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Festa da Dedicação da Basílica de São João de Latrão – II

Parte 2

A polêmica marca o início da vida pública de Jesus

Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém.

   A magnífica cena da expulsão dos vendilhões do Templo, descrita por São João, ocorreu durante a primeira Páscoa da vida pública de Nosso Senhor Jesus Cristo.

   Cumpre ressaltar que, segundo consta nos outros Evangelhos, Jesus tomou semelhante atitude nesse recinto sagrado ao menos duas vezes. Uma foi no início de sua pregação, narrada neste trecho, e outra alguns dias antes da paixão. Em ambas as situações encontramos Nosso Senhor manifestando um aspecto de sua divina personalidade que desconheceríamos se não fosse a circunstância referida pelo texto sagrado: a cólera do próprio Deus, a indignação do Onipotente, vista através dos véus da natureza humana.

No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados.


   Por ocasião da Páscoa, reuniam-se em Jerusalém judeus vindos de toda a parte para cumprir o preceito de visitar o Templo. A Lei prescrevia o oferecimento de vítimas em holocausto — bois, cordeiros, pombos e rolas —, mas, como é compreensível, quase ninguém trazia de longe os animais para esse fim. Os peregrinos também deviam pagar o imposto anual do Templo em moeda judaica. Como na época havia israelitas dispersos por inúmeras nações, cada qual com a moeda própria, ao chegarem de viagem eram obrigados a procurar negociantes que efetuassem o câmbio.6 As moedas estrangeiras, sobretudo a romana, circulavam livremente pela Judeia.

   As necessidades do culto acima descritas deram margem ao estabelecimento de um verdadeiro comércio de animais e de uma praça de cambistas no átrio do Templo, chamado Pátio dos Gentios, onde o acesso aos estrangeiros ainda era permitido. Ali a movimentação se assemelhava à de um mercado ou de uma feira cheia de vida dos dias de hoje, acrescida de manifestações do temperamento oriental, muito comunicativo e afeito a cânticos e discussões. A soma de todos esses elementos resultava num tumulto inadmissível naquele recinto incomparavelmente sagrado, a ponto de a simples lembrança desses fatos nos dar a impressão de um Templo profanado.  

Mãos que abençoam também castigam

Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas.

   Como devemos entender o fato de Jesus, a substância da própria Bondade, dar vazão ali à sua divina cólera?

  Aquelas mãos feitas para abençoar, em determinado momento decidem dar uma bênção especial, com um hissope peculiar: um látego. Jesus, conhecedor de todos os segredos da natureza, terá escolhido fibras adequadas para tecer esse instrumento com maestria única. Não imaginemos que Ele acariciasse com suavidade e doçura as costas dos que lá se encontravam. Pelo contrário, usa de violência pondo-os para fora e derrubando as mesas dos cambistas, de maneira a fazer rolar as moedas pelo chão. Segundo se calcula, eram nada menos que duas mil pessoas transitando nessa área, e Cristo as expulsou sozinho, valendo-Se apenas de um chicote. Isso nos ajuda a medir não apenas a intensidade da cólera e a força de seu braço, mas, sobretudo, o ímpeto vindo do fundo de sua Alma, inteiramente aliado à ira divina.

E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!”

   De fato, essa situação criada com o passar dos anos proporcionava renda ilícita não só aos vendedores e cambistas, mas em primeiro lugar aos membros do Sinédrio, de maneira particular à família sacerdotal de Anás. Haviam eles instituído um sistema de controle desse comércio e um monopólio sobre todos os trâmites ali efetuados. Livres de qualquer concorrência, aproveitavam-se das exigências legais para impor valores inflados, configurar roubos e extorquir do povo as mais variadas quantias

A verdadeira origem da indignação do Divino Mestre

Seus discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz: “O zelo por tua casa me consumirá”.

   Em nossos dias, muitos manifestam dificuldade em compreender a conduta do Salvador nesse episódio, por não vislumbrarem ali os efeitos de sua misericórdia. Lembremo-nos de que Jesus assim procedeu para benefício das almas, com enorme empenho em perdoar, corrigir e conceder a salvação. É com o intuito de favorecer todos, movido pelo mesmo zelo que manifesta pela casa de seu Pai, que vê maculada por um tumulto comercial e por interesses alheios à Religião.

