade, paz e doçura têm as almas que são despretensiosas, reconhecedoras dos bens e das qualidades alheias, restituidoras a Deus dos dons por Ele concedidos.

Entremos na escola de Maria, e d’Ela aprendamos a restituir a Deus nosso ser, nossa família e todos os nossos haveres. Ela nos ensinará a glorificar ao Senhor por ter contemplado o nosso nada e, como resultado, nosso espírito exultará de alegria (Lc 1, 47), a exemplo de seu primeiro discípulo, São João Batista.

1 ) Suma Teológica III, q. 38, a. 1 ad. 2.

2 ) Cf. Adversus Marcionem, IV, 33: PL 2, 471.

3 ) Suma Teológica II-II, q. 36, a. 1.

4 ) Suma Teológica II-II, q. 36, a.1, ad. 2.

5 ) Apud Catena Áurea, in Jo I, 29.

Fonte: Revista Arautos do Evangelho N. 37 Janeiro, 2007. p. 6-11

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