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Saudade: doce e amargo prazer

23 de Setembro de 2013

Quantas vezes durante nossa existência somos tomados por um sentimento difícil de explicar e fácil de se sentir. Quem nunca passou por alguma circunstância por onde algo diferente lhe assaltou o coração ao sentir um vazio em seu interior?

Saudade… Palavra simples e pequena capaz de abrandar os espíritos mais rígidos, como a cera em contato com o fogo. Palavra que não se encontra em nenhuma outra língua a não ser na de Camões. Palavra cujo inteiro significado não se encontra em nenhum dicionário. Vejamos, por exemplo:

Saudade – Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las (Aurélio Buarque de Holanda).

            Desculpe-me, caro leitor, mas isso ainda não é saudade…

            Renomados cantores e escritores dedicaram trechos de suas obras para expressar este sentimento tão comum aos homens:

            Ai que saudade do luar da minha terra

            Lá na serra branquejando, folhas secas pelo chão… (Catulo da Paixão Cearense)

            Outro ainda

Oh! que saudades que tenho

                        Da aurora da minha vida,

                         Da minha infância querida

                         Que os anos não trazem mais… (Casimiro de Abreu) 

            Mas, alguém sabe como nasceu este doce e amargo sentimento?

Como nasceu a saudade

“O Senhor Deus tomou o homem e colocou-o no jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-lo” (Gn 2,15). Assim começa a história do homem no Paraíso Terrestre.

O homem vivia a plena felicidade da vida e todas as suas necessidades corporais e espirituais eram atendidas.

Entretanto, “passaram‑se os dias maravilhosos do alvorecer do mundo. Chegou a hora da tentação e a alma frágil do homem cedeu às vozes da desobediência e do mal. Foi então inexoravelmente expulso do jardim das delícias.

Revoltado consigo mesmo, por haver dado atenção às palavras enganadoras de Eva, Adão saiu sozinho a perambular pelas extensões áridas da solidão, pelos ermos do mundo, atravessando matagais e ferindo‑se nos cardos e espinhos.

Cansado e triste, com o peito sangrando pelos ferimentos sob a dor aguda, lembrou o gosto das frutas, o esplendor da luz, o encanto das nuvens, o perfume das flores, as delícias do Paraíso!

Este misto de dor e alegria ficou impresso no coração do primeiro homem e até hoje se perpetua em todos os seus descendentes.

E, como cada coisa tomou um nome, esse prazer amargo se chamou: saudade”.¹

            Doce e amargo prazer

Este sentimento pode nos trazer muitos frutos doces como, por exemplo, a saudade do dia do Batismo ou da Primeira Comunhão, quem sabe até do nascimento do primeiro filho, ou ainda uma viagem para a Europa por onde se conheceram os monumentos da cristandade, etc. Tudo isso nos faz lembrar de algo bom do passado e que ainda pode ser “degustado” no presente.

Entretanto, a saudade também pode nos trazer frutos amargos. Sim, frutos amargos. Se você, caro leitor, sentir saudades da época em praticavas a virtude que não pratica mais, se tem saudades da aurora da sua vida que os anos não trazem mais, de sua inocência primeva e da felicidade de situação por ter a graça de Deus habitando em sua alma, não se preocupe. Frutos amargos são difíceis de comer, mas “até mesmo quem trilhou por toda a vida as vias tortuosas da impureza e do erro é passível de purificação pela graça do Divino Espírito Santo, podendo, inclusive, chegar a tornar-se ainda mais diáfano, mais transparente e mais luzidio do que um Serafim! Se esta afirmação parece por demais ousada, detenhamo-nos na consideração de Santa Maria Madalena. Afundada no pecado […] foi ela justificada de tal modo que hoje seu nome se encontra inserido com precedência sobre o das virgens invocadas na Ladainha de Todos os Santos”.²

Ainda há tempo de nos reconciliarmos com Deus. Ele está a nossa espera através do sacramento da Penitência. Peçamos a Nossa Senhora, refúgio dos pecadores, que interceda por nós junto a seu Filho Jesus pois, “onde abundou o pecado, superabundou a graça”(Rm 5,20).