Então os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agir assim?”

   Se realmente esperavam um sinal, deveriam reconhecer que o fato de um só homem afugentar milhares de pessoas era a demonstração claríssima de estar agindo por força sobre-humana. Numa época em que não existiam as armas de fogo, Ele nem sequer Se serviu da espada ou da lança, mas teceu um chicote de cordas, de si insuficiente para amedrontar todos os presentes. Em tese, bastaria dominar o seu braço para impedi-Lo de continuar e a vitória dos negociantes estaria assegurada. Eles poderiam tê-Lo prendido, interrogado e levado à morte no mesmo dia.

   É evidente que não o tentaram fazer porque estavam tomados de pavor. Na verdade, ninguém teve coragem de se levantar contra Ele! Que outro sinal buscavam? Essa falta de reação dos maus, paralisados pelo temor imposto por Nosso Senhor, era demonstração de um tão extraordinário poder, que bem poderia afirmar Jesus: “O sinal que vós quereis é o medo que tendes de Mim!”. Todavia, Ele vai atendê-los, concedendo por misericórdia aquilo que pedem. 

Um Templo superior ao Templo

Ele respondeu: “Destruí este Templo, e em três dias o levantarei”. Os judeus disseram: “Quarenta e seis anos foram precisos para a construção deste Santuário e Tu o levantarás em três dias?”. 21 Mas Jesus estava falando do Templo do seu Corpo. Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que  Ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra d’Ele.

   A partir do momento em que Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Se encarna e assume a nossa natureza, seu Corpo passa a ser o Templo perfeitíssimo de Deus — não apenas do Filho, mas também do Pai e do Espírito Santo — estabelecido na face da Terra como pedra angular, peça principal e Cabeça da Santa Igreja. Esse Templo, encontramo-Lo ainda hoje de forma invisível, mas real, na Eucaristia. E Deus deseja que se construam templos para abrigar o Templo verdadeiro da Santíssima Trindade, o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, oculto sob as Sagradas Espécies.

III – Nós também somos templos de Deus

Nosso templo deve ser sempre embelezado

   Na medida em que somos íntegros, enriquecemos e aprimoramos nosso templo com vitrais, pinturas, símbolos, cores e belos mármores, e conforme crescemos em piedade eucarística, entregamo-nos a Nosso Senhor, fugimos do pecado e combatemos os nossos defeitos e caprichos, mais as suas paredes se tornam abençoadas e somos penetrados pela presença da Santíssima Trindade, que passa a falar com mais frequência no interior da alma.

Não permitamos a profanação desse templo

   Não permitamos de maneira alguma o estabelecimento de um comércio ilegítimo em nossa alma, pior que o câmbio de moedas ou a venda de animais: a admiração pelas coisas do mundo que nos distanciam de Deus. Em quantas ocasiões da vida, especialmente neste tempo em que o pecado campeia por toda a Terra, corremos o risco de transformar nosso templo num “covil de ladrões”! Tomemos muito cuidado nessas circunstâncias para não trocarmos a “moeda” da eternidade pela do mundo.

Senhor, purificai este templo!

   Se em alguma ocasião nosso templo foi profanado, hoje é o dia de pedir: “Senhor, vinde com vosso chicote e expulsai os vendilhões que estão dentro de mim!”. Este é o dia da expulsão dos vendilhões do templo de nossa alma, caso tenhamos permitido que nela se fizesse comércio, transformando-a num “covil de ladrões”. Aproveitemos esta festa para assimilar com ardor o ideal de integridade e sermos verdadeiramente honestos, abandonando qualquer má inclinação que possa macular, ainda que seja num ponto mínimo, o vitral de nosso templo. Façamos desde já o propósito de tratar nosso corpo com todo respeito e veneração, e de nunca usá-lo para ofender a Deus. É preferível morrer que pecar, pois ao manter-se livre de qualquer comércio, o templo de cada um ressuscitará com a glória extraordinária que lhe é prometida  por Aquele que recebeu do Pai o poder de fazer justiça.

