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6º Domingo da Páscoa

   A passagem do Evangelho considerada hoje integra o grande Sermão da Ceia pronunciado por Jesus ao terminar o banquete pascal, após Judas Iscariotes ter-se retirado para consumar sua traição (cf. Jo 13, 31―17, 26). São João foi o único Evangelista a consignar este discurso, talvez o mais belo e mais admirável proferido pelos adoráveis lábios do Redentor.

   A humildade manifestada momentos antes por Cristo, ao lavar os pés de cada um de seus discípulos — que havia pouco disputavam o primeiro lugar… —, gravara em suas almas uma profunda impressão da bondade divina e ao mesmo tempo tornara neles ainda mais intensa a consciência da própria indignidade. Por outro lado, é provável que o comovedor anúncio da traição de um dentre eles os deixara desconcertados e aterrorizados. Por fim, a instituição da Sagrada Eucaristia, grande Sacramento de amor, estreitara ainda mais os laços que os uniam ao Senhor, incutindo-lhes confiança e abrindo-lhes os horizontes da vida eterna.

   “O fato de Jesus ter falado só aos seus Apóstolos, aos quais acabava de instituir sacerdotes e de comunicar seu Corpo e Sangue,” — comenta Gomá y Tomás — “e de ser o último colóquio que com eles teria antes de sua Morte […] confere um relevo extraordinário a este discurso. Nele o Divino Mestre abriu de par em par seu pensamento e seu coração, dando-lhes o que poderíamos chamar a quintessência do Evangelho”.

“Se Me amais, guardareis os meus Mandamentos…”

   São Tomás, repetindo o princípio de Dionísio Areopagita, nos ensina que o bem procede de uma causa íntegra, enquanto o mal, de qualquer defeito: “bonum est ex integra causa, malum autem ex singularibus defectibus”. E se desejamos a perfeição numa imagem de Nossa Senhora, devemos querê-la também, por coerência, no bem que praticamos, pois se nele houver qualquer defeito já estará presente o mal. Precisamos, pois, nos esforçar para praticar os Mandamentos em sua integridade.

“…e Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco…”

   Quando se refere ao Espírito Santo como Defensor, Nosso Senhor emprega esta palavra no sentido de Advogado. Cabe ao advogado a função de defender em juízo a causa de seus clientes, apresentando todos os argumentos e provas para que estes não sejam condenados.

   Esse Defensor, afirma ainda Nosso Senhor, permanecerá para sempre conosco. Ou seja, estará agindo sem cessar, protegendo e consolando, embora não na mesma intensidade, e por vezes de modo imperceptível. Cabe-nos ouvir o que Ele nos diz no fundo da alma, seguindo os princípios e os ditames de nossa consciência. Para isso, também, temos necessidade de uma graça divina.

Se formos fiéis a essas inspirações, teremos um Advogado contra as acusações apresentadas por nossa consciência e aquelas que o demônio fará a cada um de nós, no juízo particular.

“…o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não O vê nem O conhece”.

   O que leva o mundo a não ver nem conhecer o Espírito da Verdade?

   Quem resolve seguir princípios contrários à Lei de Deus, procura deformar e aquietar a sua consciência para não ouvira voz do Espírito Santo, que está sempre a indicar-lhe as retas vias da virtude e da santidade, à qual todos — sem qualquer exceção — são chamados, conforme a doutrina bem explicitada pelo Concílio Vaticano II: “Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer condição: ‘sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito’ (Mt 5, 48). […] É, pois, claro a todos, que os cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”.

“Vós O conheceis, porque Ele permanece junto de vós e estará dentro de vós. Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós. Pouco tempo ainda, e o mundo não mais Me verá, mas vós Me vereis, porque Eu vivo e vós vivereis. Naquele dia sabereis que Eu estou no meu Pai e vós em Mim e Eu em vós”.

   A cena é emocionante. Nesse discurso de despedida, Nosso Senhor quer deixar patente que cada um de nós, batizados, faz parte desse relacionamento de familiaridade entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Como  o Pai está no Filho, a Trindade estará em mim, se eu amar a Deus e cumprir a Lei. O Espírito Santo estará em mim, e serei templo vivo d’Ele.

