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O Olhar Triste da Freira

Wilhelm_Emmanuel_von_Ketteler_1865

           Wilhelm  Emmanuel (Guilherme Manuel) Von Ketteler nasceu em Münster, na Alemanha, no dia de Natal de 1811. A família,  profundamente  católica e pertencente à aristocracia local, mandou‑o estudar no Colégio de Brig, na Suíça, dirigido pelos Padres da Companhia de Jesus. Terminados os estudos superiores, formou‑se em Direito chegando a exercer cargo de Notário. Um pouco esquecido dos exemplos dos pais e dos conselhos dos mestres, entregou‑se à vida despreocupada dos jovens do seu tempo.

            Dançava certa noite alegremente num baile quando viu no ar, por cima de si, um rosto de freira a fixá‑lo com semblante de magoada tristeza. Um estremecimento íntimo sacudiu todo o seu ser. O olhar triste daquela figura penetrou‑o até ao mais íntimo da sua alma sem, nunca mais o poder esquecer. Quem seria a freira? Que lhe queria dizer?

            Impressionado  com  aquela  visão, interrompeu bruscamente a dança, daí em diante não tornou a pôr os pés num baile. Invadiu‑o um sincero aborrecimento pelo mundo e seus prazeres.  Para  que  procurá‑los  se  não conseguiam encher as ânsias de felicidade do seu coração?

            Arrependido dos seus extravios, voltou-se sinceramente para Deus e, de novo, a paz raiou na sua alma.

           Nem sabia bem porquê mas desde o dia em que aquela figura estranha lhe apareceu no baile, nunca mais o abandonava a idéia de se fazer sacerdote. Rapaz rico e inteligente, portador de um título de barão, a quem o mundo sorria com mil encantos, resolveu deixar os caminhos fáceis do gozo para se entregar todo a Deus na vida sacerdotal.

           Em 1844, aos 33 anos de idade, Jesus Cristo, por meio do seu Bispo, fê‑lo participante dos divinos poderes e continuador da sua obra de Redenção das alma. Era sacerdote!

           Pouco depois, começou a ser Pároco, primeiro de Hopten, depois de Berlim. A sua ação pastoral obteve resultados tão maravilhosos na restauração religiosa das suas freguesias, e em tantas conversões, que o Papa Pio IX o nomeou em 1850 Bispo de Mogúncia.

Nada detém o novo Prelado.

         Sonhou reformar radicalmente a sua Diocese e transformou o sonho em realidade. Fundou seminários, casas de retiro, chama os religiosos  e  religiosas,  expôs,  realizou congressos e pregou a verdade por palavra e por escrito.

         Todos estes trabalhos não o impediam de tratar santamente do bem das almas. Cooperou na conversão de muitos protestantes, entre os quais a célebre escritora Ida Hahn-Hahn, de quem foi até a morte diretor espiritual. Como bom pastor, percorria constantemente a Diocese.

         Por tão extraordinário zelo e grandes qualidades, os historiadores apontam Dom Guilherme Manuel Von Kétteler como um dos maiores bispos de todo o século XIX.

          Certa  manhã  celebrou  Missa  num convento de freiras. Ao colocar a Hóstia Santa na boca duma religiosa, ficou espantado. Aquela freira velhinha parecia‑lhe a mesma, que mais de 30 anos antes, tinha visto de olhar magoado no célebre baile onde começou a sua conversão.  A rapidez própria da distribuição da Sagrada Comunhão e a modéstia da Irmã, não lhe permitiram fixá-la bem.

          Para melhor se certificar, pediu, no fim da Missa, à Superiora que lhe apresentasse todas as religiosas, pois tinha especial interesse em as conhecer.

          Daí a poucos instantes tinha diante de si a comunidade inteira. Com olhar interrogador, foi percorrendo, uma a uma, todas as Irmãs. Queria descobrir aquela que tanto o tinha impressionado na distribuição da Sagrada Comunhão. Mas não apareceu. Teria sido ilusão?

‑ Estão aqui todas as religiosas?

– Sim, estão.

‑ Não falta nenhuma?

 – Só a irmã cozinheira. É tão aplicada ao trabalho que pediu para ser dispensada de todas as visitas.

‑ Desejava conhecer também essa religiosa ‑ concluiu sorrindo o Prelado.

          A boa feira, muito velhinha, comparece, confundida na sua humildade. Mal o Bispo a viu, estremece e conclui para consigo: “Sem sombra de dúvida é esta mesma a religiosa que eu vi no baile”. Levado pela curiosidade pergunta‑lhe:

‑ Que faz a Irmã?

‑ Trabalho na cozinha há mais de 40 anos, mas agora as forças são muito poucas, Senhor Bispo.

‑ E não se interessa pelas almas?

– Ai, Senhor Bispo, gostaria de poder rezar muito mais do que rezo, mas os afazeres não mo permitem. Em compensação, ofereço todos os meus trabalhos e sofrimentos a Deus, pela Santa Igreja, pela conversão dos pecadores, pelo Santo Padre e pelo nosso Bispo. Todas as noites, durante uma hora, rezo e sacrifico‑me pelos rapazes inteligentes que Nosso Senhor chama para o sacerdócio, mas que, por causa dos prazeres do mundo, não querem ouvir a Sua voz.

“Aqui está o segredo de tudo!”, pensou o prelado. E pousando sobre a freira velhinha o seu olhar comovido, disse‑lhe com paternal carinho:

‑ Continue assim, minha Irmã. Talvez muitos sacerdotes e até mesmo algum bispo lhe devam a Vocação.”

         Quando todas as religiosas se afastaram, contou à Superiora:

– A hora em que a vi é precisamente a mesma em que ela reza e se sacrifica todos os dias pelos rapazes com vocação sacerdotal, mas que pela sua leviandade fecham os ouvidos ao chamamento divino. A ela devo certamente ser hoje sacerdote e Bispo. Benditas sejam as almas que, no silêncio dos conventos, rezam e se sacrificam pelo aumento de vocações e pela santificação dos Sacerdotes.

          Dom Guilherme Manuel Von Kétteler, alma do movimento social na Alemanha; precursor dos documentos sociais da Igreja; audaz renovador da vida religiosa; corajoso defensor dos católicos na perseguição de Bismarck, faleceu com 66 anos de idade.

          A história da sua conversão é tal qual aqui fica exposta, como ele próprio a relatou.

 (Fonte: Revista Cruzada, Portugal)

 

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