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Sexta-Feira Santa

Uma meditação para o dia

 “Diz a sua Mãe: Mulher eis aí teu filho. Depois diz ao discípulo: Eis aí tua Mãe” (Jo. 19, 26 e 27).

         Consideremos como Jesus moribundo, volvendo-Se para sua Mãe, que estava ao pé da Cruz, e indicando-Lhe pelo olhar o discípulo predileto, lhe disse: Mulher eis aí teu filho; e depois acrescentou, dirigindo-se ao discípulo: Eis aí tua Mãe. E assim Maria foi constituída Mãe de todos os cristãos, e nós fomos feitos seus filhos. Ponhamos, portanto na Santíssima Virgem toda a nossa confiança, e em todas as necessidades recorramos a Ela por socorro. Mas ao mesmo tempo provemos pelas nossas obras que somos filhos dignos de seu amor.

         Nenhuma mãe suporta ver seu filho sofrer; o amor não lhes permite assistirem a tal espetáculo, verem-nos sofrer sem que lhes possam trazer alívio. A divina Mãe, porém, quanto mais o Filho estava próximo a morrer, tanto mais se aproximava da Cruz. E assim como o Filho sacrificava a vida pela salvação dos homens, Ela oferecia a sua dor, compartilhando com perfeita resignação todos os seus sofrimentos e opróbrios. Pelo que o Senhor volvendo-se para Ela, e indicando-Lhe pelo olhar São João, que estava ao lado d’Ela, disse: “Mulher, eis aí teu filho”.

         Mas porque é que Jesus a chamou Mulher e não Mãe? Pode-se dizer que a chamou Mulher, porque estava já próximo à morte e assim Lhe falou para se despedir, como se dissesse: Mulher, em breve estarei morto, de modo que ficarás sem filho na Terra. Deixo-Te, portanto, a João, que Te servirá e amará com amor de filho. A razão, porém, mais íntima, pela qual Jesus chamou Maria Mulher e não Mãe é esta: quis Jesus assim patentear que é ela a grande Mulher predita no livro Gênesis, a qual havia de esmagar a cabeça do orgulhoso Lúcifer.

         Disse Deus à serpente:– “Porei inimizade entre a tua descendência e a da Mulher[1]”. Isso indicava que, depois da perdição dos homens em consequência do pecado, e apesar da obra da Redenção, haveria no mundo duas famílias e duas descendências. Pela descendência do demônio é significada a família dos pecadores, pela descendência de Maria é significada a família santa que abrange todos os justos com seu Chefe, Jesus Cristo. De modo que a Virgem foi destinada a ser Mãe tanto da Cabeça quanto dos membros, que são os fiéis.

         Para compreendermos melhor ainda que Maria é Mãe de todo bom cristão,  já o Evangelista não quis chamar São João pelo seu nome próprio, mas pelo de discípulo; e logo em seguida acrescenta que o Senhor, volvendo-Se para o discípulo, lhe disse: “Eis aí a tua Mãe” . Por esta razão escreve Dionísio o Cartusiano, que a divina Mãe, pelas suas orações e pelos merecimentos que adquiriu, especialmente pela assistência à morte de Jesus Cristo, alcançou para nós o podermos participar dos merecimentos da Paixão do Redentor. Ponhamos, pois, na Santíssima Virgem toda a esperança e em toda a necessidade recorramos a Ela, dizendo: “Mostrai que sois minha Mãe”. Mas tratemos ao mesmo tempo de pelas nossas obras nos mostrar-nos seus dignos filhos.

         Ó Rainha de dores, são demasiado caras a uma mãe as recordações de um filho querido que morre, e nunca mais lhe podem sair da memória. Lembrai-Vos, pois, que na pessoa de São João vosso Filho me Vos deu por filho, a mim que sou um pecador. Pelo amor que votais a Jesus, tende compaixão de mim. Não Vos peço bens terrestres. Vejo que vosso Filho morre por meu amor, de morte tão dolorosa; vejo que também Vós, minha Mãe inocente, padeceis por mim tantas dores; e vejo que eu, pecador miserável e réu do inferno pelos meus pecados, não tenho sofrido nada por vosso amor. Alguma coisa quero sofrer, antes que morra. É esta a graça que Vos peço, e com São Boaventura Vos digo que, se Vos ofendi, justo é que eu sofra por castigo; e, se Vos servi, é justo que eu sofra em recompensa.