“Quem acolheu os meus Mandamentos e os observa, esse Me ama”.

   Ora, podemos dizer que a base fundamental para acolher os Mandamentos da Lei de Deus se chama humildade. O orgulhoso confia em si, julga-se capaz de tudo e, por isso, não verá necessidade de crer num Deus onipotente. Para acolher os Mandamentos, deve-se rejeitar aquilo a que a natureza humana decaída aspira: ser considerada deus. A partir do momento em que a pessoa se inclina ao pecado, começa a ceder em matéria de orgulho ou de sensualidade, e se não receber uma proteção muito especial da graça, ela irá até o último limite do mal.

“Ora, quem Me ama, será amado por meu Pai, e Eu o amarei e Me manifestarei a ele”.

   Era necessária uma conversão, uma mudança de mentalidade daquele povo. Quando Nosso Senhor disse que Se manifestaria a quem guardasse sua palavra e O amasse, causou surpresa nos Apóstolos, como nos é revelado pela pergunta feita logo a seguir por Judas Tadeu: “Senhor, por que razão hás de manifestar-Te a nós e não ao mundo?” (Jo 14, 22). E a voz desse Apóstolo não passava de um eco do pensamento dos demais, conforme ouvimos pouco antes Filipe pedir: “Senhor, mostra-nos o Pai” (Jo 14, 8), e Tomé indagar: “Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?” (Jo 14, 5)

   Nosso Senhor nos promete aqui a maior das recompensas, que Ele explicita mais ainda no versículo seguinte: “Se alguém Me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos nossa morada” (Jo 14, 23).

   De fato, que mais se poderia dar ao homem, além de transformá-lo em morada do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Mais do que isso, impossível. Diz São Tomás.

   A Liturgia do 6º Domingo da Páscoa, insistindo na necessidade do amor para o cumprimento da Lei, nos convida a estarmos sempre abertos às inspirações do Defensor e, em consequência, seremos mais mansos e bondosos, inteiramente flexíveis e desejosos de fazer bem a todos.

   Peçamos à divina Esposa do Paráclito, Mãe e Senhora nossa, que nos obtenha a graça da vinda o quanto antes deste Espírito regenerador a nossas almas, conforme suplica a Santa Igreja: Enviai o vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da Terra (cf. Sl 103, 30).

   Tudo, portanto, está ao nosso alcance para sermos o que devemos ser, e assim recebermos o prêmio imerecido do convívio eterno com a Santíssima Trindade.

 Obra consultada:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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5º Domingo da Páscoa

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em Mim também”.

   Na opinião de todos os autores gregos, esta frase foi dita por Cristo para os Apóstolos não se assustarem demais ao ouvir a previsão a respeito de Pedro (o qual O negaria) e pensarem que eles também, contra a sua vontade, iriam traí-Lo, uma vez que o chefe e mais valente de todos haveria de cair. Daí, também, concluírem alguns desses autores constituir esse conselho de Cristo uma prova de sua divindade, por demonstrar conhecer o pensamento de seus discípulos.

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, Eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós, e quando Eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde Eu estiver estejais também vós. E para onde Eu vou, vós conheceis o caminho”.

   As verdades contidas nesses versículos são transmitidas a fim de incutir nos discípulos a confiança de que eles não estavam excluídos de seu Reino, se bem não pudessem segui-Lo naquele momento. “Ele os consola, garantindo-lhes que não ficam excluídos,mesmo se de momento não O sigam. A seu tempo farão isso, e não lhes faltará lugar ali, porque ‘na casa de seu Pai’, isto é, em seu Reino, ‘há muitas moradas’ e a cada um está reservada a  sua, sem perigo de que outro a ocupe”.

Tomé disse a Jesus: “Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?”

