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3º Domingo do Tempo Comum

 

Ao saber que João tinha sido preso, Jesus voltou para a Galileia.

   A prisão do Precursor, determina o fim do regime da Lei e dos profetas e o começo da pregação sobre o Reino dos Céus, conforme veremos na Liturgia deste 3º Domingo do Tempo Comum.

   Como podemos comprovar, pelos Evangelhos, Jesus era conduzido pelo Espírito e, por um sopro d’Ele, Se retira para a Galileia. Não por temer o martírio, mas por não haver ainda chegado sua hora.

   É o próprio Espírito Santo que com sabedoria nos inspira a escolher os tempos e os lugares. Ele é quem nos ensina quando devemos fugir das perseguições ou afrontá-las, em quais momentos temos obrigação de falar ou de calar, de manifestar-nos a todos ou de nos recolher. Se fôssemos inteiramente flexíveis aos sopros da graça do Espírito Santo, maravilhas sairiam de nossas mãos para a glória de Deus e da Santa Igreja, o bem dos outros e a santificação de nossas almas.

   Infelizmente, com raras exceções, a humanidade se move, ao longo da História, muito mais pelo interesse pessoal, pela ambição, pela inveja, pelo amor-próprio, pela vaidade, pelo prazer, em uma palavra, pelo pecado. Quão grande desperdício de dons, virtudes e graças, do qual se prestará contas diante do Juízo de Deus!

Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do Mar da Galileia, a no território de Zabulon e Neftali…

   Como claramente se deduz, foi por motivos ocasionais que Jesus “foi morar em Cafarnaum”. Entretanto, pode-se afirmar, com segurança, que nada se passava na vida do Salvador sem ter grandes razões como causa.

   Um motivo mais sobrenatural levou Jesus a tomar este caminho: “Começa Jesus a evangelizar as regiões por onde tivera início a defecção de Israel. Demonstra com isso sua misericórdia e sabedoria, levando o remédio onde mais grave era o mal, servindo- Se de uma cidade populosa, mas incrédula e preocupada só com os negócios humanos, para que dali se irradiasse a pregação do Reino de Deus. Quis, assim, significar que quem mais necessita de remédio são os enfermos, não os sadios; e que nunca devemos resistir a nenhum apostolado sob pretexto de que o campo não está preparado para receber nosso trabalho”.

…para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: “Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galileia dos pagãos! O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz, e para os que viviam na região escura da morte brilhou uma luz”.

Trata-se de uma belíssima profecia que se cumpre ao estabelecer-Se o Senhor em Cafarnaum. De fato, segundo nos é descrito pelo Segundo Livro dos Reis (cf. 15, 29), Teglat-Falasar, rei dos Assírios, invadiu várias regiões, entre as quais as terras de Zabulon e Neftali. Isto se deu por um castigo de Deus. Foi assim devastada a Galileia e tomada pelos gentios, e daí seu nome “Galileia dos pagãos”.

   Essa era a principal razão de se terem constituído seus habitantes em objeto de desprezo da parte do resto da nação, pois grande era a infiltração de gentios arameus, itureus, fenícios e gregos, que inevitavelmente se mesclavam com os judeus de raça. Ora, torna-se compreensível o quanto se corromperam as doutrinas e os bons costumes religiosos do povo eleito naquelas paragens, devido à forte e diversificada influência pagã, bem como o motivo pelo qual ele “vivia nas trevas” e na “região escura da morte”.

Daí em diante Jesus começou a pregar dizendo: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”.

O Reino está próximo e, para nele penetrar, é preciso fazer penitência, humilhar-se, purificar-se. É a via segura para se obter a paz com Deus e consigo mesmo. Essa foi a condição colocada por Jesus, e, por este motivo, “não começou” — diz o Cardeal Gomá, referindo o pensamento de São João Crisóstomo — “pregando as altas coisas da justiça da Nova Lei, mas as coisas íntimas da retificação da vontade pela penitência.

Quando Jesus andava à beira do Mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam lançando a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus disse a eles: “Segui-Me, e Eu farei de vós pescadores de homens”. Eles imediatamente deixaram as redes e O seguiram. Caminhando um pouco mais, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Estavam na barca com seu pai Zebedeu consertando as redes. Jesus os chamou. Eles imediatamente deixaram a barca e o pai, e O seguiram.

