Louva, Sião, o Salvador
Como nasceu a comemoração de “Corpus Christi”
A festa litúrgica em louvor ao Santíssimo Sacramento foi instituída em 1264 por Urbano IV. Ela deveria marcar os tempos futuros da Igreja, tendo como finalidade cantar a Jesus Eucarístico, agradecendo-Lhe solenemente pro ter querido ficar conosco até o fim dos séculos sob as espécies de pão e vinho. Nada mais adequado do que a Igreja comemorar esse dom incomparável.
Logo nos primeiros séculos, a Quinta-feira Santa tinha o caráter eucarístico, segundo mostram documentos que chegaram até nós. A Eucaristia era o centro e coração da vida sobrenatural da Igreja. Todavia, fora da Missa não se prestava culto público a esse sacramento. O pão consagrado costumava ficar guardado numa espécie de sacristia, e mais tarde lhe foi reservado um nicho num ângulo obscuro do templo, onde se punha um cibório em forma de pomba, suspenso sobre o altar, sempre tendo em vista a eventual necessidade de atender a algum enfermo.
Mas durante a Idade Média, os fiéis foram sendo cada vez mais atraídos pela sagrada humanidade do Salvador. A espiritualidade passou a considerar de modo especial os episódios da Paixão. Criou-se por isso um clima propício para que se desenvolvesse a devoção à Sagrada Eucaristia. O último impulso veio das visões de Santa Juliana de Monte Cornillon, uma freira agostiniana belga, a quem Jesus pediu a instituição de uma festa anual para agradecer o sacramento da Eucaristia. A religiosa transmitiu esse pedido ao arcediago de Liége, o qual, sendo eleito Papa 31 anos depois, adotou o nome de Urbano IV.
Pouco depois esse Pontífice instituía a festa de Corpus Christi, que acabou por se tornar um dos pontos culminantes do ano litúrgico em toda a Cristandade.
O “Lauda Sion”
A seqüência da Missa de Corpus Christi é constituída por um belíssimo hino gregoriano, intitulado Lauda Sion. Belíssimo por sua variada e suave melodia, e muito mais pela letra, ele canta a excelsitude do dom de Deus para conosco e a presença real de Jesus, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, no pão e no vinho consagrado.
A própria origem desse cântico é envolta no maravilhoso tipicamente medieval.
Urbano IV encontrava-se em Orvieto, quando decidiu estabelecer a comemoração de Corpus Christi. Estavam coincidentemente naquela cidade dois dos mais renomados teólogos de todos os tempos, São Boaventura e São Tomás de Aquino. O Papa os convocou, assim como a outros teólogos, encomendando-lhes um hino para a seqüência da Missa dessa festa.
Conta-se que, terminada tarefa, apresentaram-se todos diante do Papa e cada um devia ter sua composição.
O primeiro a fazê-lo foi São Tomás de Aquino, que apresentou então os versos do Lauda Sion.
São Boaventura, ato contínuo àquela leitura, queimou seu próprio pergaminho, não sem causar espanto em São Tomás que perguntou “por que”? O santo franciscano, com toda a humildade, explicou-lhe que sua consciência não o deixaria em paz se ele causasse qualquer empecilho, por mínimo que fosse, à rápida difusão de tão magnífica Seqüência escrita pelo dominicano.
Síntese teológica, em forma de poesia
Aquilo que São Tomás ensinou em seus tratados de Teologia a respeito da Sagrada Eucaristia, ele o expôs magistralmente em forma de poesia no Lauda Sion.
Trata-se de verdadeira pela de literatura, que brilha pela profundidade do conteúdo e pela beleza da forma, elevação da doutrina, acurada precisão teológica e intensidade do sentimento. O ritmo flui de modo suave, até mesmo nas estrofes mais didáticas. A melodia – cujo autor é desconhecido – combina belamente com o texto. A unção é inesgotável.
São Tomás se revela como filósofo e místico, como teólogo da mente e do coração, realizando sua própria exortação: “Seja o louvor pleno, retumbante, alegre e cheio do brilhante júbilo da alma“.
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LAUDA SION
1. Louva Sião, o Salvador, louva o guia e pastor com hinos e cânticos.
2. Tanto quanto possas, ouses tu louvá-lo, porque está acima de todo o louvor e nunca o louvarás condignamente.
3. É-nos hoje proposto um tema especial de louvor: o pão vivo que dá a vida.
4. É Ele que na mesa da sagrada ceia foi distribuído aos doze, como na verdade o cremos.
5. Seja o louvor pleno, retumbante, que ele seja alegre e cheio de brilhante júbilo da alma.
6. Porque celebramos o dia solene que nos recorda a instituição deste banquete.
7. Na mesa do novo Rei, a páscoa da nova lei põe fim à páscoa antiga.
8. O rito novo rejeita o velho, a realidade dissipa as sombras como o dia dissipa a noite.
9. O que o Senhor fez na Ceia, nos mandou fazê-lo em memória sua.
10. E nós, instruídos por suas ordens sagradas, consagramos o pão e o vinho em hóstia de salvação.
11. É dogma de fé para os cristãos que o pão se converte na carne e o vinho no sangue do Salvador.
12. O que não compreende nem vês, uma Fé vigorosa te assegura, elevando-te acima da ordem natural.
13. Debaixo de espécies diferentes, aparências e não realidades, ocultam-se realidades sublimes.
14. A carne é alimento e o sangue é bebida; todavia debaixo de cada uma das espécies Cristo está totalmente.
15. E quem o recebe não o parte nem divide, mas recebe-o todo inteiro.
16. Quer o recebam mil, quer um só, todos recebem o mesmo, nem recebendo-o podem consumi-lo.
17. Recebem-no os bons e os maus igualmente, todos recebem o mesmo, porém com efeitos diversos: os bons para a vida e os maus para a morte.
18. Morte para os maus e vida para os bons: vede como são diferentes os efeitos que produz o mesmo alimento.
19. Quando a hóstia é dividida não vaciles, mas recorda que o Senhor encontra-se todo debaixo do fragmento, quanto na hóstia inteira.
20. Nenhuma divisão pode violar as substâncias: apenas os sinais do pão, que vês com os olhos da carne, foram divididos! Nem o estado, nem as dimensões do Corpo de Cristo são alteradas.
21. Eis o pão dos Anjos que se torna alimento dos peregrinos: verdadeiramente é o pão dos filhos de Deus que não deve ser lançado aos cães.
22. As figuras o simbolizam: é Isaac que se imola, o cordeiro que se destina à Páscoa, o maná dado a nossos pais.
23. Bom Pastor, pão verdadeiro, de nós tende piedade. Sustentai-nos, defendei-nos, fazei-nos na terra dos vivos contemplar o Bem supremo.
24. Ó Vós que tudo o sabeis e tudo o podeis, que nos alimentais nesta vida mortal, admiti-nos no Céu, à vossa mesa e fazei-nos co-herdeiros na companhia dos que habitam a cidade santa.
Amém. Aleluia.
(Revista Arautos do Evangelho, Junho/2002, n. 06, p. 6 à 10)
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