Com os olhos fixos em Maria, rezemos: Não tendes também Vós, Senhora, saudades desse tempo? Não tendes saudades da bondade que havia naquele filho que eu fui? Vinde, pois, ó melhor de todas as mães, e por amor ao que desabrochava em mim, restaurai-me: recomponde em mim o amor a Vós, e fazei de mim a plena realização daquele filho sem mancha que eu teria sido, se não fosse tanta miséria.

Se estás perturbado pela lembrança da enormidade de teus crimes, confuso à vista das torpezas de tua consciência, aterrorizado pelo medo do Juízo, começas a te deixar arrastar pelo turbilhão da tristeza, a despenhar no abismo do desespero, pensa em Maria               

¹ PITHAN, Athalicio. Lendas e Alegorias, 1ª ed. Edições Brasília, Porto Alegre l945, pág. 36.

² CLÁ DIAS, Mons. João. In: Revista Arautos do Evangelho. Nº 137 Mai. 2013. pág.16.

³ São Bernardo de Claraval Exortação a invocar Maria, a Estrela do Mar

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Aos Administradores de Almas

O Evangelho deste 25º Domingo do Tempo Comum nos apresenta a parábola do administrador desonesto, na qual o Divino Mestre ressalta a verdadeira prudência. 

A prudência é a virtude dos governantes, e não há governo mais delicado que o das almas. E isto se aplica em especial ao sacerdote ou religioso, mas também vale para todo e qualquer batizado que tenha almas para orientar.

Para eles, a prudência consiste no fim ao qual se encaminha toda sua ação apostólica e os meios com os quais conta para conseguir alcançá-lo. Isto é, como deve aplicar todos os meios para alcançar a salvação e santificação das almas. 

A prudência ensinará:

 1. A expor convenientemente a palavra de Deus – É ela quem indica ao sacerdote o que deve calar e o que deve dizer. Como dizer para não ofender os fiéis, sem também cair na omissão de seu dever de alertar contra o mal.

 2. A sentar-se no confessionário. O confessor é: 

a) O juiz que deve perguntar com clareza e precisão para formar um juízo correto, dar a sentença justa e impor a penitência adequada.

b) O doutor que deve ensinar sem escandalizar.

c) O médico que investiga as causas da enfermidade para aplicar o remédio certo e eficaz.

d) O pai que inspira confiança, porém, com paternal severidade para não facilitar, com suas fraquezas, o caminho para o pecado.

 3. A administrar todos os sacramentos – Sendo prudente, o sacerdote não os torna odiosos aos fiéis, porém, sempre impõe suave e firmemente o que pede Deus, a liturgia, o Direito Canônico e o bem das almas.

São Bento, no capítulo 64 da Regra, quando trata “Da ordenação do Abade”, diz: “O Abade ordenado pense sempre no fardo que recebeu e a quem deverá prestar contas de sua administração e saiba que lhe convém mais servir que presidir. Deve, pois, ser douto na lei divina, de modo que saiba e tenha de onde tirar ‘coisas novas e velhas’. Seja casto, sóbrio, misericordioso e ponha sempre a misericórdia acima da justiça, para que consiga o mesmo para si. Odeie os vícios, ame os irmãos. Na própria correção proceda com prudência e sem excessos, para que, raspando demais a ferrugem, o vaso não venha a quebrar. Suspeite sempre de sua própria fragilidade e lembre-se que não deve esmagar o caniço já rachado. Não dizemos, com isso, que permita que os vícios cresçam, mas os ampute com prudência e caridade, segundo julgar conveniente a cada um, como já dissemos. E se esforce por ser mais amado que temido. Não seja turbulento nem ansioso; não seja ciumento nem muito desconfiado, pois nunca terá descanso. Nas suas ordens seja prudente e refletido. Se mandar fazer algo referente às coisas divinas ou seculares, faça-o com discernimento e moderação lembrando-se da discrição do santo Jacó, que dizia: ‘Se eu fizer meus rebanhos trabalharem andando demais, morrerão todos num só dia’. Aproveitando esses e outros exemplos de prudência, mãe das virtudes, equilibre tudo de tal modo que os fortes encontrem o que desejam e os fracos não fujam. E, sobretudo, conserve em tudo a presente Regra, para que, depois de ter bem administrado, ouça do Senhor o que Ele disse ao bom servo que distribuiu o trigo a seus servos no devido tempo: ‘Em verdade vos digo, ele o estabelecerá sobre todos os seus bens’”