Fontes consultadas:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol VII, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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Festa da Dedicação da Basílica de São João de Latrão – I

Parte 1

I – A cabeça e mãe de todas as igrejas

   A Igreja celebra com esplendor a festa da Dedicação da Basílica de São João de Latrão, que ostenta o título honorífico de “Omnium urbis et orbis ecclesiarum mater et caput”, ou seja, “Mãe e cabeça de todas as igrejas da cidade [de Roma] e do mundo”. É ela a Catedral do Papa, ao contrário do que se costuma pensar devido ao papel hoje desempenhado pela Basílica de São Pedro, a qual, na verdade, é apenas uma das quatro basílicas papais da Cidade Eterna.

   Até o exílio dos Papas em Avignon, no século XIV, viviam eles no Palácio de Latrão, antiga propriedade da família Laterano, nome pelo qual ficou conhecido. O cônsul romano Pláucio Laterano, por suspeita de conspiração, foi morto pelo infame Nero que lhe confiscou os bens, dentre os quais esse edifício, na mesma época em que movia a perseguição aos cristãos.1 Não imaginava o tirano que, anos mais tarde, tudo aquilo seria doado à Igreja pelo Imperador Constantino, e tornar-se-ia residência dos sucessores de Pedro e primeira Basílica da Cristandade. O Papa São Silvestre dedicou-a no ano 324.

   Nesta Basílica encontramos não só vestígios de variados estilos artísticos, graças às obras de embelezamento e ampliação realizadas ao longo dos séculos, mas também numerosas e valiosíssimas relíquias. Dentre as principais contam-se a mesa onde foi celebrada a Santa Ceia (cf. Mt 26, 20-28; Mc 14, 18-24; Lc 22, 14-17), parte do tecido purpúreo com que os soldados revestiram o Divino Redentor na Paixão (cf. Mc 15, 17; Jo 19, 2), as cabeças de São Pedro e de São Paulo, e a taça na qual São João Evangelista, segundo uma antiga tradição, foi obrigado a tomar um veneno que, por milagre, não lhe fez mal. 

Nascida sob o signo da perseguição

   Para melhor compreendermos a importância desta data, lembremo-nos de que a Santa Igreja Católica nasceu sob o signo  da perseguição, em circunstâncias por vezes tão violentas que obrigavam os primeiros cristãos a se refugiar nas catacumbas — os cemitérios cristãos — para praticar o culto. Era costume na Roma Antiga escavar extensas galerias subterrâneas, verdadeiros labirintos, nas quais sepultavam os mortos. Transitar por elas era perigoso, pois quem o fizesse podia se perder com facilidade, sem ter como retornar. Nas épocas de perseguição, os irmãos que nos precederam com o sinal da Fé precisavam embrenhar-se nessas profundezas — naquele tempo sem dispor de luz elétrica —, com grande risco de serem denunciados, presos e supliciados. No Coliseu e no Circo Máximo grande número de cristãos manifestaram sua adesão à Fé com a própria vida, ao serem mortos pelas feras na arena diante do público ou em meio a terríveis tormentos.  

   A liberdade de culto outorgada por Constantino com a promulgação do Edito de Milão, em 313, por influência de sua mãe Santa Helena, e o consequente pulular de incontáveis igrejas por todo o império — dentre as quais a Basílica de Latrão ocupa um posto proeminente — representaram para os fiéis indescritível alívio e alegria.

   Expressivo é o testemunho de Eusébio de Cesareia ao retratar o exultar do povo cristão com o advento dessa nova era da História da Igreja: “um dia esplendoroso e radiante, sem nuvem alguma que lhe fizesse sombra, ia iluminando com seus raios de luz celestial as igrejas de Cristo pelo universo inteiro, […] transbordávamos de indizível gozo, e para todos florescia uma alegria divina em todos os lugares que pouco antes se encontravam em ruínas pela impiedade dos tiranos, como se revivessem, depois de uma longa e mortífera devastação. E os templos surgiam de novo desde os fundamentos até uma altura imprevista, e recebiam uma beleza muito superior à dos que anteriormente haviam sido destruídos”

   Por isso a festa da Dedicação da Basílica do Latrão foi instituída em Roma, expandindo-se mais tarde, e hoje consideramos com júbilo esse templo grandioso, que até nossos dias impressiona por seu esplendor.

