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Solenidade de Pentecostes

   Como outras tantas festas litúrgicas, Pentecostes nos faz recordar um dos grandes mistérios da fundação da Igreja por Jesus. Encontrava-se ela em estado ainda quase embrionário — alegoricamente, poder-se-ia compará-la a uma menina de tenra idade — reunida em torno da Mãe de Cristo. Ali no Cenáculo, conforme nos descrevem os Atos dos Apóstolos na primeira leitura (At 2, 1-11), passaram-se fenômenos místicos de excelsa magnitude, acompanhados de manifestações sensíveis de ordem natural: ruído como de um vento impetuoso, línguas de fogo, os discípulos exprimindo-se em línguas diversas sem tê-las antes aprendido.

   Enquanto figura exponencial, destaca-se Maria Santíssima, predestinada desde toda a eternidade a ser Mãe de Deus. Dir-se-ia que havia atingido a plenitude máxima de todas as graças e dons; entretanto, em Pentecostes, mais e mais Lhe seria concedido. Assim como fora eleita para o insuperável dom da maternidade divina, cabia-Lhe agora o tornar-Se Mãe do Corpo Místico de Cristo e, tal qual se deu na Encarnação do Verbo, desceu sobre Ela o Espírito Santo, por meio de uma nova e riquíssima efusão de graças, a fim de adorná-La com virtudes e dons próprios e proclamá-La “Mãe da Igreja”.

   Em seguida estão os Apóstolos; constituem eles a primeira escola de arautos do Evangelho. Observavam as condições essenciais para estarem aptos à alta missão que lhes destinara o Divino Mestre, conforme nos relata a Escritura: “Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, Mãe de Jesus, e os irmãos d’Ele” (At 1, 14).

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-Se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.

   Qual seria o lugar onde estavam reunidos, não se sabe com exatidão. A hipótese mais provável recai sobre o Cenáculo.

   Outro particular interessante. Ele poderia ter preferido saudá-los logo à entrada, no entanto caminhou entre eles e foi colocar-Se bem ao centro. Esse deve ser sempre o posto de Jesus em todas as nossas atividades, preocupações e necessidades.

   Sua saudação também nos chama especialmente a atenção: “A paz esteja convosco”.

   Jesus, desejando-lhes a paz, oferecia-lhes um dos principais frutos desse Amor infinito que é o Espírito Santo.

Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.

   Por esta atitude do Senhor podemos bem avaliar o quanto o pavor havia penetrado na alma de todos, apesar de ouvirem a voz do Divino Mestre desejando-lhes a paz.

   Por isso tornou-se indispensável mostrar-lhes aquelas mãos que tanto haviam curado cegos, surdos, leprosos e inúmeras outras enfermidades, mãos que talvez eles mesmos tivessem, a seu tempo, osculado.

   Outra nota de bondade consiste no fato de Ele ter velado o esplendor de seu Corpo glorioso, caso contrário a natureza humanados Apóstolos não teria suportado o fulgor da majestade do Homem-Deus ressurrecto.

Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio”.

   Jesus Se dirige aos séculos futuros e, portanto, à própria era na qual vivemos. Também a nós Ele nos repete o mesmo desejo de paz formulado aos Apóstolos naquele momento, em especial à nossa civilização que tem suas raízes em Cristo — Rei, Profeta e Sacerdote —, cuja entrada neste mundo fez-se sob o belo cântico dos Anjos: “na Terra paz” (Lc 2, 14). Não foi outro o dom por Ele oferecido antes de morrer na Cruz, ao despedir-se: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz” (Jo 14, 27). Contudo, a humanidade hoje se suicida em guerras, terrorismos e revoluções. E qual a causa? Não queremos aceitar a paz de Cristo.

   A paz deve ser a condição normal e corrente para o bom relacionamento social, sobretudo na célula mater da sociedade, a família. Eis um dos grandes males de nossos dias: a autoridade paterna se autodestruiu, a sujeição amorosa da mãe se evanesceu e a obediência dos filhos foi carcomida pelo capricho, desrespeito e revolta. Essas enfermidades morais, transpostas para a vida da sociedade, redundam em luta civil, de classes e até mesmo entre os povos.

   Após esse segundo voto de paz, Jesus envia seus discípulos à ação, tornando claro o quanto é necessário jamais se deixar tomar pelo afã dos afazeres, perdendo a serenidade. Um dos elementos essenciais para o apostolado bem sucedido é a paz de alma de quem o faz.

E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo”.

   A descida do Espírito Santo sobre Maria e os Apóstolos se deu depois da subida de Jesus ao Céu e talvez daí decorre o fato de alguns negarem a realidade do grande mistério operado por Ele na ocasião, narrada no versículo em análise. Esse erro, mais explícito no começo do século VI, foi solenemente condenado pela Igreja no V Concílio Ecumênico de Constantinopla, em 552: “Se alguém defende o ímpio Teodoro de Mopsuéstia, que diz […] que depois da Ressurreição, quando o Senhor soprou sobre os seus discípulos, dizendo: ‘Recebei o Espírito Santo’ (Jo 20, 22), não lhes deu o Espírito Santo, mas soprou só a modo de figura […], seja anátema”.

   No Evangelho de João essa doação do Espírito Santo tem em vista a faculdade de perdoar os pecados:

“A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes eles lhes serão retidos”.

   Que grande dom concedido aos mortais por meio dos sacerdotes: o perdão dos pecados! E que imensa responsabilidade a de um Ministro de Deus! Dele diz São João Crisóstomo: “Se o sacerdote tiver conduzido bem sua própria vida, mas não tiver cuidado com diligência da dos outros, condenar-se-á com os réprobos”.

   Quanto se fala de paz, hoje em dia, e quanto se vive no extremo oposto dela! O interior dos corações se encontra penetrado de tédio, apreensão, medo, desânimo e frustração, quando não de orgulho, sensualidade e falta de pudor. A instituição da família vai se tornando uma peça de antiquário. A ânsia de obter, não importa por que meio, sem levarem conta o direito alheio, vai caracterizando todas as nações dos últimos tempos. Em síntese, não há paz individual, nem familiar, nem no interior das nações.

   Eis porque nossos olhos devem voltar-se à Rainha da Paz a fim de rogar sua poderosa intercessão para que seu Divino Filho nos envie uma nova Pentecostes e seja, assim, renovada a face da Terra, como melhor solução para o grande caos contemporâneo.

 Obra consultada:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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