A Catedral do fundo das águas

A Catedral Engloutie

 

Catedral 1      Lembrei‑me de uma velha lenda que, na Bretanha, as crianças ouvem contar:

        Era uma vez uma catedral bonita plantada há muitos anos na beira do mar. Era a jóia da aldeia. O povo gostava dela. E em dia de festa mais bonita ficava, cheia de gente, e os sinos dobrando.

        Mas, um dia; foi o vento? Foi a maré, muito forte? Foram os pecados da gente que irritaram Deus? O certo é que o mar subiu e devorou a catedral. Depois, durante muitos séculos não se ouviu falar mais da “catedral engloutie”.

        Catedral 2Mas, quando era calma a noite, quando não silvava o vento, gemendo no arvoredo, nem uivavam os cães na redondeza, se o barqueiro que singrasse aquelas ondas apurava o ouvido, escutava lá longe, vindo do fundo das águas, o claro som argênteo de sinos tocando.

        Eram os sinos da catedral que dobravam para as suas festas…

        Ora, é um pouco assim com cada alma humana. Quantas vezes esbarramos na vida com um ser abjeto, cheio de defeitos. Pensamos com asco que nada de sadio existe nele.

        Bastaria, entretanto, aguçar o ouvido para escutar, muito distantes talvez, mas sonoros e cristalinos, cantarem os sinos desta “catedral engloutie”.

Catedral 3

        O que é preciso é não desesperar de ninguém. É saber descobrir em cada coração o reflexo de Deus que aí existe, ainda que esteja envolto na lama. É saber dar a este miserável a possibilidade de emergir para a vida. Fazer que cantem os sinos da catedral…

 

Fonte: D.Lucas Moreira Neves, A Semente é a palavra, págs. 13-16, 2ª edição, 1969, Edições Paulinas, São Paulo, SP.