   O padre Luis María Jiménez Font, faz um excelente comentário sobre essa passagem: “Parece que a vocação dos Apóstolos se passou da seguinte maneira: Cristo recebeu espontaneamente os que a Ele se juntaram, procedentes do discipulado do Batista — André e Pedro, João e Tiago —, e no primeiro retorno à Galileia, Filipe e Natanael, aos quais permitiu Jesus retomar suas atividades depois da cura do filho do régulo, acabada a primeira pregação na Judeia, pois o primeiro ministério do Senhor na Galileia, parece que Ele o fez completamente só. Quando já era conhecido na região, decidiu formalizar o ponto da colaboração alheia, e chamou outra vez aqueles que no início O tinham acompanhado por devoção, para que O seguissem de modo definitivo e plenamente dedicado, no dia da pesca milagrosa”.

Jesus andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo tipo de doença e enfermidade do povo.

   Depois de longas décadas no silêncio oculto de Nazaré, vemos agora o Salvador no pleno exercício de sua missão pública, pregando sobre o Reino de Deus, curando os enfermos e expulsando os demônios. Não sabemos dizer quanto durou essa zelosa atividade apostólica, e não seria exagerado supor ter ela se prolongado por vários meses.

   No último ano de sua vida pública, a manifestação será revestida de um esplendor exuberante. Mas, neste período da Galileia, “o Evangelho do Reino” é pregado pelo Filho do Homem a uma opinião pública com insuficiente fé para reconhecer a infinita grandeza do Filho de Deus.

 

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Obra consultada:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol II, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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2º Domingo do Tempo Comum

 I – Um dos mais belos encontros da História

   “O semelhante se alegra com seu semelhante”, diz um antigo provérbio latino. Ora, se grande é o júbilo de duas crianças afins ao se encontrarem pela primeira vez no colégio, qual não terá sido a reação dos dois maiores homens de todos os tempos, ao se contemplarem face a face?

   Assim se realizou um dos mais belos encontros da História, João Batista diante de Jesus; para melhor compreendê-lo, analisemos as analogias entre um e outro.

   Apesar de serem duas pessoas infinitamente distantes entre si pela natureza — João é mero homem, Jesus é a Segunda Pessoa da Trindade Santíssima —, numerosos traços de semelhança os unem.

   Jesus é o Alfa e o Ômega da História. João é o começo do Evangelho e o fim da Antiga Lei.1 Isto o afirma o próprio Nosso Senhor: “Porque os profetas e a Lei tiveram a palavra até João”

   Além do mais, a concepção de ambos, de Jesus e de João, é precedida pelo anúncio do mesmo embaixador, São Gabriel Arcanjo (cf. Lc 1, 11-19.26-35). As mensagens não diferem muito, em seus termos, uma da outra. Os nomes de Jesus e de João foram designados por Deus (cf. Lc 1, 13.31).
No próprio ato de anunciar o nascimento, o mensageiro celeste profetiza também o futuro tanto do Precursor (cf. Lc 1, 14-17) quanto do Messias (cf. Lc 1, 32-33).

   “João andava vestido de pelo de camelo […], e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre”. João atraiu multidões: “E saíam para ir ter com ele toda a Judeia, toda Jerusalém” (Mc 1, 5), “porque todos julgavam ser João deveras um profeta” (Mc 11, 32).

   As repercussões sobre sua figura, palavras e obras ecoaram entre os vales e os montes da Terra Prometida, a ponto de o povo chegar a pensar que “talvez João fosse o Cristo” (Lc 3, 15). Pois bem, fixemos em nossa lembrança essa gloriosa projeção alcançada em vida por São João Batista e abramos um parênteses para considerar a principal de suas virtudes: a da restituição, a qual consiste essencialmente em atribuir a Deus os dons d’Ele recebidos.

II – Inveja e ambição, vícios universais

   A ambição é uma paixão tão universal quanto o é a vida humana. Quase se poderia dizer que ela se instala na alma antes mesmo do uso da razão, sendo discernível com facilidade no modo de a criança agarrar seu brinquedo ou na ânsia de ser protegida.