   Segundo São João Crisóstomo, Tomé pergunta com todo respeito, movido pelo desejo de dar oportunidade a Jesus para ser mais explícito. Maldonado é propenso a ver nessa atitude de Tomé “uma tácita queixa e uma amorosa repreensão por nunca lhes ter querido dizer abertamente para onde ia”.

   Retornando à análise da atitude dos discípulos face à afirmação de Jesus, ouçamos o que nos diz o padre Manuel de Tuya sobre essa passagem: “Os Apóstolos aparecem com uma grande rusticidade, não compreendendo,como em outras ocasiões, os ensinamentos de Cristo. Anunciando-lhes que vai ao Pai, ao Céu, deviam eles compreender o que já lhes havia dito, de outras formas, tantas vezes: que precisavam aceitar sua ‘mensagem’”.

Jesus respondeu: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim”.

   Maldonado procura mostrar quão difícil é entender a razão pela qual Jesus acrescenta a “Verdade” e a “Vida” ao “Caminho”.Quanto a este último, mostra-nos como Cristo é para nós  “Caminho” por sua doutrina, pela necessária fé que n’Ele devemos ter para chegar à vida eterna, idem com respeito à imitação d’Ele, que nos é obrigatória, e por fim, por nos ter Ele — pelos seus méritos — reaberto as portas que nos estavam fechadas. Ninguém pode ir ao Pai senão por seu intermédio. Por isso, comenta-nos Santo Hilário: “Não pode conduzir-nos por lugares extraviados Aquele que é o Caminho, nem enganar- -nos com falsas aparências Aquele que é a Verdade, nem abandonar-nos no erro da morte Aquele que é a Vida”.

“Se vós Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. E desde agora O conheceis e O vistes”. Disse Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não Me conheces, Filipe? Quem Me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes: ‘Mostra-nos o Pai?’ Não acreditas que Eu estou no Pai e que o Pai está em Mim? As palavras que vos digo, não as digo por Mim mesmo, mas é o Pai, que, permanecendo em Mim, realiza as suas obras”.

   Filipe possuía um temperamento e uma psicologia bem diferentes dos de Tomé. Este era bem positivo e desconfiado. O outro demonstrava ingenuidade com sua pergunta: “A pergunta de Filipe deixa ver, uma vez mais, a rudeza e a incompreensão dos Apóstolos antes da grande iluminação  de Pentecostes”.Passam-nos muitas vezes pela alma ingênuas curiosidades análogas às de Filipe; gostaríamos e ver, compreender e realizar certas verdades de nossa Fé. Não é neste mundo que se dará a visão clara desejada por nós. Devemos nos contentar com as luzes envoltas em penumbras oferecidas pela nossa crença.

“Acreditai-Me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. Acreditai, ao menos, por causa destas mesmas obras. Em verdade, em verdade vos digo: quem acredita em Mim fará as obras que Eu faço, e fará ainda maiores do que estas. Pois Eu vou para o Pai”.

   Dirá mais tarde Tiago, em sua Epístola, que a fé sem as obras é morta (cf. Tg 2, 17). Aqui, o Salvador afirma o quanto essa fé por Ele exigida será profícua em realizaçõesdivinas. Essa virtude cria um liame divino. O próprio São Paulo afirmará: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20); e ainda: “Tudo posso n’Aquele que me conforta” (Fl 4, 13). Indo para o Pai a fim de ser glorificado em sua humanidade triunfante, estenderá aos discípulos que n’Ele creem o poder de fazer milagres que recebeu do próprio Pai. Se os mistérios nos são difíceis de alcançar, as obras falam por si e  nos facilitam a crença.

   Que esse dom concedido pelo Salvador aos seus fiéis servidores não os envaideça, como adverte Santo Agostinho: “Não se eleve o servo acima do Senhor, nem o discípulo acima do Mestre. Diz que os discípulos hão de fazer maiores obras do que Ele, mas entende-se que é Ele quem opera nos discípulos ou por meio dos discípulos, e não os discípulos por si mesmos. A Ele se dirige o louvor: ‘Ó Senhor, que és minha fortaleza, Te amarei’. Quais são essas obras maiores? Seria porque, à passagem deles,a sua sombra curava os doentes? Era de fato obra mais admirável curar um doente com a sombra do que com a orla do vestido. Isto o fez por Si mesmo; aquilo, por meio dos discípulos. Mas ambas as coisas as fez Ele”.

