Conselhos e Lembranças – III
Sobre o trato com os irmãos
Tratar as almas com delicadeza
Durante sua doença, fez-se notar que a Irmã Santo Estanislau lhe dava sempre a roupa branca mais macia, escolhida com a mais delicada atenção, para aliviá-la um pouco. “Vede, disse-me, é preciso ter os mesmos cuidados para com as almas, muitas vezes não pensamos nisso e as ferimos. E por que? Porque então não as aliviar com a mesma caridade, a mesma delicadeza que os corpos? Pois algumas são doentes, muitas são fracas e todas sofrem. Que ternura deveríamos ter para com elas!”
Preparar a lamparina para o Menino Jesus.
Certa vez confiara-lhe um desgosto. Para encorajar-me, provando que ela não era insensível, contou-me que sendo segunda porteira, foi preciso, numa noite, preparar um lamparina para alguns parentes de uma das Irmãs que hospedaram-se na Portaria exterior do Carmelo. Era preciso procurar óleo, mecha, nada estava preparado. As Irmãs haviam se retirado às suas celas, as portas estavam trancadas.
“Foi para mim uma grande luta, confiou-me. Murmurei interiormente contra as pessoas e as circunstâncias, aborreci-me com as porteiras do exterior que me faziam trabalhar na hora do repouso, quando elas mesmas poderiam fazer este trabalho. Mas, de repente, fez-se luz em minha alma. Imaginei-me a serviço da Sagrada Família, em Nazaré, preparando esta lampadazinha para o Menino Jesus, e então, pus nisso tanto, tanto amor, que caminhei lepidamente, o coração transbordante de ternura. Desde então, acrescentou, empreguei sempre este meio que me ajudou maravilhosamente”.
Cuidado das doentes – Paciência e renúncia
Na enfermaria, onde trabalhei desde minha entrada no Carmelo, não havia ninguém gravemente doente, mas religiosas de saúde deficiente. Entre elas havia uma, atacada de anemia cerebral crônica, cheia de manias, que tornava o ofício de enfermeira um contínuo exercício de paciência. Esta doente tinha por princípio: “é preciso provar de propósito as noviças”. Por conseguinte, acontecia-me estar na outra extremidade do mosteiro e ser chamada pelo sino para lhe ouvir dizer: “Minha irmãzinha, distingo seu andar do de sua companheira.”
Uma vez, não podendo mais, cheguei banhada em lágrimas, junto a Irmã Teresa que me acolhei com ternura, consolou-me, encorajou-me. Vejo-a ainda sentada perto de mim, sobre um baú, apertar-me em seus braços. Contudo, era preciso voltar sempre a meu campo de batalha e muitas vezes me surpreendi a dar uma grande volta, para não passar sob a janela da enfermaria, porque, vendo-me nas proximidades, a Madre fazia-me sinal para prestar-lhe algum serviço supérfluo. Por vezes passava rapidamente, abaixando a cabeça para não ser vista e guardando no coração uma certa amargura.
Irmã Teresa do Menino Jesus que conhecia a situação e no fundo, desculpava-me de todo coração, disse-me numa dessas circunstâncias: “Deveríeis passar de propósito diante da enfermaria, afim de ser molestada e, quando tiverdes as mãos ocupadas e não puderdes parar, respondei com amabilidade e com ar alegre, como se vos prestassem um serviço, prometendo voltar”.
“O sino da enfermaria deveria ser para vós uma melodia celeste. Quanto mais vos chamam tanto melhor; deveríeis deseja-lo… Oh! vede, ter belos e santos pensamentos, escrever livros, biografias de santos não valem um ato de amor de Deus nem a ação de atender ao sino da enfermaria, que tanto vos atrapalha. Quando vos pedirem um serviço ou quando preencherdes vosso ofício junto às enfermas que não são agradáveis, é preciso considerar-vos como uma escravazinha em quem toda gente tem direito de mandar e que não pensa em queixar-se, pois é escrava.”
– Sim, mas muitas vezes, bem o sabeis, ocupam-me por bobagens e é então que me ferve o sangue!
– Compreendo bem quando isso vos custa, mas se vísseis os Anjos que vos olham na arena! Esperam o fim da luta para atirar-vos coras e flores, como se fazia outrora aos valentes cavaleiros. Visto que queremos ser pequenas mártires, compete-nos ganhar a palma! e não penseis que nossos combates sejam sem valor: “O homem paciente vale mais que o forte e o que domina sua alma vale mais do que aquele que conquista cidades (Prov.16, 32)”. Se eu devesse viver ainda, o ofício que mais me agradaria seria o de enfermeira.
Não o pediria, temendo que fosse presunção, mas se me dessem, acreditar-me-ia bem privilegiada. Oh! sim, como seria feliz, se me tivessem pedido. Talvez custasse à natureza, mas parece-me que agiria com muito amor pensando na palavra de Nosso Senhor: “Eu estava doente e vós me aliviastes”.
Recomendava-me com insistência que cuidasse das enfermas com amor, que não desempenhasse este ofício como outro qualquer, mas com todo cuidado e delicadeza, como se servisse ao próprio Deus. Todavia, após um dia de trabalhos penosos, parecia-me duro ir à noite, durante a hora de repouso, ou, após Matinas, levar algum alívio às Irmãs adoentadas. Queixava-me disso, e ela replicou:
“Agora sois vós que levais chicarazinhas à direita e à esquerda, mas um dia, no Céu, será Jesus “quem irá e virá para servir-vos” (Lc 12,37) 113-114
As peras feias
Passeando no jardim durante o recreio, mostrou-me uma árvore frutífera: “Olhai estas peras tão feias na aparência, são a imagem das Irmãs que vos desagradam. No outono, quando vos derem estas frutas , desembaraçadas dos corpos estranhos que as desfiguram vós as comereis com prazer, sem pensar que as desprezastes. Assim também, no último dia, vereis com admiração vossas Irmãs brilhando como grandes santas, livres de todas as suas imperfeições.
Fonte: “Conselhos e Lembranças”, recolhidos por Irmã Genoveva da Santa Face, Irmã e Noviça de Santa Teresa do Menino Jesus, e traduzidos pelas carmelitas descalças do mosteiro do Imaculado Coração de Maria e Santa Teresinha – Cotia – São Paulo – 1955, pág 109-118
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