   O desejo de ser conhecida e estimada é a primeira paixão que macula a inocência batismal. Quantos de nós não nos lançamos nos abismos da ambição, da inveja e da cobiça já nos primeiros anos de nossa infância? Essas provavelmente foram as raízes dos ressentimentos que tenhamos tido a propósito da glória dos outros. Sim, pelo fato de desejarmos a estima de todos, por nos crermos no direito à glória e ao louvor dos nossos circunstantes, constitui para nós uma ofensa o sucesso dos outros. Por isso São Tomás define a inveja como sendo a tristeza sentida porque “o bem do outro é considerado um mal pessoal na medida em que diminui nossa glória e nossa excelência”.

   Há paixões que se mantêm letárgicas até a adolescência, e assim não o é a inveja; ela se manifesta já na infância e acompanha o homem até a hora de sua morte. Quantas vezes não acontece de ser necessário separar-se irmãos, ou irmãs, na tentativa de corrigir essas rivalidades que podem chegar a extremos inimagináveis, tal qual se deu entre os primeiros filhos de Eva, Caim e Abel?

 III – São João Batista e a virtude da restituição

 Aproximemo-nos de João nas margens do rio Jordão e analisemos seu prestígio de pregador. Profeta como igual nunca houve em Israel, fundador e chefe de uma escola, todo o povo o procura. Entretanto, seu renome está condenado a uma lenta morte, sua instituição deverá dissolver-se paulatinamente, sobre a glória de sua obra far-se-á um grande eclipse, pois um valor mais alto se aproxima. Esse era o momento do ressentimento, da ambição ferida e talvez até da inveja. Muito pelo contrário, a reação de João foi de heroica humildade e ilimitada servidão, como encontramos narrado no Evangelho de hoje.

 Naquele tempo: a João viu Jesus aproximar-Se dele…

   Da mesma maneira que Maria foi à sua prima Santa Isabel, é Jesus quem Se dirige a João, e agora pela segunda vez. segundo São João Crisóstomo, Jesus volta a encontrar-Se com o Batista para desfazer o equívoco de que, na primeira vez, Ele tivesse ido procurá-lo tal qual o faziam todos, ou seja, para confessar seus pecados ou para obter a purificação destes pelas águas do Jordão.

…e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”.

   Era chegado o momento de os judeus ouvirem, de lábios dignos da máxima credibilidade, a proclamação da grandeza do Messias ali presente. A preparação dos corações estava concluída, o caminho do Senhor já se encontrava endireitado, a voz ecoara pelo deserto, o Filho de Deus precisava ser conhecido e, para tal, era indispensável muita clareza na comunicação: “Eis o Cordeiro de Deus”.

   O cordeiro é um animal pacífico e pacificador. Solto no pasto ou posto na baia, ele tranquiliza os corcéis fogosos, evitando-lhes ferimentos inúteis. A afirmação de João é feita no presente do indicativo — “que tira” — para indicar a perpetuidade do ato redentor.

“D’Ele é que eu disse: ‘Depois de mim vem um Homem que passou à minha frente, porque existia antes de mim’”.

   É patente tratar-se aqui de um Homem de corpo e alma. Embora tenha nascido depois do Batista, este último confessa publicamente não só que Jesus lhe é superior, mas também que já existia antes dele. E é real, pois, enquanto Verbo de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Ele é eterno. Assim, neste versículo, o Precursor proclama a humanidade unida à divindade, numa só Pessoa. É a revelação do mistério da Encarnação.

“Também eu não O conhecia, mas se eu vim batizar com água, foi para que Ele fosse manifestado a Israel”.

   João quis evitar o equívoco da parte do povo, o qual poderia julgar serem suas afirmações sobre Jesus feitas com base no parentesco existente entre ambos. E, na verdade, o Batista se retirara ao deserto ainda menino e não estivera com Ele antes. Portanto, suas declarações eram fruto de um discernimento fundamentalmente profético, como também é profética sua missão, pois torna claro o objetivo de seu batismo: o reconhecimento do Messias, da parte do povo.

E João deu testemunho, dizendo: “Eu vi o Espírito descer, como uma pomba do Céu, e permanecer sobre Ele”.

   O mistério da Santíssima Trindade não havia sido revelado até então; no entanto, de dentro da teologia como é hoje conhecida, torna-se patente a presença das três Pessoas nessa proclamação de João Batista.

   “Também eu não O conhecia, mas Aquele que me enviou a batizar com água me disse: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o Espírito Santo’”.