 

Fontes consultadas:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol VII, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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5º Domingo da Páscoa

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em Mim também”.

   Na opinião de todos os autores gregos, esta frase foi dita por Cristo para os Apóstolos não se assustarem demais ao ouvir a previsão a respeito de Pedro (o qual O negaria) e pensarem que eles também, contra a sua vontade, iriam traí-Lo, uma vez que o chefe e mais valente de todos haveria de cair. Daí, também, concluírem alguns desses autores constituir esse conselho de Cristo uma prova de sua divindade, por demonstrar conhecer o pensamento de seus discípulos.

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, Eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós, e quando Eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde Eu estiver estejais também vós. E para onde Eu vou, vós conheceis o caminho”.

   As verdades contidas nesses versículos são transmitidas a fim de incutir nos discípulos a confiança de que eles não estavam excluídos de seu Reino, se bem não pudessem segui-Lo naquele momento. “Ele os consola, garantindo-lhes que não ficam excluídos,mesmo se de momento não O sigam. A seu tempo farão isso, e não lhes faltará lugar ali, porque ‘na casa de seu Pai’, isto é, em seu Reino, ‘há muitas moradas’ e a cada um está reservada a  sua, sem perigo de que outro a ocupe”.

Tomé disse a Jesus: “Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?”

   Segundo São João Crisóstomo, Tomé pergunta com todo respeito, movido pelo desejo de dar oportunidade a Jesus para ser mais explícito. Maldonado é propenso a ver nessa atitude de Tomé “uma tácita queixa e uma amorosa repreensão por nunca lhes ter querido dizer abertamente para onde ia”.

   Retornando à análise da atitude dos discípulos face à afirmação de Jesus, ouçamos o que nos diz o padre Manuel de Tuya sobre essa passagem: “Os Apóstolos aparecem com uma grande rusticidade, não compreendendo,como em outras ocasiões, os ensinamentos de Cristo. Anunciando-lhes que vai ao Pai, ao Céu, deviam eles compreender o que já lhes havia dito, de outras formas, tantas vezes: que precisavam aceitar sua ‘mensagem’”.

Jesus respondeu: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim”.

   Maldonado procura mostrar quão difícil é entender a razão pela qual Jesus acrescenta a “Verdade” e a “Vida” ao “Caminho”.Quanto a este último, mostra-nos como Cristo é para nós  “Caminho” por sua doutrina, pela necessária fé que n’Ele devemos ter para chegar à vida eterna, idem com respeito à imitação d’Ele, que nos é obrigatória, e por fim, por nos ter Ele — pelos seus méritos — reaberto as portas que nos estavam fechadas. Ninguém pode ir ao Pai senão por seu intermédio. Por isso, comenta-nos Santo Hilário: “Não pode conduzir-nos por lugares extraviados Aquele que é o Caminho, nem enganar- -nos com falsas aparências Aquele que é a Verdade, nem abandonar-nos no erro da morte Aquele que é a Vida”.

“Se vós Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. E desde agora O conheceis e O vistes”. Disse Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não Me conheces, Filipe? Quem Me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes: ‘Mostra-nos o Pai?’ Não acreditas que Eu estou no Pai e que o Pai está em Mim? As palavras que vos digo, não as digo por Mim mesmo, mas é o Pai, que, permanecendo em Mim, realiza as suas obras”.

   Filipe possuía um temperamento e uma psicologia bem diferentes dos de Tomé. Este era bem positivo e desconfiado. O outro demonstrava ingenuidade com sua pergunta: “A pergunta de Filipe deixa ver, uma vez mais, a rudeza e a incompreensão dos Apóstolos antes da grande iluminação  de Pentecostes”.Passam-nos muitas vezes pela alma ingênuas curiosidades análogas às de Filipe; gostaríamos e ver, compreender e realizar certas verdades de nossa Fé. Não é neste mundo que se dará a visão clara desejada por nós. Devemos nos contentar com as luzes envoltas em penumbras oferecidas pela nossa crença.

“Acreditai-Me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. Acreditai, ao menos, por causa destas mesmas obras. Em verdade, em verdade vos digo: quem acredita em Mim fará as obras que Eu faço, e fará ainda maiores do que estas. Pois Eu vou para o Pai”.