 Obra consultada:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

 

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4º Domingo da Páscoa – Domingo do Bom Pastor

   Devemos compreender a presente parábola dentro do quadro político-social e econômico de Israel na época de Nosso Senhor, o que corresponde a uma realidade bem diferente da civilização industrial e globalizada em que vivemos. O pastoreio ― do qual poucos terão uma noção exata em nossos dias ― constituiu uma das principais atividades do povo eleito no Antigo Testamento, tendo penetrado profundamente na psicologia, na cultura e nos costumes judaicos. Por conseguinte, as imagens tiradas do cotidiano pastoril eram muito acessíveis aos ouvintes do Divino Mestre. Ele as empregou para referir-Se a algo tão elevado que é impossível de ser traduzido a não ser por símbolos: Deus feito Homem cuida com toda a perfeição de cada um de nós, como de uma ovelha muito querida. Nosso Senhor Jesus Cristo Se sente representado por um Pastor ideal, zeloso e dedicado. Em consequência, a figura heroica do pastor adquiriu um cunho sagrado e, com o  tempo, passou a adornar paredes de catacumbas, objetos litúrgicos, túmulos, monumentos sacros, entre outros, como designação corrente d’Aquele que veio ao mundo para salvar suas ovelhas.

Naquele tempo, disse Jesus:  “Em verdade, em verdade vos digo, quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante”.

   Muitas vezes os pastores tinham de arriscar a própria vida para defender as ovelhas, pois, além de não existirem armas eficazes como as atuais, em geral eles eram pessoas pobres, dispondo apenas de um cajado para enfrentar os lobos e os ladrões.

   Tão frequentes eram os assaltos aos rebanhos, que os pastores costumavam se congregar para terem maior segurança e, à noite, recolhiam todas as ovelhas num grande redil. Um deles ficava de vigília, à entrada, e se revezavam ao longo das horas. Esta era a única passagem para entrar e sair do aprisco, sendo usada tanto pelos animais quanto pelos donos.

   Os ladrões, entretanto, nunca transpunham a porta para realizar seus intentos, mas faziam um rombo na cerca, por onde penetravam e levavam as ovelhas.

“Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A esse o porteiro abre, e as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora.  E, depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz.  Mas não seguem um estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”. 

   A situação descrita por Nosso Senhor nestes versículos ocorria a cada manhã, quando o pastor ia buscar os animais no redil. A tal ponto se criava uma como que intimidade entre o pastor e suas ovelhas, que estas adquiriam certo instinto pelo qual o reconheciam com precisão e, saindo do meio das outras, se colocavam diante dele, que as conduzia para fora. Reunido todo o rebanho, iniciava-se a marcha rumo aos campos, com o pastor sempre à frente, para fazer face aos que pretendessem assaltá-lo.

Jesus contou-lhes esta parábola, mas eles não entenderam o que Ele queria dizer.

   Quem ouvia esta pregação de Nosso Senhor? Os fariseus, que não queriam admitir o recente milagre da cura de um cego de nascença (cf. Jo 9, 1-41). Contudo, para entendê-la era preciso ter fé e o coração aberto à ação do Espírito Santo, o que faltava aos fariseus. Como eram “guias espirituais de Israel, não podiam suspeitar que eles mesmos fossem ‘assaltantes’ espirituais do rebanho”.

Então Jesus continuou: “Em verdade, em verdade vos digo, Eu sou a Porta das ovelhas”.

   Embora a figura do pastor seja a mais conhecida desta parábola, Jesus primeiro Se apresenta como Porta do redil. Com o pecado original o Céu se fechou para toda a humanidade e ninguém entraria jamais nele se não nos tivesse sido outra vezaberto por Nosso Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro imolado, o Bom Pastor e a Porta do redil, nossa Páscoa, ou seja, passagem deste mundo para a bem-aventurança. Só aqueles que O aceitarem habitarão nessa sublime morada, porque Ele é o caminho seguro para atingir a perfeição. Sem Ele não há santidade, sem Ele não há salvação. 

