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Fui um torpedo humano – parte 2

–> Continuação…

            Já tínhamos deixado cartas de despedida escritas aos pais, às noivas, aos amigos, comunicando-lhes que íamos morrer pela Pátria e pelo Imperador. Até tínhamos encarregado alguém de deixar essa correspondência no correio.

            Em breve chegou até nós a terrível notícia, mais terrível que metermo-nos no torpedo para morrer. Era a madrugada do dia 15 de Agosto de 1945: a guerra tinha terminado. O império japonês estava vencido e pedia a paz. Mordi a língua de raiva e muitos dos meus companheiros choravam.

            Durante longo tempo os nossos corações ficaram invadidos pela sensação da derrota e do fracasso. Numerosos colegas não puderam suportar a idéia de o Japão ter ficado derrotado e acabaram suicidando-se. Para mim o mais impressionante e doloroso foi ouvir pela rádio a mensagem em que o imperador anunciava a todos os japoneses, que não era Deus, mas um homem como outro qualquer. Pareceu-me que tudo desmoronava à minha volta. A minha vida estava vazia de sentido. Por que andava eu a combater por um homem como os outros?

            Certo dia passei por acaso diante de um edifício em que entravam jovens sorridentes e alegres. Movido pela curiosidade, juntei-me a eles e entrei no recinto. As primeiras palavras que ouvi gravaram-se de tal modo na minha alma, que jamais as esqueci:

            “Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nasceu por nosso amor, amou-nos a tal ponto que deu a sua vida para nos salvar a todos”.

            Sem saber, tinha entrado pela primeira vez numa Igreja Católica, onde um sacerdote dirigia a palavra aos fiéis. Foi a primeira vez na minha vida que ouvi falar em Jesus Cristo.

            Eu estava para dar a vida por quem não era Deus, quando tinha sido salvo por um Deus que se fez homem. Compreendi um pouco o seu amor e pensei: “Por este Homem-Deus não havia eu de fazer nada?”

            Continuei a freqüentar aquela igreja para instruir-me na Fé Católica, até que falei com um sacerdote. A história de Jesus que nasceu pobre e morreu a amar e perdoar foi luz que iluminou a minha alma. Por misericórdia do Senhor recebi a Fé e fui batizado.

            Eu queria fazer alguma coisa grande por Jesus Cristo, como antes tinha desejado fazê-la pelo meu imperador.

            Hoje não sou só cristão, mas também sacerdote Católico. Convenci-me que só pelo sacerdócio me poderia entregar todo Àquele que tanto me amou e deu a sua vida por mim. Agora o meu ideal é trabalhar para que todos os meus irmãos japoneses recebam o benefício da fé e a felicidade eterna.

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Fui um torpedo humano – parte 1

            Pe. Ooki, S.J.

castelo japonês 2            Eu cursava o segundo ano da Universidade de Tókio quando estalou a guerra no Pacífico. Ardendo em mim o ideal de fazer alguma coisa grande pela minha pátria e pelo meu Imperador, ofereci-me como voluntário na frota dos submarinos.

            Inventaram então os torpedos humanos: potentes bombas guiadas por voluntários que dirigiam e faziam explodir esses engenhos mortíferos no casco dos navios inimigos. Como me dominava o ideal apaixonante de fazer o mais possível, alistei-me como voluntário na pequena frota desses torpedos suicidas.

            Nessa altura acreditava sinceramente que o Imperador do Japão era Deus e pensava que, morrendo ao seu serviço, receberia grande recompensa depois da morte.

            Cada dia, ao ouvir a lista dos nomes dos meus colegas que tinham dado a vida pela pátria e pelo Imperador na explosão dos torpedos, sentia dentro do meu peito incrível emoção e perguntava-me:

            – Quando chegará a hora em que eu entrarei num torpedo?

            Durante vários meses vi partir os meus companheiros que marchavam para aquela heróica e mortal aventura. Tinha-lhes inveja!

            Por fim,  ouvi o meu nome! Era chegado o dia do meu grande heroísmo e da minha recompensa para além da morte. Pela manhã soaram as sirenes avisando-nos que estivéssemos prontos para entrar em ação. Vesti o meu traje de escafandro e, antes de me sentar ao volante, lavei o rosto e refresquei a testa, porque queria estar plenamente consciente, sem sombra de enjôo, nos últimos momentos da minha vida. Contendo a respiração, esperava o sétimo minuto para ouvir o sinal de partida e lançar-me disparado para o mar e daí para a eternidade.

            Sucedeu então o imprevisto. As sirenes soaram longamente em toque de atenção. Com o meu nervosismo quase punha o motor em andamento e me lançava para a frente sem esperar a hora exata da partida. Contive-me, porém, continuando atento. O que eu ouvi não foi a ordem de marchar, mas uma contra ordem. Deixar os torpedos suicidas e voltar para o porto.

            Todos nós, os rapazes da morte, manifestamos ansiedade e contrariedade nos nossos olhares, perguntando uns aos outros: — Que foi isto? Por que essa  mudança tão repentina?

–> Continua no próximo artigo!

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