O Ermitão e o Ladrão
Em um êremo morava um virtuoso ermitão, ao qual se chegou um salteador de caminhos, dizendo‑lhe:
‑ Vós rogais a Deus por todos; rogai‑Lhe que me tire deste mau ofício que trago, senão hei de matar‑vos.
E indo dali tornava a fazer o mesmo que dantes e outra vez tornava a vir ao padre, dizendo:
‑ Vós não quereis rogar a Deus por mim, pois hei de matar‑vos.
Tantas vezes fez isto, que uma veio determinado para matar o padre, o qual lhe pediu e lhe disse:
‑ Já que me quereis matar, tiremos primeiro ambos uma lájea que tenho sobre minha sepultura e, morto, lançar‑me‑ás dentro sem muito trabalho.
Ele aceitou, e assim foram ambos erguer a lájea; porém, como o salteador trabalhava quanto podia por erguê‑la, assim trabalhava o padre ermitão porque não se erguesse, e desta maneira ambos não faziam mudança na lájea. Atentou o salteador no caso, e disse assim:
‑ E se vós não me ajudais, como posso eu erguê‑la? Que ainda que eu ergo da minha parte, vós fazeis da vossa com que não aproveite o que faço.
Antes que passasse adiante disse o ermitão:
‑ Eis aí, irmão, o que te digo. Que me presta a rogar a Deus por ti, pedindo‑lhe que te tire do pecado e mau ofício que trazes, se tu não te queres tirar e estás muito de propósito perseverando nele?
Fonte: Theophilo Braga, Contos tradicionais do povo português, pp. 63 66, volume II, 1ª edição, Magalhães e Moniz – Editores, Porto, Portugal.
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