   Dirá mais tarde Tiago, em sua Epístola, que a fé sem as obras é morta (cf. Tg 2, 17). Aqui, o Salvador afirma o quanto essa fé por Ele exigida será profícua em realizaçõesdivinas. Essa virtude cria um liame divino. O próprio São Paulo afirmará: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20); e ainda: “Tudo posso n’Aquele que me conforta” (Fl 4, 13). Indo para o Pai a fim de ser glorificado em sua humanidade triunfante, estenderá aos discípulos que n’Ele creem o poder de fazer milagres que recebeu do próprio Pai. Se os mistérios nos são difíceis de alcançar, as obras falam por si e  nos facilitam a crença.

   Que esse dom concedido pelo Salvador aos seus fiéis servidores não os envaideça, como adverte Santo Agostinho: “Não se eleve o servo acima do Senhor, nem o discípulo acima do Mestre. Diz que os discípulos hão de fazer maiores obras do que Ele, mas entende-se que é Ele quem opera nos discípulos ou por meio dos discípulos, e não os discípulos por si mesmos. A Ele se dirige o louvor: ‘Ó Senhor, que és minha fortaleza, Te amarei’. Quais são essas obras maiores? Seria porque, à passagem deles,a sua sombra curava os doentes? Era de fato obra mais admirável curar um doente com a sombra do que com a orla do vestido. Isto o fez por Si mesmo; aquilo, por meio dos discípulos. Mas ambas as coisas as fez Ele”.

 Obra consultada:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

 

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4º Domingo da Páscoa – Domingo do Bom Pastor

   Devemos compreender a presente parábola dentro do quadro político-social e econômico de Israel na época de Nosso Senhor, o que corresponde a uma realidade bem diferente da civilização industrial e globalizada em que vivemos. O pastoreio ― do qual poucos terão uma noção exata em nossos dias ― constituiu uma das principais atividades do povo eleito no Antigo Testamento, tendo penetrado profundamente na psicologia, na cultura e nos costumes judaicos. Por conseguinte, as imagens tiradas do cotidiano pastoril eram muito acessíveis aos ouvintes do Divino Mestre. Ele as empregou para referir-Se a algo tão elevado que é impossível de ser traduzido a não ser por símbolos: Deus feito Homem cuida com toda a perfeição de cada um de nós, como de uma ovelha muito querida. Nosso Senhor Jesus Cristo Se sente representado por um Pastor ideal, zeloso e dedicado. Em consequência, a figura heroica do pastor adquiriu um cunho sagrado e, com o  tempo, passou a adornar paredes de catacumbas, objetos litúrgicos, túmulos, monumentos sacros, entre outros, como designação corrente d’Aquele que veio ao mundo para salvar suas ovelhas.

Naquele tempo, disse Jesus:  “Em verdade, em verdade vos digo, quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante”.

   Muitas vezes os pastores tinham de arriscar a própria vida para defender as ovelhas, pois, além de não existirem armas eficazes como as atuais, em geral eles eram pessoas pobres, dispondo apenas de um cajado para enfrentar os lobos e os ladrões.

   Tão frequentes eram os assaltos aos rebanhos, que os pastores costumavam se congregar para terem maior segurança e, à noite, recolhiam todas as ovelhas num grande redil. Um deles ficava de vigília, à entrada, e se revezavam ao longo das horas. Esta era a única passagem para entrar e sair do aprisco, sendo usada tanto pelos animais quanto pelos donos.

   Os ladrões, entretanto, nunca transpunham a porta para realizar seus intentos, mas faziam um rombo na cerca, por onde penetravam e levavam as ovelhas.

“Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A esse o porteiro abre, e as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora.  E, depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz.  Mas não seguem um estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”. 

   A situação descrita por Nosso Senhor nestes versículos ocorria a cada manhã, quando o pastor ia buscar os animais no redil. A tal ponto se criava uma como que intimidade entre o pastor e suas ovelhas, que estas adquiriam certo instinto pelo qual o reconheciam com precisão e, saindo do meio das outras, se colocavam diante dele, que as conduzia para fora. Reunido todo o rebanho, iniciava-se a marcha rumo aos campos, com o pastor sempre à frente, para fazer face aos que pretendessem assaltá-lo.

