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2º Domingo da Quaresma

   São Paulo declara aos coríntios ter sido arrebatado ao Céu, em certo momento de sua vida, onde ouviu o que era impossível transmitir e menos ainda explicar: “foi arrebatado ao Paraíso e lá ouviu palavras inefáveis, que não é permitido a um homem repetir” (II Cor 12, 4).
Esse é o Céu, “o fim último e a realização de todas as aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva”; e essa é a glória que transparece no Tabor, ao transfigurar-Se o Senhor.

Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha.

   O Divino Mestre se comprazia com o alto das montanhas, e ali procurava prodigalizar seus grandes mistérios.

   Nesse caso concreto, escolheu o Tabor talvez para simbolizar a necessidade de elevarmos nossos corações sobre as coisas deste mundo conforme as palavras de São Remígio: “Com isto o Senhor nos ensina que é necessário, para quem deseja contemplar a Deus, não se deixar atolar nos baixos prazeres, mas elevar a alma para as coisas celestiais, por meio do amor às realidades superiores.
Os comentários se multiplicam a propósito da razão de ter Jesus escolhido esses três Apóstolos para gozarem do convívio glorioso do Senhor. Um motivo claro e imediato salta logo aos olhos: estes veriam mais de perto as humilhações pelas quais passaria o Salvador. Como também era fundamental haver algumas testemunhas da glória de Jesus para sustentarem, na prova da Paixão, os Apóstolos em suas tentações.

E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o Sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz.

   No que terá consistido essa transfiguração? Evidentemente, não viram os Apóstolos a divindade do Verbo de Deus, inacessível aos olhos corporais. Viam apenas uma fímbria dos fulgores da verdadeira glória da humanidade sagrada de Jesus. É provável que fosse nada mais do que o dom da claridade da qual gozam os corpos gloriosos.

Nisto apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus.

   Esses dois grandes personagens aparecem na Transfiguração do Senhor, segundo nos assegura São João Crisóstomo, “para que se soubesse que Ele tinha poder sobre a morte e sobre a vida; por esta razão apresenta Moisés, que tinha morrido, e Elias, que ainda vivia”.

Então Pedro tomou a palavra e disse: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, e outra para Elias”.

   Pedro será confirmado em graça apenas em Pentecostes; até lá, sua loquacidade lhe confere o mérito da manifestação de fé na divindade de Jesus (cf. Mt 16, 16; Mc 8, 29; Lc 9, 20), ou o demérito da promessa temerária de jamais romper sua fidelidade (cf. Mt 26, 33-35; Mc 14, 29; Lc 22, 33; Jo 13, 37), ou da negação na casa do sumo sacerdote (cf. Mt 26, 69-74; Mc 14, 66-72; Lc 22, 55-60; Jo 18, 25-27). No Tabor, penetrado de desmedida alegria, deseja perpetuar aquela felicidade. Pedro não estava ainda suficientemente instruído pelo Espírito Santo para saber o quanto a Terra não era o ambiente para o gozo permanente. Não tinha noção de quanto as consolações são auxílios passageiros concedidos por Deus para nos estimular em seu serviço e a sofrer por Ele.

Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus todo meu agrado. Escutai-O!”

   Nas Escrituras Sagradas, aparece algumas vezes esta ou aquela nuvem para simbolizar a presença de Deus e sua teofania. Várias são as passagens do Êxodo em que elas são utilizadas como sinais sensíveis da manifestação divina: “apareceu na nuvem a glória do Senhor!” (16, 10); “E logo que ele acabava de entrar, a coluna de nuvem descia e se punha à entrada da tenda, e o Senhor se entretinha com Moisés. À vista da coluna de nuvem, todo o povo, em pé à entrada de suas tendas, se prostrava no mesmo lugar” (33, 9-10), etc.
Se bem que sejamos verdadeiros filhos de Deus, como nos assegura o salmista — “Eu disse: Sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo” (Sl 81, 6) —, nós o somos por misericordiosa adoção. O Filho de Deus por natureza é um só: “O Filho de Deus veio e nos deu entendimento e luz para conhecer ao verdadeiro Deus” (I Jo 5, 20).

Quando ouviram isto, os discípulos ficaram muito assustados e caíram com o rosto em terra.

   São Jerônimo procura nos explicar as razões desta queda dos Apóstolos: “Por três motivos caíram aterrorizados: porque compreenderam seu erro, porque ficaram envolvidos pela nuvem luminosa e porque ouviram a voz de Deus que lhes falava. E não podendo a fragilidade humana suportar tamanha glória, ela se estremece com todo o seu corpo e toda a sua alma, e cai por terra: pois o homem que não conhece sua medida, quanto mais queira elevar-se até as coisas sublimes, mais desliza até as baixas”.

Jesus Se aproximou, tocou neles e disse: “Levantai-vos, e não tenhais medo”.

   Além da onipotência de sua presença e de sua voz, Jesus quis tocá-los com sua própria mão. Esse fato nos faz recordar aquela passagem de Daniel: “uma mão me tocou, e fez com que me erguesse sobre os joelhos e as palmas das mãos” (10, 10). Tornou-se evidente para eles o quanto essa força partia de Jesus e não da natureza deles.

Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus.

   Desaparecem de seus olhos a Lei e os profetas. Agora entendem experimentalmente o quanto Jesus é o Esperado das Nações.

Quando desciam da montanha, Jesus ordenou-lhes: “Não conteis a ninguém esta visão, até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”.

   Até mesmo no alto do Tabor terminam as alegrias, como sempre ocorre nesta Terra de exílio. É necessário descerem do monte todos aqueles que, ademais, são chamados à vida ativa.
E não deviam dizer nada a ninguém, “porque se fosse divulgada ao povo a majestade do Senhor, este mesmo povo se oporia aos príncipes dos sacerdotes e impediria a Paixão, e assim se retardaria a Redenção do gênero humano”.

   “Sou demasiadamente grande, e meu destino por demais nobre, para que eu me torne escravo de meus sentidos”. Esta foi a conclusão à qual chegou Sêneca por mera elaboração filosófica, sem ter a menor revelação de algo análogo à Transfiguração do Senhor. No Tabor, Jesus Cristo vai muitíssimo além: em sua divina didática, faz-nos conhecer uma parcela de sua glória nos reflexos da claridade própria a seu Corpo após a Ressurreição. Pálida exemplificação do que veremos no Céu, como fruto dos méritos de sua Paixão, dos fulgores de sua visão beatífica e da união hipostática. Como objetivo imediato, quis Ele fortalecer seus discípulos para assumirem com heroísmo as tristes provações de sua Paixão e Morte, à margem da manifestação de sua divindade. Porém, não era alheio aos seus divinos desígnios deixar consignado para a História quais são as verdadeiras e reais alegrias reservadas aos justos, post mortem.

  No Tabor a voz do Pai proclama: “Escutai-O!”. Esta recomendação se dirige sobretudo a nós, batizados, pois somos filhos adotivos de Deus e, portanto, já passamos por uma imensa transformação quando ascendemos à ordem sobrenatural, deixando de ser exclusivamente puras criaturas

   Confiemos nessa promessa com base nas garantias da Transfiguração do Senhor e peçamos à Mãe da Divina Graça que bondosamente nos auxilie com os meios sobrenaturais a chegarmos incólumes, decididos e seguros ao bom porto da eternidade: o Céu.

  Obra consultada:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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