   Reafirma São João Batista não ter antes conhecido Jesus.Compreende-se sua insistência a esse respeito, pois os laços familiares eram vigorosos naqueles tempos e havia o risco de interpretarem as palavras do Precursor por um prisma meramente humano. Era indispensável fixar a atenção de todos na origem divina de suas proclamações, daí a referência Àquele que o havia mandado batizar.

“Eu vi e dou testemunho: ‘Este é o Filho de Deus!’”

   Sim, Jesus é o Unigênito do Pai. Enquanto os outros todos — inclusive a Santíssima Virgem — somos filhos adotivos, Jesus é gerado e não criado, desde toda a eternidade. João já havia declarado ser o Messias o Cordeiro de Deus, que batizaria no Espírito Santo. Porém, esta é a primeira vez que declara tratar-se especificamente do Filho de Deus.

IV – Conclusão

   O castigo de Deus à ambição e à inveja se faz presente não só na eternidade, como também nesta vida. Quem se deixa arrastar por esses vícios perde a noção do verdadeiro repouso e passa a viver todo o tempo na preocupação, na inquietude e na ansiedade. Sempre estará atormentado pelo pavor de ficar à margem, de ser esquecido, igualado ou superado. Sua existência será um inferno antecipado e essas paixões se constituirão em seus próprios carrascos.

   Pelo contrário, quanta felicidade, paz e doçura têm as almas que são despretensiosas, reconhecedoras dos bens e das qualidades alheias, restituidoras a Deus dos dons por Ele concedidos.

   Entremos na escola de Maria, e d’Ela aprendamos a restituir a Deus nosso ser, nossa família e todos os nossos haveres. Ela nos ensinará a glorificar ao Senhor por ter contemplado o nosso nada e, como resultado, nosso espírito exultará de alegria (cf. Lc 1, 47), a exemplo de seu primeiro discípulo, São João Batista.

Obra Consultada

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol II, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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Festa do Batismo do Senhor

   A comemoração do Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo encerra com chave de ouro o Tempo do Natal. Grande festa para os católicos, porque é neste Batismo, como veremos, que está incluído o nosso e, portanto, o início da participação de cada um na vida sobrenatural, na vida de Deus. Adão fechou a seus descendentes as portas do Paraíso Celeste, mas Nosso Senhor Jesus Cristo, com a Encarnação, abriu-as outra vez.

Naquele tempo, Jesus veio da Galileia para o rio Jordão, a fim de Se encontrar com João e ser batizado por ele.

   Qual a intenção de Nosso Senhor Jesus Cristo ao escolher o rio Jordão para seu Batismo?

   Tratava-se de um rio emblemático na história de Israel. Quando os judeus saíram da escravidão do Egito e entraram na Terra Prometida, onde viveriam em liberdade, Josué abriu as águas do Jordão para que o povo eleito. o atravessasse. O Jordão representava a linha divisória entre a terra do tormento, e a terra onde corria leite e mel. Assim, o Batismo de Nosso Senhor abre aos chamados a pertencer à Igreja, a possibilidade de deixarem para trás a escravidão do pecado e de serem introduzidos no Reino de Deus.

Mas João protestou, dizendo: “Eu preciso ser batizado por Ti, e Tu vens a mim?”

   São João preparava os caminhos do Senhor na mais completa submissão a Ele. Quando ele O vê aproximar-Se a fim de receber o batismo de penitência de suas mãos, em seguida reconhece n’Ele o Messias.

   Era para sua chegada que o Precursor preparava as pessoas com o batismo, pelo que, sem hesitação alguma, O aponta aos outros: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Aquele era o Redentor, Aquele era Deus, pois existia antes dele (cf. Jo 1, 15), embora fosse seis meses mais velho.

   Nessas circunstâncias, criava-se nele um choque psicológico vocacional: como haveria ele de batizar quem não precisava de Batismo? São os paradoxos com que se depara, não raras vezes, quem é chamado a uma grande missão e se sente inferior a ela.

Jesus, porém, respondeu-lhe: “Por enquanto deixa como está, porque nós devemos cumprir toda a justiça!”

   Se bem que Nosso Senhor não negasse que São João deveria ser batizado por Ele, ainda que não houvesse pecado, deu a razão suprema pela qual desejou o Batismo.