Jesus contou-lhes esta parábola, mas eles não entenderam o que Ele queria dizer.

   Quem ouvia esta pregação de Nosso Senhor? Os fariseus, que não queriam admitir o recente milagre da cura de um cego de nascença (cf. Jo 9, 1-41). Contudo, para entendê-la era preciso ter fé e o coração aberto à ação do Espírito Santo, o que faltava aos fariseus. Como eram “guias espirituais de Israel, não podiam suspeitar que eles mesmos fossem ‘assaltantes’ espirituais do rebanho”.

Então Jesus continuou: “Em verdade, em verdade vos digo, Eu sou a Porta das ovelhas”.

   Embora a figura do pastor seja a mais conhecida desta parábola, Jesus primeiro Se apresenta como Porta do redil. Com o pecado original o Céu se fechou para toda a humanidade e ninguém entraria jamais nele se não nos tivesse sido outra vezaberto por Nosso Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro imolado, o Bom Pastor e a Porta do redil, nossa Páscoa, ou seja, passagem deste mundo para a bem-aventurança. Só aqueles que O aceitarem habitarão nessa sublime morada, porque Ele é o caminho seguro para atingir a perfeição. Sem Ele não há santidade, sem Ele não há salvação. 

“Todos aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram”.

   É possível que também nós nos deparemos com quem se diga pastor, mas na realidade não o seja. São mercenários gananciosos, que vivem à busca de dinheiro, mais preocupados com sua subsistência e com o acúmulo de riqueza do que com o bem das almas. Cabe- nos rezar para estarmos concernidos no exemplo das ovelhas que são dóceis à voz do pastor e não escutam os bandidos. Permaneçamos sempre atentos para saber o que a graça quer de nós, procuremos afastar-nos dos perigos e nunca nos desgarremos da grei de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Eu sou a Porta. Quem entrar por Mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem”.

   Em sentido contrário ao apontado no versículo anterior, o Divino Mestre Se apresenta como a Porta que dá acesso à pastagem, porque é Ele quem nos leva a robustecer o senso do ser, o senso moral que o pecado enfraquece.

“O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.

   Ainda em linguagem parabólica, Ele indica o pecado daqueles que desviam os outros da Religião verdadeira: matam as almas, afastando-as de Nosso Senhor, que é a vida. E a missão d’Ele, ao contrário, é dar aos homens essa vida, Ele a introduz em nossa alma no Batismo e a confirma quando recebemos a Crisma.

   Se Deus põe à nossa disposição essa vida com tal generosidade, basta pedir que Ele no-la dará. Ele possui tudo o que nós precisamos! Não podemos ter horizontes estreitos, ser medíocres na oração, mas devemos ser pessoas de grandes desejos, que imploram coisas ousadas na linha da perfeição. E como todos somos chamados à santidade, se rezarmos com decisão e energia, por meio da Santíssima Virgem, é certo que Ele nos atenderá.

   É possível que nosso exame de consciência nos acuse de alguma vez termos aderido aos ladrões. Lembremo-nos, então, de que Jesus ama tanto as suas ovelhas que Ele deseja dar-lhes a vida, apesar de miseráveis

   A principal lição a ser guardada deste 4º Domingo da Páscoa é que Jesus tem por nós um carinho que suplanta todos os afetos existentes na face da Terra. Ele é tão supremamente nosso Pastor que escolheu sofrer os tormentos do Calvário para nos salvar. Sinal de que nos ama até um limite inimaginável! Por isso, tenhamos total confiança n’Ele ao nos aproximarmos da Confissão, certos de que Ele perdoará nossos pecados, se estivermos arrependidos. Mas, sobretudo, saibamos buscá-Lo na Eucaristia, onde Ele Se oferece em Corpo, Sangue, Alma e Divindade e nos prepara para recebermos a vida em plenitude. Isto se dará quando passarmos pela Porta do redil e adentrarmos no Céu, onde veremos a Deus face a face. Ali estaremos na alegria do Pai, do Filho e do Espírito Santo, numa gloriosa participação nessa família, que é a Santíssima Trindade, junto com Nossa Senhora, os Anjos e os Bem-aventurados.

Obra consultada:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

 

 

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