 

Obra consultada: ORIA, Angel Herrera, La Palabra de Cristo, BAC, Madrid, 1955

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25º Domingo do Tempo Comum

20 de Setembro de 2013

“Ninguém encontrou o capitão”.

Um pequeno navio chocou-se com o rochedo no litoral. Ainda o dia não havia clareado e os corpos apareciam na praia. A causa do acidente? Um único sobrevivente pode explicar. A tripulação viu-se dentro de um vendaval, mas na embarcação ninguém encontrou o capitão (e até hoje está desaparecido), o timão estava a deriva, sem ninguém que o tomasse nas mãos.

São Basílio nos diz que essa é a imagem perfeita de um homem que perde a prudência. É como um barco sem piloto, que não sabe o caminho a seguir para o porto, e é impelido pelos ventos de cá para acolá e acaba por naufragar. O imprudente não sabe qual caminho seguir e dentro de suas tempestades vai de um extremo ao outro e termina por chocar-se nos rochedos dos vícios.

Prudência dos Filhos da Luz

São Bernardo é quem nos ensina que a Prudência “é a virtude que ordena todas as virtudes, a que as modera, dá brilho e estabilidade. A prudência é governadora das virtudes, moderadora dos afetos e mestra dos costumes. Tire a prudência de um homem e logo se verá todas as virtudes transformarem-se em vícios” (cf. São Bernado, Serm. 49 in Cant).

O Divino Mestre nos dá neste 25º Domingo do Tempo Comum o exemplo da prudência perversa do administrador desonesto, a prudência humana, para que nós a santifiquemos e a apliquemos com o mesmo zelo para nossa salvação. Mostra como os filhos desse mundo tem pressa para fazer algo de desonesto para praticar o erro, enquanto que os filhos da luz….

Mons. João Clá Dias, em sua obra “O Inédito sobre os Evangelhos” abre um vasto horizonte sobre esta quarta parábola contada por Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Chamou-o e disse-lhe: ‘Que é isto que eu ouço dizer de ti? Dá conta de tua má administração; não mais poderás ser meu feitor’”.

A mesma coisa nos diz o Senhor todos os dias, apresentando-nos como exemplo aquele que, gozando de saúde ao meio-dia, morre antes da noite, e aquele que expira em uma festa: assim deixamos a administração de vários modos. Mas o bom administrador, o qual tem confiança, devido à sua boa administração, deseja dissolver-se como São Paulo e estar com Cristo; enquanto quem se apega aos bens da Terra se encontra cheio de angústia na hora derradeira.

“E chamando a cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu senhor?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de azeite’. Então disse-lhe: ‘Toma o teu recibo, senta-te e escreve depressa: cinquenta’. Depois disse a outro: ‘Tu quanto deves?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’. Disse-lhe o feitor: ‘Toma o teu recibo e escreve oitenta’”.

[Os comentaristas] Sublinham de modo especial essa tenacidade do administrador em alcançar seus objetivos e a tomam como exemplo para nós “porque todo aquele que, prevendo seu fim, alivia com boas obras o peso de seus pecados (perdoando a quem lhe deve ou dando boas esmolas aos pobres), e dá liberalmente os bens do senhor, granjeia muitos amigos que hão de prestar bom testemunho dele perante o juiz, não com palavras, mas manifestando suas boas obras, e de preparar-lhe, com seu testemunho, a mansão do consolo.

 “E o senhor louvou o feitor desonesto, por ter procedido sagazmente. Porque os filhos deste mundo são mais hábeis no trato com os seus semelhantes do que os filhos da luz”.