         Ó Maria, alcançai-me uma grande devoção à Paixão de vosso Filho e uma lembrança contínua da mesma. Pela aflição que padecestes ao vê-Lo expirar na Cruz, obtende-me uma boa morte. Minha Rainha, assisti-me neste último momento, e fazei com que eu morra dizendo: “Jesus, Maria, José, eu Vos dou meu coração e minha alma. Jesus, Maria, José, assisti-me na minha última agonia. Jesus, Maria, José, expire eu em paz na vossa companhia”.

——–

Obra Consultada: “Meditações para todos os dias do ano tiradas das obras de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja”.  Pe. Thiago Maria Cristini, C. SS. R.,  Herder e Cia., tomo III, págs.168-170, Friburgo em Brisgau, Alemanha, 1921.


[1]  Gen. 3, 15.

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Domingo de Ramos

   Na Antiguidade, os grandes heróis militares e os atletas vencedores eram saudados com ramos de palma, para honrá-los pelo triunfo alcançado. Portanto, Jesus quis que sua Paixão, cujo ápice se deu no Calvário, fosse marcada pelo triunfo já na abertura, antecipando a glória da Ressurreição que viria depois.

  À vista deste contraste podemos ficar surpresos: como a Igreja combina ambos os aspectos nesta circunstância?

   Este primeiro aspecto da celebração de hoje nos ensina o quanto é uma falha conceber a Redenção operada por Nosso Senhor centrando-se só na dor. Também, e talvez principalmente, ela comporta o gáudio da Ressurreição, pois, se os padecimentos de Jesus se estenderam da noite de Quinta-Feira até a hora nona de Sexta-Feira, e sua Alma tenha se separado do Corpo por cerca de trinta e nove horas ― como se pode deduzir das narrações evangélicas ―, o período de glória prolongou- -se por quarenta dias, aqui na Terra, e permanece por toda a eternidade no Céu.

   Foi esta a noção que faltou aos Apóstolos ao verem o Divino Mestre entristecer-Se, suar Sangue e deixar-Se prender por vis soldados; em consequência, O abandonaram. Nossa Senhora, pelo contrário, embora cheia de dor e com o coração transpassado por uma espada (cf. Lc 2, 35), não desfaleceu, porque guardava no fundo da alma a certeza de que seu Filho ressuscitaria.

Uma clave para considerar a Paixão do Senhor

   Contemplemos a Liturgia de hoje com esta perspectiva, revivendo aqueles momentos de gozo em que Jesus entra na Cidade Santa, com vistas a passarmos depois pelas angústias da Paixão e pelas alegrias da Ressurreição. Que as graças derramadas sobre todos os participantes dessa primeira procissão, na qual estava presente o Redentor, desçam sobre nós e cumulem nossas almas, fazendo-nos compreender bem o papel do sofrimento em nossa vida de católicos apostólicos romanos, enquanto meio indispensável para chegar à glória final e definitiva. Dor e triunfo encontram-se aqui magnificamente entrelaçados. Per crucem ad lucem! ― É pela cruz que alcançamos a luz!

A bondade divina manifestada na Paixão

   Para salvar a humanidade, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade quis Se encarnar, tornando-Se igual a nós em tudo, exceto no pecado.

   Aquele que, com um simples ato de vontade, poderia ter impedido a ação dos que promoveram sua morte, aceitou todos os ultrajes descritos por São Mateus no Evangelho da Missa.

   Experimentamos aqui a misericórdia de Deus, infinitamente solícito em nos perdoar. Se um só de nós houvesse incorrido em alguma falta e todos os demais homens fossem inocentes, teria Ele padecido igual martírio para resgatar esse único réu! Como aponta o padre Garrigou-Lagrange, no mistério da Redenção “as exigências da justiça terminam por se identificar com as do amor, e é a misericórdia que triunfa, porque é a mais imediata e profunda expressão do amor de Deus pelos pecadores”.

A maldade humana vinga-se do bem recebido

   Ante tanta benevolência, vemos o povo contente e reconhecendo autêntica e sinceramente estar ali, de fato, o Messias. Contudo, não de forma profunda, mas superficial e carente de raízes… Se hoje Jesus foi recebido com honras ― “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos Céus!” ―, dentro de alguns dias essa mesma multidão estará na praça, diante do Pretório, preferindo Barrabás Àquele que antes acolhera com regozijo, e gritando “Seja crucificado!”, como lemos no texto da Paixão.

   Por quê? Pelo ódio dos que não querem aceitar o convite para uma mudança de vida.

