Domingo da Sagrada Família

   A Santa Igreja reserva o domingo posterior ao Natal para cultuar e festejar a Sagrada Família, convidando-nos a refletir sobre o valor e o verdadeiro sentido da instituição familiar. Ela é a célula-mãe, o fundamento da sociedade, e se hoje assistimos a uma tremenda crise moral na humanidade, isso se deve em certa medida à desagregação da família. Abalada esta, o resto da sociedade não se sustenta.

Depois que os Magos partiram…

   Os Magos, vindos do Oriente, estavam desejosos de encontrar o Salvador prometido e perguntaram a Herodes onde estava o Rei dos judeus recém-nascido.

   O que fez, então, Herodes? Enganou os Magos, fingindo-se uma pessoa piedosa que, como eles, esperava a vinda do Messias, e pediu-lhes que fossem procurar o Menino para, depois, também ir adorá-Lo. Na realidade, seu intuito era aplicar o método mais usual daquela época, o assassinato.

Como transcorressem os dias e os Magos não retornassem a Jerusalém conforme combinado, baseando-se no oráculo de Miqueias sobre o nascimento do Messias em Belém que os príncipes dos sacerdotes lhe tinham dado a conhecer, determinou exterminar todas as crianças dessa cidade e das redondezas, de idade inferior a dois anos.

   Estamos diante de uma situação singular: o Príncipe da Paz, o Esperado das Nações apenas nasce e já suscita contra Si o ódio do demônio, que incute um pânico sem fundamento em Herodes, instigando-o a matá-Lo.

…o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José…

   Por que o Anjo apareceu a São José e não a Maria Santíssima? Pois quem tinha uma relação direta com o Menino Deus era sua Mãe, enquanto São José era tão somente o pai adotivo, e, do ponto de vista sobrenatural, o menor na Sagrada Família. Entretanto, como chefe da casa, a ele cabiam as decisões, e por tal motivo foi o escolhido para receber o aviso angélico.

…e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o Menino para matá-Lo”. José levantou-se de noite, pegou o Menino e sua Mãe…

   As palavras do Anjo são muito precisas. Ele podia ter dito: “Pega o Menino e tua esposa”. Não obstante, como São José não é o pai, “não chama seus nem a mulher nem o Menino”, destacando seu papel de guardião de ambos, missão aceita com humildade pelo Santo Patriarca. Flexível à vontade de Deus, São José com todo o respeito despertou Maria de um sono angélico para empreenderem logo a viagem, pois o texto do Evangelho diz que “levantou-se de noite”.

…e partiu para o Egito.

   São Leão Magno entrevê um belo significado: “ele retornava assim ao antigo berço do povo hebreu, e aí exercia a autoridade do verdadeiro José, usando de um poder e de uma previdência maior que a dele, pois vinha libertar os corações dos egípcios desta fome, mais terrível que toda penúria de que padeciam pela ausência da verdade”.

   De fato, tendo outrora castigado o Egito para libertar Israel das mãos do Faraó, na sua infinita compaixão quis Deus contrabalançar o furor de sua cólera dando a esta nação, durante algum tempo, o dom imenso da presença de Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora e São José para santificá-la e lhe dar uma compensação sobrenatural pelos castigos recebidos no passado.

 

Ali ficou até a morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: “Do Egito chamei o meu Filho”. Quando Herodes morreu…

   Conta-se que o imperador Augusto, horrorizado com tanta crueldade, chegou a comentar que preferiria ser um porco de Herodes a ser seu filho, pois como o tirano não se alimentava deste animal ele estaria tranquilo, enquanto se fosse filho corria o risco de ser executado.

   A enfermidade que o levou à morte provocou-lhe dores atrozes, violentas convulsões e uma terrível gangrena em suas entranhas. Os vermes que o devoravam eram visíveis e o odor exalado insuportável.

  Herodes foi um homem que alcançou tudo quanto seus delírios de cobiça lhe exigiam: poder, honras, riquezas, prazeres. Não teve, porém, o afeto sincero de ninguém, nem mesmo da própria família, que ele submergiu em sangue. Não conheceu a paz interior, nem gozou do favor inestimável das bênçãos do Céu. Seus desregramentos afastaram-no da felicidade e da alegria concedidas a quem segue a Lei de Deus.

…o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe, e volta para a terra de Israel; pois aqueles que procuravam matar o Menino já estão mortos”. José levantou-se, pegou o Menino e sua Mãe, e entrou na terra de Israel.

   A flexibilidade incondicional de São José à inspiração divina, mais uma vez, sobressai. O que representava de esforço e de sacrifício sair de sua terra de origem e ir para um país estrangeiro com língua e costumes diferentes, naquele tempo, é incalculável. Como obter meios de subsistência a fim de manter a Sagrada Família? Nada disso nos diz o Evangelho, mas é fácil conjecturar. Quando eles saíram de Belém, o fizeram às pressas, para se pôr a salvo da perseguição de Herodes, sem tempo de preparar convenientemente tão longa viagem.

   Ao receber a ordem de voltar para Israel, São José poderia alegar a situação que já tinha atingido no Egito, onde fora tão difícil se estabelecer no início, e pedir o adiamento do retorno Mas ele não se queixa nem discute com o Anjo: levanta-se e parte sem delongas para a terra natal. Assim deve ser um superior quando ouve a voz da graça: à imitação de São José, obedecer de imediato com toda segurança.

   Mas, quando soube que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Por isso, depois de receber um aviso em sonho, José retirou-se para a região da Galileia, e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelos profetas: “Ele será chamado Nazareno”.

   Embora Arquelau não conseguisse superar seu pai em crueldade, empenhou-se em seguir-lhe os passos, deixando também um rastro de sangue em seu curto reinado. Por isso José, inspirado em sonho, partiu para a Galileia, lugar sob outra jurisdição. Tais são os caminhos da nossa existência, atravessados por imprevistos que nos mudam os planos: ora Deus pede uma coisa, ora pede outra. Entretanto, em tudo o que acontece Ele nos dirige com sabedoria e afeto paternal.

   A Igreja nos propõe nesta festa litúrgica o inigualável exemplo da Sagrada Família: São José, obediente, de nada se queixa; Nossa Senhora toma os reveses com inteira cordura e submissão; e o Menino Jesus Se deixa conduzir e governar por ambos, sendo Ele o Criador do Universo. Nós também devemos, portanto, ser flexíveis à vontade de Deus e estar dispostos a aceitar com doçura de coração, com resignação plena e total, os sofrimentos que a Providência exigir ao longo de nossa vida.

   Esta atitude diante da cruz é a raiz da verdadeira felicidade, bem-estar e harmonia familiar, e atrai sobre cada um de nós graças especialíssimas que nos restauram as almas, curando-as das misérias e firmando-as rumo ao Céu. Peçamos à Sagrada Família que, por sua intercessão, floresça nas famílias de toda a Terra a sólida determinação de abraçar sempre mais a via da santidade, da perfeição e da virtude, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e de Maria, na certeza de que, em compensação, o resto virá por acréscimo.

Obras Consultadas

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013