Surge aqui outro versículo muito discutido entre os autores. O elogio do senhor da parábola não recai sobre os aspectos ilícitos e imorais dos atos praticados por seu administrador, mas tão somente sobre a esperteza deste. “Denominam-se contraditórias estas parábolas para compreendermos que — se pôde ser louvado pelo seu amo o homem que defraudou seus bens — muito mais devem agradar a Deus os que fazem aquelas obras de acordo com seus preceitos”

Por “filhos deste mundo” devemos entender como sendo aqueles que só se preocupam com os bens temporais. Os filhos da luz” creem na vida eterna após a morte, na ressurreição final e trabalham por sua salvação. Entretanto, a “prudência” dos primeiros é infatigável, solerte, pertinaz, inteligente, hábil com vistas a obter seus objetivos. Assim devemos ser nós face ao nosso fim último, e nisso consiste o conselho implícito na comparação feita por Jesus. Apenas para ressaltar a clareza de compreensão, é bom frisar que os “filhos da luz” são inferiores muitas vezes em matéria de prudência, mas não em sabedoria.

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24º Domingo do Tempo Comum

 13 de Setembro de 2013

Era fria aquela manhã. Muitas ruas ainda dormiam e o sol aos poucos se fazia ver no horizonte nublado. Alguns passos apressados se faziam ouvir no calçamento centenário das ruelas até chegarem à igreja matriz. Um sacerdote começava a subir o altar para a missa, enquanto outros  atendiam os penitentes no tribunal da confissão. Um destes então viu aproximar-se um homem, não era um estranho, já estivera ali outras vezes. Ajoelhou-se e após declinar suas faltas recebeu a absolvição. O sacerdote então ficou pensando: “Este homem vem aqui todos os dias e confessa a mesma falta. Diz que quer mudar de vida, mas não muda, por isso vem sempre aqui… e esta é a oitava vez esta semana!”

No dia seguinte, aquele padre estava junto ao altar marcando as folhas do missal. Faltava ainda algum tempo para a missa e a igreja estava quase vazia. Ao levantar o olhar em direção a porta viu o penitente do dia anterior entrar e ir em direção a ele. “Padre, o senhor pode atender-me em confissão?”. O ministro de Deus então disse que aquilo era um absurdo e que não daria a absolvição. “Eu não te perdoo!” disse o padre. Nesta hora, ouviu-se um forte estalo. O grande crucificado que pendia no altar desprendeu sua mão do madeiro e traçando um enorme sinal da cruz, disse: “Eu te perdoo porque me custaste muito. Custaste-me todo o meu sangue”. 

Este fato, ocorrido em uma pequena cidade da Espanha durante a Idade Média é um pequeno exemplo da misericórdia de Deus. Entretanto ele é nada perto de uma das mais belas parábolas contadas por Nosso Senhor Jesus Cristo, e que a liturgia reserva para este 24º Domingo do Tempo Comum.

Mons. João S. Clá Dias em sua obra “O inédito sobre os Evangelhos” ao comentar o texto de São Lucas nos diz:

“O filho trocou a inocência do lar pela vida devassa. Expressiva imagem de todos os batizados que, desprezando a condição de filhos de Deus, abandonam o estado de graça ao cometer uma falta grave! Esbanjando o tesouro sobrenatural entregue pelo Pai celeste, preferem o prazer fugaz do pecado à felicidade do convívio com Deus e Maria Santíssima, na eternidade.

“Por sua vez, em nenhum momento o pai se esqueceu do jovem e, sem jamais perder as esperanças de reencontrá-lo, continuamente elevava ao Céu aflitas orações por sua conversão. Com igual indulgência Deus reage conosco quando O ofendemos e, em sua bondade, nunca nos desampara, mesmo quando nos afastamos d’Ele com o pecado. Refletindo sobre esta clemência.

“É bem provável que o pai tenha sentido acenderem-se, muitas vezes, suas esperanças quanto à volta do filho. Dirigia-se, então, a um local de onde podia divisar os caminhos da região e ali passava longos períodos rezando, numa confiante espera… Até o dia em que…

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