Não devemos colocar nossa esperança no mundo

   A Paixão do Senhor nos mostra, de maneira eloquente, o quanto é preciso pôr nosso empenho em servi-Lo, pouco nos importando se nos atacam ou nos elogiam, se nos recebem ou nos repudiam, mas, isto sim, se Lhe agradamos com a nossa forma de proceder.

   Ao sermos batizados nos comprometemos ― seja por nós mesmos, seja na pessoa de nossos padrinhos ― a renunciar ao demônio, ao mundo e à carne, e ficamos marcados pelo sinal do combate. Não firmamos, em nenhum momento, o propósito de nos apoiarmos no aplauso dos outros. Assim sendo, ao celebrar o Domingo de Ramos devemos nos lembrar dessas promessas de luta, que exigem da nossa parte a determinação de enfrentar todas as batalhas que tais inimigos, por nós rejeitados no Batismo, nos apresentarão. E isso significa, a exemplo de Jesus, aceitar e carregar a cruz depositada sobre nossos ombros pela Providência.

A Cruz: de sinal de ignomínia a símbolo de glória

   Sim, Ele é Rei, e está sentado em seu trono. Que trono é esse? A Cruz, sinal de ignomínia por constituir o pior castigo, o suplício mais horrível daqueles tempos No entanto. tão poderoso é este Rei que, posto nesse pedestal de humilhação, Ele o transforma em trono de glória! Hoje em dia, ostentar a Cruz ao peito é uma honra, e nos admiramos ao vê-la sobre as coroas dos reis, nas grandes condecorações ou no alto das catedrais e dos edifícios eclesiásticos: é a exaltação da Cruz!

   Ao levar nas mãos, hoje, a palma como símbolo de triunfo, devemos crer que no Juízo Final toda a maldade será julgada e, entrando na eternidade, a História ficará bem definida: ou o gozo da visão beatífica ou o fogo que arderá sem nunca se extinguir. Não há terceira possibilidade.

O valor da luta

   Contrariamente à quimera sugerida por certa mentalidade muito alastrada, não é possível abolir a cruz da face da Terra, pois, em geral, todo ser humano sofre. Apenas nas produções cinematográficas e demais fantasias do gênero ― coroadas sempre pelo happy end ― encontramos figuras irreais de pessoas imunes a qualquer incômodo físico ou moral, bem-sucedidas em todos os seus empreendimentos e sem dificuldades no convívio social, não havendo sequer os pequenos aborrecimentos e decepções do cotidiano.

   Por mais que se fundem hospitais, por mais que se abram creches ou se construam abrigos para idosos, a dor é nossa companheira e só deixará de existir no Paraíso Celeste. É imprescindível ao homem, portanto, compreender o verdadeiro valor do sofrimento, pois uma impostação equivocada perante ele leva alguns a caírem no abatimento; outros, a revoltar-se contra a Providência; outros — quiçá a maioria — a querer se esquivar de carregar a própria cruz, tentativa que, além de ser inútil, a torna mais pesada, acrescentando-lhe o ônus da inconformidade com a vontade de Deus, que conhece e permite cada uma de nossas angústias.

   Se nossa existência transcorresse sem a presença de obstáculos, seríamos como um botão de rosa que nunca houvesse desabrochado ou um bebê que não crescesse nem se desenvolvesse, e jamais atingiríamos a plenitude espiritual de um concidadão dos Santos e habitante do Céu. O sofrimento constitui-se, então, um meio infalível de preparação para contemplar a Deus face a face.

A glória comprada pelo sofrimento

   Reportando-nos ao início da celebração do Domingo de Ramos, vemos que se a entrada triunfal em Jerusalém precedia as humilhações da Paixão, esta, por sua vez, prenunciava a verdadeira glorificação de Jesus, conforme suas próprias palavras aos discípulos de Emaús, depois da Ressurreição: “Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?”

O combate do católico é sua glória

   A lição da Liturgia neste início de Semana Santa deve ser guardada na lembrança até o nosso último suspiro: somos combatentes! Não fomos feitos para apoiar aqueles que põem sua esperança no mundo, mas para defender Nosso Senhor Jesus Cristo.

   Nesta Semana Santa, unamo-nos a Nosso Senhor Jesus Cristo e façamos companhia a Nossa Senhora nas dores que ao longo dos próximos dias vão se descortinar diante de nossos olhos, com a certeza da glória que atrás delas espera para se manifestar.

Obra consultada: DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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