“Todos aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram”.

   É possível que também nós nos deparemos com quem se diga pastor, mas na realidade não o seja. São mercenários gananciosos, que vivem à busca de dinheiro, mais preocupados com sua subsistência e com o acúmulo de riqueza do que com o bem das almas. Cabe- nos rezar para estarmos concernidos no exemplo das ovelhas que são dóceis à voz do pastor e não escutam os bandidos. Permaneçamos sempre atentos para saber o que a graça quer de nós, procuremos afastar-nos dos perigos e nunca nos desgarremos da grei de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Eu sou a Porta. Quem entrar por Mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem”.

   Em sentido contrário ao apontado no versículo anterior, o Divino Mestre Se apresenta como a Porta que dá acesso à pastagem, porque é Ele quem nos leva a robustecer o senso do ser, o senso moral que o pecado enfraquece.

“O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.

   Ainda em linguagem parabólica, Ele indica o pecado daqueles que desviam os outros da Religião verdadeira: matam as almas, afastando-as de Nosso Senhor, que é a vida. E a missão d’Ele, ao contrário, é dar aos homens essa vida, Ele a introduz em nossa alma no Batismo e a confirma quando recebemos a Crisma.

   Se Deus põe à nossa disposição essa vida com tal generosidade, basta pedir que Ele no-la dará. Ele possui tudo o que nós precisamos! Não podemos ter horizontes estreitos, ser medíocres na oração, mas devemos ser pessoas de grandes desejos, que imploram coisas ousadas na linha da perfeição. E como todos somos chamados à santidade, se rezarmos com decisão e energia, por meio da Santíssima Virgem, é certo que Ele nos atenderá.

   É possível que nosso exame de consciência nos acuse de alguma vez termos aderido aos ladrões. Lembremo-nos, então, de que Jesus ama tanto as suas ovelhas que Ele deseja dar-lhes a vida, apesar de miseráveis

   A principal lição a ser guardada deste 4º Domingo da Páscoa é que Jesus tem por nós um carinho que suplanta todos os afetos existentes na face da Terra. Ele é tão supremamente nosso Pastor que escolheu sofrer os tormentos do Calvário para nos salvar. Sinal de que nos ama até um limite inimaginável! Por isso, tenhamos total confiança n’Ele ao nos aproximarmos da Confissão, certos de que Ele perdoará nossos pecados, se estivermos arrependidos. Mas, sobretudo, saibamos buscá-Lo na Eucaristia, onde Ele Se oferece em Corpo, Sangue, Alma e Divindade e nos prepara para recebermos a vida em plenitude. Isto se dará quando passarmos pela Porta do redil e adentrarmos no Céu, onde veremos a Deus face a face. Ali estaremos na alegria do Pai, do Filho e do Espírito Santo, numa gloriosa participação nessa família, que é a Santíssima Trindade, junto com Nossa Senhora, os Anjos e os Bem-aventurados.

Obra consultada:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

 

 

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3º Domingo da Páscoa

Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus iam para um povoado, chamado Emaús, distante onze quilômetros de Jerusalém. Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido.

   Pelo seu estilo e delicadeza de narração, este é um dos mais belos relatos do terceiro Evangelho.Quanto à cidadezinha de Emaús, há uma dezena de hipóteses sobre sua real localização, e não se têm elementos para saber qual a verdadeira. Retenhamos apenas a distância de 11 km.

   Alguns Padres da Igreja levantam a hipótese de ser o próprio São Lucas um deles, e assim se entenderia melhor o motivo pelo qual ele não quis mencionar o nome do segundo discípulo.

Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus Se aproximou e começou a caminhar com eles.

   O Divino Mestre havia prometido, em vida, estar presente quando dois ou mais estivessem reunidos em seu nome (cf. Mt 18, 20), eis aqui o cumprimento de suas palavras. Foi a conversa entre ambos o fator que atraiu o Redentor a Se agregar a eles.

Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e não O reconheceram.

   “Alguns autores pensam que uma ação sobrenatural era que lhes impedia reconhecer Cristo. Mas a frase do Evangelho não exige que tenha se dado uma ação desse gênero. Aconteceu simplesmente que Cristo ressuscitado apareceu-lhes em Corpo glorioso, sob uma forma não mais comum e corrente”. Ou então, segundo o comentário de Teófilo: “Apesar de ser o mesmo Corpo que havia padecido, já não era visível para todos, senão unicamente para aqueles que Ele quisesse que O vissem; e para que não duvidassem que doravante já não viveria entre os homens, porque seu modo de vida depois da Ressurreição já não era humano, mas antes divino, uma pré-figura da futura ressurreição, na qual viveremos como Anjos e filhos de Deus”.

Então Jesus perguntou: “O que ides conversando pelo caminho?” Eles pararam, com o rosto triste…

   Ele conheceu desde toda a eternidade não só aqueles dois discípulos, como também o recôndito de suas almas e até mesmo o conteúdo da conversa de ambos; por isso, Ele pergunta apenas para dar início ao diálogo e ter oportunidade de mais diretamente animá-los.

   Quantas vezes em nossa vida, não terá Jesus Se aproximado de nós para nos reanimar!…

…e um deles, chamado Cléofas, Lhe disse: “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?”

   Era de fato incompreensível que um judeu vindo de outras províncias não se inteirasse, ao passar por Jerusalém, dos últimos grandes acontecimentos ali sucedidos. A ressurreição de Lázaro, a expulsão dos vendilhões do Templo, um número incontável de milagres, as arrebatadoras pregações de Jesus e, sobretudo, sua prisão, condenação e Crucifixão, o escurecimento do céu, o tremor da terra, o véu do Templo cindido, o passeio dos justos que haviam saído de seus túmulos — esses eram fatos suficientes para convulsionar a opinião pública. Não havia outro tema para se considerar senão esse, daí a perplexidade manifestada por Cléofas.

Ele perguntou: “O que foi?” Os discípulos responderam: “O que aconteceu com Jesus, o Nazareno, que foi um Profeta poderoso em obras e em palavras, diante de Deus e diante de todo o povo.

   Segundo alguns autores, esta resposta tem sua origem na falta de fé dos dois discípulos, como também no medo de serem presos. Não poderia o forasteiro se escandalizar ouvindo a proclamação da divindade de Jesus?

“Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes O entregaram para ser condenado à morte e O crucificaram”.

   Eles narram os fatos com o coração nos lábios e, apesar de extremamente chocados com as atitudes das autoridades religiosas e civis, em nenhum momento manifestam desrespeito ou revolta contra as mesmas. Era um dos resultados obtidos pela ação apostólica de Jesus. O possessivo “nossos”, na voz desses discípulos, demonstra claramente a disposição de submissão e até de veneração face aos detentores do poder. Eles não se separam, e menos ainda injuriam. Essa sempre foi a nota distintiva do verdadeiro Cristianismo.

“Nós esperávamos que Ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas estas coisas aconteceram!”

   O verbo esperar, empregado no passado, dá bem ideia da decepção na qual se encontravam ambos. Suas atenções estavam concentradas, sobretudo, na possível libertação do domínio dos romanos. Contudo, se bem estivessem com a virtude da fé um tanto abalada, restava-lhes ainda uma esperança: era a promessa proferida por Jesus em várias ocasiões sobre sua Ressurreição ao terceiro dia.

“É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deram um susto. Elas foram de madrugada ao túmulo e não encontraram o Corpo d’Ele. Então voltaram, dizendo que tinham visto Anjos e que estes afirmaram que Jesus está vivo. Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito. A Ele, porém, ninguém O viu”.

