E Rodolfo não cobriu a fogueira
05 de Outubro de 2013
27º Domingo do tempo comum
A chuva afinal tinha passado. Todos estavam contentes, depois de uma noite tempestuosa podiam, com calma, comemorar o São João! Mauro, o anfitrião, chamou seu irmão e filho para acenderem a fogueira que estava no centro do terreiro. Passou o tempo e a fogueira não acendia. Depois de muitas tentativas frustradas, Carlos disse ao irmão: “Não é possível acender isso, a lenha está encharcada!”. O espanto tomou conta de Mauro que logo gritou o nome do filho, Rodolfo. “A lenha toda esta molhada. Você a cobriu ontem como mandei?” perguntou o pai.
De fato, com a chuva da véspera, ele ordenara ao jovem que cobrisse a fogueira mas… Rodolfo respondeu: “Papai, eu esqueci”.
A Teologia nos ensina que a fé é um hábito do entendimento. É a Palavra quem aperfeiçoa o entendimento, mas para este penetrar na palavra necessita das boas disposições do homem que a recebe. Se as disposições vão melhorando, a palavra já recebida cresce por si só. Mas para melhorar as disposiçóes é preciso aumentar a caridade. A caridade aumenta a medida em que matamos o amor próprio e nos inflamamos do amor de Deus. Nosso amor próprio é como a água na lenha de um fogueira. Assim como a água impede que o fogo queime a lenha, nosso amor próprio não permite que o Amor de Deus arda em nós. E sobre o amor próprio a grande Santa Teresa que nos ensina: “Não está em nós o poder de colocar ou tirar Deus de nossa alma, mas sim o poder de colocar ou tirar a nós mesmos. Quando tiramos a nós mesmos, colocamos a Deus”.
São João da Cruz diz que “ela [a FÉ] serve de pé para irmos a Deus”. A virtude da fé está no centro do Evangelho deste domingo. Através da Palavra, Cristo quer incendiar nossas almas; basta que a lenha não esteja molhada.
Em sua obra “O inédito sobres os Evangelhos”, Mons. João Clá Dias nos apresente uma importante meditação e um exame de consciência para este 27º Domingo do Tempo Comum.
Nosso Senhor já os advertira, em ocasiões anteriores, a respeito do risco do amor desordenado às riquezas — conforme já consideramos, ao comentar a parábola do administrador infiel (cf. Lc 16, 1-13) e a do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31), no Evangelho do 25º e 26º Domingos do Tempo Comum —, consequência de uma fé apequenada. Os discípulos foram, pois, compreendendo a necessidade dessa fundamental virtude, sem a qual seria impossível perseverar até o fim de sua missão.
Naquele tempo, os Apóstolos disseram ao Senhor: “Aumenta a nossa fé!”
Mas era preciso pedir esse aumento de fé, se já a possuíam no seu interior? Todavia, o pedido dos Apóstolos tinha fundamento. A virtude infusa da fé é passível de acréscimo ou de diminuição, e tanto pode se fortalecer como enlanguescer-se. Segundo explica ainda São Tomás,11 ela cresce ou diminui de forma proporcional ao número de verdades conhecidas. Por esse motivo, além dos atos de piedade e devoção praticados — os quais também tornam a fé mais robusta —, fortalecerá essa virtude quem estudar a Doutrina Católica, ampliando o quadro de verdades conhecidas pela própria inteligência.
As dificuldades do dia a dia nos fazem chegar a uma conclusão: é indispensável suplicar com fervor o auxílio divino. Agiram, então, muito bem os Apóstolos ao pedir o aumento de sua fé, a qual, segundo podemos julgar pela resposta de Nosso Senhor, era bem frágil…
O Senhor respondeu: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria”.
Sua resposta reveste-se de certa dureza. De fato, a fé de seus escolhidos era ainda menor que o minúsculo grão de mostarda, quase do tamanho de uma partícula de açúcar. Ora, bastava uma fé de diminuta dimensão para mandar uma árvore sólida como a amoreira jogar-se ao mar. Afirmação surpreendente!
A fé é, de fato, capaz de mover montanhas, pois por detrás dela está o poder de Deus, e quando alguém se une à força divina pela robustez de tão valiosa virtude, torna-se forte quanto é forte o próprio Deus.
Nosso Senhor contrapõe o conceito errado do mundo a respeito do relacionamento do homem com Deus.
“Se algum de vós tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por acaso vai dizer-lhe, quando ele volta do campo: ‘Vem depressa para a mesa?’ Pelo contrário, não vai dizer ao empregado: ‘Prepara-me o jantar, cinge-te e serve-me, enquanto eu como e bebo; depois disso tu poderás comer e beber?’ Será que vai agradecer ao empregado, porque fez o que lhe havia mandado? Assim também vós: quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’”.
O Divino Mestre tem diante de si ouvintes com acentuado senso hierárquico, portanto, sem os igualitarismos dos dias hodiernos, e para quem todas as funções sociais eram muito bem definidas. Por essa razão pôde fazer uso, nesta parábola, da figura do servo.
Esta cena, narrada por Cristo com sabedoria infinita, ilustra qual deve ser nosso relacionamento com Deus. Quando conseguimos cumprir inteiramente os Mandamentos ou nossas próprias obrigações, devemos reconhecer não ter sido por esforço próprio, nem como fruto de qualidades ou capacidades pessoais, mas, sim, da graça. Antes mesmo de termos realizado algum ato bom, Nosso Senhor já nos pagou com antecipação, concedendo-nos sua ajuda. Por isso, mesmo tendo feito o bem, não temos o direito, por nós mesmos, de merecimento algum.
O homem deve, pois, considerar-se um ser contingente, dependente dos outros e consciente de que, em relação a Deus, essa dependência deverá ser absoluta. Se existimos, é porque em primeiro lugar Ele existe e, em sua infinita bondade, tirou-nos do nada, sem nosso consentimento, para dar-nos uma alma na qual pudesse ser introduzida a vida da graça.
Uma só criatura soube ter fé ardente e compreender a contingência de modo perfeito, em sua plenitude, tendo sido objeto de um dom insuperável da parte de Deus, [Maria Santíssima]. “Porque olhou para a humilhação de sua escrava” (Lc 1, 48). Somente Ela teve uma noção clara e sublime de seu nada e de sua dependência completa do Altíssimo.
Obras Consultadas:
DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelho, Libreria Editrice Vaticana
Città del Vaticano, 2012, pag 389-400
ORIA, Mons. Angel Herrera, VERBUM VITAE – La Palavra de Cristo, BAC, Madrid, 1954, pag 77
PHILIPON, M. Michel, Doutrina espiritual de Elisabete da Trindade, Paulus, 1988, pag 93
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