   A divina Justiça exigia uma reparação por nossos pecados. Por isso, tendo Se encarnado, quis Ele, a Inocência, como primogênito do gênero humano, assumir sobre Si os crimes e misérias de toda a humanidade e entrar no Jordão a fim de submergi-los nas águas. Assim, tirava esse pesado fardo de nossas costas e destruía a “maldição que se fundava na transgressão da Lei”.

E João concordou.

   Expressa a suprema vontade do Divino Mestre, João concorda e, fiel à ordem recebida, obedece, ignorando todas as aparências. Não se preocupa com a desproporção entre a estreiteza e simplicidade do rio Jordão e a grandeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele só considera o que a fé lhe mostra: que ali está o Filho de Deus feito Homem

Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água. Então o Céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus, descendo como pomba e vindo pousar sobre Ele.

   O Céu se abriu, significando que o acesso à bem-aventurança, antes fechado à humanidade decaída em virtude do pecado de Adão, fora aberto pelo poder e pela Redenção de Cristo.

   Era apropriado, como afirma São Tomás, que o Céu se tivesse aberto quando o Filho de Deus recebeu o Batismo, para indicar “que o caminho do Céu está aberto para os batizados”.

   Também era conveniente que se visse o Espírito Santo, porque sendo a Redenção obra da Santíssima Trindade, devia tornar-se patente, em certo momento, que as três Pessoas Divinas estavam unidas para conceder o perdão dos pecados e franquear o Céu aos homens.

E do Céu veio uma voz que dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus o meu agrado”.

   Desde toda a eternidade, Deus concebeu a criação com o projeto, por assim dizer, de engendrar filhos para Si. Isso se fez possível com a maravilha sobrenatural da graça – sexto plano da criação -, pela qual as criaturas racionais participam da própria vida de Deus e se tornam seus filhos.

   Ora, o supremo arquétipo desta filiação divina autêntica é Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho por excelência, inimaginável, insuperável, conforme o Pai revela na teofania posterior ao Batismo: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus o meu agrado”.

O Batismo de Jesus, que a Igreja comemora neste dia, abre as portas para a instituição do Batismo sacramental.

   Conforme comenta São Tomás: “Para que algo seja aquecido, deve sê-lo pelo fogo, pois só se obtém a participação em algo através daquilo que tem a mesma natureza; assim também a adoção filial deve ser feita por meio do Filho, que o é por natureza”.

    Se alguém transformasse um pedregulho em colibri, faria um milagre muito menor do que o operado no Batismo. Entre a pedra e o colibri há certa proporção, pois ambos pertencem à natureza material. Mas, tornar uma criatura humana partícipe da natureza divina é um salto infinito, que Nosso Senhor nos concede com o Batismo.

   Neste mundo, quantas vezes as pessoas anseiam por conseguir uma vaga num colégio, num emprego, num clube, ou em outros lugares que as possam prestigiar. Ora, no Céu temos reservada uma vaga eterna, um trono extraordinário, uma coroa de glória, a partir do momento em que as águas batismais nos caem sobre a cabeça, constituindo-nos herdeiros de Deus e garantindo-nos o convívio com Ele na felicidade sem fim.

   E o grande problema de nossos dias é ter sido esquecida esta verdade. Vivemos numa civilização feita de pecado, especialmente a impureza, a revolta contra Deus e o igualitarismo. Nela, a humanidade ignora o que há de principal na existência: o chamado para essa filiação divina.

   Quanto precisaríamos crescer na devoção ao nosso Batismo pessoal, ao Batismo dos outros com quem nos relacionamos! Que veneração deveríamos conservar pela pia batismal onde fomos batizados! Como teríamos de celebrar com fervor o dia do nosso Batismo, considerando-o muito mais importante do que o próprio dia do nascimento, porque nele nascemos para a vida sobrenatural, nascemos para o Céu!

   Eis a maravilha que nos lembra a festa do Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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Solenidade da Epifania

I – A inocência diante do maravilhoso

   No trato com crianças não é difícil constatar o seu senso do maravilhoso. Quando o inocente está em formação e despontam os primeiros lampejos do uso da razão, ele se encanta com tudo quanto vê, acrescentando à realidade algo que ela, de si, não tem. Ou seja, imagina aspectos magníficos e grandiosos por detrás de aparências simples. É isso que constitui a alegria da vida infantil.

