5º Domingo da Páscoa
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em Mim também”.
Na opinião de todos os autores gregos, esta frase foi dita por Cristo para os Apóstolos não se assustarem demais ao ouvir a previsão a respeito de Pedro (o qual O negaria) e pensarem que eles também, contra a sua vontade, iriam traí-Lo, uma vez que o chefe e mais valente de todos haveria de cair. Daí, também, concluírem alguns desses autores constituir esse conselho de Cristo uma prova de sua divindade, por demonstrar conhecer o pensamento de seus discípulos.
“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, Eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós, e quando Eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde Eu estiver estejais também vós. E para onde Eu vou, vós conheceis o caminho”.
As verdades contidas nesses versículos são transmitidas a fim de incutir nos discípulos a confiança de que eles não estavam excluídos de seu Reino, se bem não pudessem segui-Lo naquele momento. “Ele os consola, garantindo-lhes que não ficam excluídos,mesmo se de momento não O sigam. A seu tempo farão isso, e não lhes faltará lugar ali, porque ‘na casa de seu Pai’, isto é, em seu Reino, ‘há muitas moradas’ e a cada um está reservada a sua, sem perigo de que outro a ocupe”.
Tomé disse a Jesus: “Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?”
Segundo São João Crisóstomo, Tomé pergunta com todo respeito, movido pelo desejo de dar oportunidade a Jesus para ser mais explícito. Maldonado é propenso a ver nessa atitude de Tomé “uma tácita queixa e uma amorosa repreensão por nunca lhes ter querido dizer abertamente para onde ia”.
Retornando à análise da atitude dos discípulos face à afirmação de Jesus, ouçamos o que nos diz o padre Manuel de Tuya sobre essa passagem: “Os Apóstolos aparecem com uma grande rusticidade, não compreendendo,como em outras ocasiões, os ensinamentos de Cristo. Anunciando-lhes que vai ao Pai, ao Céu, deviam eles compreender o que já lhes havia dito, de outras formas, tantas vezes: que precisavam aceitar sua ‘mensagem’”.
Jesus respondeu: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim”.
Maldonado procura mostrar quão difícil é entender a razão pela qual Jesus acrescenta a “Verdade” e a “Vida” ao “Caminho”.Quanto a este último, mostra-nos como Cristo é para nós “Caminho” por sua doutrina, pela necessária fé que n’Ele devemos ter para chegar à vida eterna, idem com respeito à imitação d’Ele, que nos é obrigatória, e por fim, por nos ter Ele — pelos seus méritos — reaberto as portas que nos estavam fechadas. Ninguém pode ir ao Pai senão por seu intermédio. Por isso, comenta-nos Santo Hilário: “Não pode conduzir-nos por lugares extraviados Aquele que é o Caminho, nem enganar- -nos com falsas aparências Aquele que é a Verdade, nem abandonar-nos no erro da morte Aquele que é a Vida”.
“Se vós Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. E desde agora O conheceis e O vistes”. Disse Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não Me conheces, Filipe? Quem Me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes: ‘Mostra-nos o Pai?’ Não acreditas que Eu estou no Pai e que o Pai está em Mim? As palavras que vos digo, não as digo por Mim mesmo, mas é o Pai, que, permanecendo em Mim, realiza as suas obras”.
Filipe possuía um temperamento e uma psicologia bem diferentes dos de Tomé. Este era bem positivo e desconfiado. O outro demonstrava ingenuidade com sua pergunta: “A pergunta de Filipe deixa ver, uma vez mais, a rudeza e a incompreensão dos Apóstolos antes da grande iluminação de Pentecostes”.Passam-nos muitas vezes pela alma ingênuas curiosidades análogas às de Filipe; gostaríamos e ver, compreender e realizar certas verdades de nossa Fé. Não é neste mundo que se dará a visão clara desejada por nós. Devemos nos contentar com as luzes envoltas em penumbras oferecidas pela nossa crença.
“Acreditai-Me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. Acreditai, ao menos, por causa destas mesmas obras. Em verdade, em verdade vos digo: quem acredita em Mim fará as obras que Eu faço, e fará ainda maiores do que estas. Pois Eu vou para o Pai”.
Dirá mais tarde Tiago, em sua Epístola, que a fé sem as obras é morta (cf. Tg 2, 17). Aqui, o Salvador afirma o quanto essa fé por Ele exigida será profícua em realizaçõesdivinas. Essa virtude cria um liame divino. O próprio São Paulo afirmará: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20); e ainda: “Tudo posso n’Aquele que me conforta” (Fl 4, 13). Indo para o Pai a fim de ser glorificado em sua humanidade triunfante, estenderá aos discípulos que n’Ele creem o poder de fazer milagres que recebeu do próprio Pai. Se os mistérios nos são difíceis de alcançar, as obras falam por si e nos facilitam a crença.
Que esse dom concedido pelo Salvador aos seus fiéis servidores não os envaideça, como adverte Santo Agostinho: “Não se eleve o servo acima do Senhor, nem o discípulo acima do Mestre. Diz que os discípulos hão de fazer maiores obras do que Ele, mas entende-se que é Ele quem opera nos discípulos ou por meio dos discípulos, e não os discípulos por si mesmos. A Ele se dirige o louvor: ‘Ó Senhor, que és minha fortaleza, Te amarei’. Quais são essas obras maiores? Seria porque, à passagem deles,a sua sombra curava os doentes? Era de fato obra mais admirável curar um doente com a sombra do que com a orla do vestido. Isto o fez por Si mesmo; aquilo, por meio dos discípulos. Mas ambas as coisas as fez Ele”.
Obra consultada: DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013
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