O vagabundo de Deus!

16 de Setembro de 2013

Em meio à neve, ouviu-se mais um tiro. Os trabalhadores param um instante, alguns homens tiram o chapéu e baixam a cabeça. De repente, ouvem um grito: “Ao trabalho!” Era mais um prisioneiro que morria nos trabalhos forçados.

Nos setenta anos que durou o regime comunista soviético (1917-1991), a Igreja daquela imensa região foi forçada a viver na clandestinidade, recordando o período das catacumbas.  Após a Segunda Grande Guerra, o regime comunista deportou muitos alemães que habitavam na região do Mar Negro e nas proximidades do rio Volga, levando-os a pequenos e miseráveis conjuntos de cabanas localizados nos montes Urais. Ali acabavam sua vida em meio aos trabalhos forçados.

De tempos em tempos, um homem surgia no acampamento, maltrapilho, com sacos na mão. Batia na porta de uma das barracas e aparentemente pedia comida. Algumas famílias o faziam entrar, outras o despediam logo após uma conversa. Curiosamente corria na rua o comentário: “O vagabundo de Deus chegou”.

Era o Padre Alexij Saritski, sacerdote ucraniano greco-católico. Vindo secretamente da cidade de Karaganda, no Cazaquistão, onde cumpria seu exílio, tinha em seu coração um único objetivo: levar o maior número de fiéis a receberem a Sagrada Comunhão. Para isso passava noites em claro atendendo – em segredo – os católicos que desejavam confessar-se para assim poderem comungar na Missa da manhã seguinte. Tal era o zelo de Pe. Alexij que seus fiéis chegavam a dizer: “Padre, o senhor precisa comer e descansar um pouco”. O sacerdote então respondia: “Não posso, porque os guardas podem descobrir-me de uma hora para outra, e muitas pessoas ficariam sem comungar por não terem confessado.”

Pe. Alexij Saritski

Noite adentro o bom sacerdote atendeu os penitentes e logo em seguida iniciou a celebração da Santa Missa. De súbito, ouviu-se o alerta de que a polícia estava chegando. Uma fiel, Maria Schneider, rapidamente saiu com o Pe. Saritski escondendo-o em um quarto. Maria então trouxe algo para o sacerdote comer e disse: “Agora o senhor poderá comer e descansar um pouco. À noite, fugiremos para uma cidade próxima”. Pe. Alexij estava com o semblante triste. Pensava em seu rebanho que, embora houvesse confessado, não tivera a oportunidade de comungar. A fiel então o consolou dizendo que todos de muito boa vontade fariam uma Comunhão espiritual, na esperança do retorno do sacerdote que traria – esperavam em breve – a Comunhão sacramental.

À noite, Maria Schineider deixou seus dois filhos com sua mãe e juntamente com Pulcheria Kock (tia de seu marido) fugiram com Pe. Saritski. Uma caminhada de doze quilômetros atravessando o bosque coberto de neve em uma temperatura de 30 graus abaixo de zero. Chegando à estação, compraram os bilhetes e ficaram na sala de espera, aguardando a chegada do trem. De repente, entra um guarda na sala e vai em direção ao sacerdote. E pergunta: “Aonde o senhor vai?”. Assustado, o padre não consegue responder nada. Foi Maria quem respondeu: “Este é um amigo nosso, estamos com ele, aqui está seu bilhete”. O soldado pegou o bilhete e disse: “Por favor, não entre no último vagão, porque será desatrelado do trem na primeira estação. Boa viagem”. Assim, despediu-se o Pe. Saritski, prometendo regressar o quanto antes para celebrar e ministrar a Comunhão a todos.

O povo de Krasnokansk teria de aguardar um ano até que o “vagabundo de Deus” pudesse retornar e celebrar. Após a Missa, Maria Schneider fez-lhe um ousado pedido: “Padre, o senhor poderia deixar-nos uma hóstia consagrada? Minha mãe está muito doente e gostaria muito de comungar antes de morrer”. O pedido foi atendido, e a filha pode administrar com o maior respeito a Sagrada Comunhão a sua mãe, usando luvas brancas e uma pequena pinça.

Mais tarde, em 1962, a família mudou-se para o Quirguistão. E Pe. Alexij as visitou secretamente celebrando Missa em sua casa, deixando uma hóstia consagrada com as senhoras para que, durante a adoração ao Santíssimo Sacramento, pudessem cumprir a devoção das nove primeiras sextas feiras do mês, em honra ao Sagrado Coração de Jesus. Eram convidadas pessoas de inteira confiança para estas adorações clandestinas. Ao fim dos nove meses, Pulcheria comungou a sagrada espécie e as demais senhoras comungaram espiritualmente. Este foi o alimento espiritual que sustentou na Fé não só aquelas mulheres, mas seus filhos e as gerações seguintes.

Em abril de 1962, Pe. Alexij Saritski foi preso e levado ao campo de concentração de Dolinks, próximo a Karaganda. Após muitos maus tratos e humilhações, o bem aventurado recebeu a coroa do martírio no dia 30 de outubro de 1963, sendo beatificado em 2001 por João Paulo II.

           Estes fatos, que narram intensa devoção eucarística e profundo desejo do pastor em santificar seu rebanho, foram escritos pelo filho de Maria Schineider, Dom Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Karaganda, no Cazaquistão, em seu livro “Dominus Est – Riflessioni di um vescovo dell’Asia Centrale sulla Sacra Comunione” editato pela Libreria Editrice Vaticana em 2008.

Por VDias