É indispensável alimentar a fé com as belezas da criação

   Nos tempos hodiernos, fruto de vários séculos de decadência moral, procura-se arrancar às crianças, o mais cedo possível, o maravilhoso. E com esta perda vai-se embora também a inocência. Aos poucos os jovens são introduzidos num ambiente onde o hábito de admirar já não existe. Às vezes, nos cursos de Religião se nota o empenho dos professores em dizer que nas Sagradas Escrituras muitos episódios não passam de lenda e fantasia, e não aconteceram como estão narrados. Tudo para dissuadir o aluno da ideia do milagre, da intervenção de Deus, do sobrenatural e da relação que há entre o homem, a ordem do universo e Deus.

   Tal sede de maravilhoso, tão viva no mundo dos inocentes, deveria permanecer no horizonte dos adultos e, inclusive, crescer. É preciso continuar crendo na maravilha e alimentar a fé com a contemplação das belezas criadas por Deus, pois até um colibri tentando tirar o seu alimento de uma flor, com elegância e agilidade, nos remete a Deus, a seu poder e formosura.

Consideremos a Epifania com senso do maravilhoso

   É por este prisma que analisaremos a Solenidade da Epifania. Joseph de Maistre dizia: “La raison ne peut que parler, c’est l’amour qui chante!   A inteligência só sabe falar, o amor é que canta”. Acompanhemos, então, a Liturgia deste dia com amor.

Guiados por uma estrela

   Um dos elementos principais é a visão da estrela que levou os Magos a se porem a caminho. De que modo se explica que eles tivessem discernido o simbolismo desse misterioso astro? A estrela avistada pelos Reis Magos, segundo São Tomás, não era um astro como os demais, pois tinha sido criada por Deus para aquela circunstância, não no céu, mas na atmosfera, perto deles, com o objetivo de manifestar a realeza celeste do Menino que nascera em Belém. Pelo fato de aos judeus o Senhor transmitir suas instruções através dos Anjos, foram estes que anunciaram aos pastores o nascimento do Messias. Aos Magos, contudo, acostumados a contemplar o firmamento, Deus comunica a mensagem mediante uma estrela. Presume-se que a distância percorrida pelos Reis, para os padrões atuais, não tenha sido grande. Naquele tempo, porém, a viagem era feita, na melhor das hipóteses, de camelo, com uma comitiva a pé. Era preciso ir a passo, o que tornava o deslocamento lento, não sendo possível percorrer mais de 30 ou 40 km por dia. As estradas eram precárias, sem mencionar os imprevistos, como animais ferozes, assaltantes, condições de hospedagem deficientes… Era uma aventura penosa e arriscada. Não obstante, eles não se preocupam com nada disso e põem-se a caminho em busca do Salvador, o Rei dos judeus. Mas quem os impele, realmente? A ação do Espírito na alma é mais importante que os sinais tanto aos pastores quanto aos Reis, o Espírito Santo falou no fundo da alma, inspirando-lhes a fé no advento do Messias. Com efeito, muitos outros avistaram a estrela, pois ela não fora invisível, e vários conheceram também o relato dos pastores de Belém, na noite de Natal; todavia, nem todos acreditaram, só aqueles que foram favorecidos por moções do Espírito Santo.

Confiamos mais em Deus se tivermos as mãos vazias

   Impelidos por um sopro divino, os Magos chegam a Jerusalém, imaginando talvez que o povo estivesse em festa pelo nascimento do Rei esperado. No entanto, apesar de encontrarem tudo na mais completa normalidade, e, na sua ingenuidade, vão pedir informações sobre o Rei dos judeus ao próprio Herodes. Era o homem a quem nunca deveriam procurar! Este fica perturbado, pensando que ia perder o trono. E o rei idumeu, embora rico e poderoso, não é capaz de se aproximar serenamente do Menino Jesus para Lhe render homenagem, mas quer matá-Lo. Eloquente contraste, útil para a vida espiritual.