   Segundo os cânones do pensamento humano, com a trágica Morte do Divino Mestre, todas as esperanças haviam terminado, por mais que as melhores testemunhas afirmassem ter desaparecido seu Corpo. Mas, a prova de sua Ressurreição ainda não se havia consumado oficialmente. Quais os elementos para crerem? Só as palavras dos profetas e do próprio Jesus? Sendo afirmações e promessas feitas pela Verdade Absoluta, era preciso admiti-las como reais.

Então Jesus lhes disse: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Será que Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?”

   Sim, era-lhes necessário crer na Escritura, como São Pedro diria mais tarde: “Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação  pessoal. Porque jamais uma profecia foi proferida por efeito de uma vontade humana. Homens inspirados pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus” (II Pd 1, 20-21). Por isso, mais vale crer no testemunho dos profetas do que em nossos sentidos. Aqueles não falham, estes, porém, não raras vezes nos enganam. Para crer, não lhes era indispensável ter acompanhado ao túmulo as Santas Mulheres, nem Pedro e João; bastava-lhes recordarem as assertivas das Escrituras sobre a Ressurreição, tanto mais que as da Paixão já se haviam cumprido tais quais.

E, começando por Moisés e passando pelos profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito d’Ele.

   Que grande privilégio o daqueles dois! Decerto, o Divino Mestre deve ter-lhes mostrado, através de luminosas palavras e de especiais graças, o quanto era errôneo o conceito unânime no povo eleito a respeito de um Messias triunfante, restaurador de seu poder político-social e instaurador de uma influente e prestigiosa supremacia sobre as outras nações. A Escritura Lhe serviu de argumento irrefutável para os objetivos da formação que desejava dar-lhes.

Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia mais adiante. Eles, porém, insistiram com Jesus, dizendo: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!”Jesus entrou para ficar com eles.

   A Delicadeza e a Didática em substância se unem nesse gesto do Salvador ao fazer de conta que ia adiante. Desta forma, incentiva- -os não só a convidá-Lo a permanecer com eles, como também a conferir à sua companhia o devido valor. Eles O convidam e até insistem, apresentando como argumento a hora tardia. Exemplo para nós: quando rezamos, trata-se de usar de pertinácia, pois, dessa forma, “Jesus entrará para ficar conosco”. Caso contrário, Ele seguirá adiante.

Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o,partiu-o, e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu dafrente deles.

   Terá Jesus, nessa hora, operado a transubstanciação? Eis uma questão muito debatida nos séculos XVI e XVII, entre duas correntes teológicas. Uma conclusão clara a esse respeito ainda está por se fazer. Entretanto, por mais que não se tivesse dado a Consagração Eucarística, estava ela ali figurada. E é indiscutível ser esse Sacramento fundamental para nos fortalecer  a fé e fazê-la crescer, sobretudo no tocante ao mysterium fidei que enfeixa a Paixão e a Ressurreição do Redentor. A Eucaristia nos dá a vida sobrenatural, que tem seu fundamento na fé. Crer na Ressurreição de Cristo é absolutamente necessário para nossasalvação, e sem essa crença é impossível nosso próprio progresso na vida espiritual.

Então um disse ao outro: “Não estava ardendo o nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?”  Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros. E estes confirmaram: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. 

   Os versículos finais nos retratam com muita viveza e piedade os efeitos dessa primeira aparição de Jesus a dois fiéis da Igreja nascente, sendo especialmente digno de nota o testemunho da ação da graça mística nas almas de ambos, enquanto Jesus  lhes discorria sobre as Escrituras.

   É tal o apreço de Deus por sua própria Palavra, que Ele sempre faz acompanhar de generosos auxílios o estudo, interesse e piedade aplicados ao conhecimento amoroso dos textos sagrados.

   Nos versículos logo a seguir, São Lucas narra a aparição de Jesus aos Onze em Jerusalém. Novamente reluz a infinita sabedoriae diplomacia do Divino Mestre, ao tratar os Apóstolos com insuperável carinho e grandeza, ao mesmo tempo. Só Ele consegue harmonizar virtudes tão opostas; e, apesar de não ser acrescentada ao Evangelho deste domingo, lucraremos muito em relê-la.

Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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