   O que mais vale é saber onde está Nosso Senhor Jesus Cristo e adorá-Lo, ou possuir todos os bens da Terra? Muitas vezes Deus faz com que estes nos faltem, porque quando as mãos estão carregadas de riquezas é difícil juntá-las para rezar. Estamos mais aptos a confiar em Deus se temos as mãos vazias. Portanto, não nos perturbemos caso venhamos a passar necessidades. Enfrentar problemas, dramas e aflições é um dom de Deus. Quem não sofre e não experimenta alguma instabilidade deposita a segurança em si mesmo e acaba por voltar as costas ao Criador, o que lhe acarreta o maior dos sofrimentos: ignorar a felicidade de depender de Deus. Nesse sentido, recolhemos uma preciosa lição da simbologia da mirra oferecida pelos Magos, da qual pouco se fala. De sabor amargo característica evocativa do sofrimento, era usada também para embalsamar os cadáveres. Com tal oferecimento se tornava presente, já desde o momento de vir ao mundo e de dar a conhecer sua grandeza divina, a missão redentora do Menino e sua Morte na Cruz. A mirra também é útil para nós, porque recordando nosso destino final, a morte, modera nossa ganância e o desejo de viver para sempre nesta Terra.

 Atrás das aparências, a grandeza de Deus Encarnado

   Atitude diametralmente oposta à de Herodes é a dos Reis Magos, como afirma o Doutor Angélico: “os Magos são as primícias dos pagãos a crerem em Cristo. Neles apareceram, numa espécie de presságio, a fé e a devoção dos pagãos vindos a Cristo de lugares remotos. Ainda para São Tomás, não era conveniente que Nosso Senhor manifestasse toda a sua divindade através dos véus da natureza humana, logo ao nascer. Se imaginemos quando Ele ainda estava no berço viesse um Anjo e erigisse em poucos segundos um palácio no centro de Jerusalém, mais estupendo do que o Templo, uma coorte angélica descesse do Céu para anunciar a chegada do Messias e os judeus vissem uma criança em corpo glorioso, reluzente de esplendor, que papel teria a fé? Perderia sua razão de ser, uma vez que ela recai necessariamente sobre as coisas que não se veem. E em torno deste Menino, então, se juntariam, em seguida, todos os pragmáticos, todos os interesseiros, todos os oportunistas que quereriam fazer carreira à custa de seu prestígio. Porém, acrescenta São Tomás, a Encarnação do Verbo, para ser proveitosa, não podia permanecer oculta à humanidade inteira. Por tal motivo, Nosso Senhor Jesus Cristo quis revelá-la apenas a alguns, aos quais mostrou sua divindade por meio de pequenos sinais acompanhados da graça   suficiente em certos casos, superabundante em outros  , para que uns servissem de testemunho aos demais.

III – A Igreja, estrela que nos guia até Jesus

   A grande fé demonstrada pelos Reis Magos nos lembra a parábola do grão de mostarda. Ele é minúsculo, mas, uma vez plantado, cresce e torna-se um grande arbusto. Ora, esse Menino que vem ao mundo numa Gruta e hoje manifesta sua divindade aos soberanos vindos do Oriente, vai depois morrer no Calvário e de seu lado traspassado pela lança brotará a Santa Igreja. Esta nasce sem nenhum templo, de forma apagada, se desenvolve e, em certo momento, toma conta do Império Romano, até se expandir por todo o mundo. Quantas famílias, povos e nações inteiras ao longo da História se porão a caminho, à semelhança dos Magos, para seguir uma estrela: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Sim! Ela, a distribuidora dos Sacramentos, promotora da santificação e dispensadora de todas as graças, faz o papel de uma estrela a cintilar diante de nossos olhos, através do esplendor de sua Liturgia, da infalibilidade de sua doutrina, da santidade de suas obras, convidando-nos a obedecer à voz do Divino Espírito Santo que fala em nosso interior. Assim, a Igreja promove um novo desabrochar do senso do maravilhoso nos corações de seus filhos, parecendo nos dizer: “Olha como Deus é belo! Ele é o Autor de tudo isso”. Esta estrela é para nós, portanto, a alegria da existência, a segurança e a certeza dos nossos passos, a sustentação do nosso entusiasmo e do amor a Deus. Sobretudo, esta estrela é a garantia de uma eternidade feliz. Quem a ela se abraçar terá conquistado a salvação, quem se separar dela seguirá por outros caminhos e não chegará à Belém eterna, onde está aquele Menino, agora sim, glorioso e refulgente pelos séculos dos séculos.

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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