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A iniquidade muda-se em inocência

   26 de Dezembro de 2014

    Após ser introduzido o homem no Paraíso, foram-lhe outorgados inúmeros benefícios, decorrentes de sua santidade e inocência originais. Contudo, toda essa ordem e harmonia, reinantes em uníssono com o esplendor interior de Adão, foram rompidas com o pecado. A desobediência acarretou para si e para toda a sua posteridade graves consequências. O que faria Deus, uma vez que criaturas suas pereciam e as obras divinas precipitavam-se na ruína?

    “Doente, nossa natureza precisava ser curada; decaída, ser reerguida; morta, ser ressuscitada. Havíamos perdido a posse do bem, era preciso no-la restituir. Enclausurados nas trevas, era preciso trazer-nos à luz; cativos, esperávamos um salvador; prisioneiros, um socorro; escravos, um libertador. Essas razões eram sem importância? Não eram tais que comoveriam a Deus a ponto de fazê-lo descer até nossa natureza humana para visitá-la, uma vez que a humanidade se encontrava em um estado tão miserável e tão infeliz?[1]”.

    Pelo seu amor incomensurável, Deus enviou Seu próprio Filho para salvar a Humanidade… por meio da cruz. Acercando-nos do presépio encontramos um Menino envolto em faixas e reclinado numa manjedoura. Ao seu lado, Maria Santíssima e São José. Para seu aconchego, um boi e um burro. Comodidade: nenhuma. Nasceu em extrema pobreza e no completo olvido daqueles que detinham os poderes do mundo. Entretanto, este mesmo menino, na aparência tão frágil, marcaria o rumo da História e o destino da Humanidade. Ele, o Verbo Eterno do Pai, de invisível, faz-se visível; de Senhor, escravo. Amou-nos de tal forma que nasceu no tempo aquele que criou os tempos; e o que era mais antigo que o mundo, foi menor em idade que muitos de seus servos.

    Em meio às festividades dessa esplendorosa a noite de Natal, a liturgia celebra: “Oh! Magnum mysterium!” Que mistério? O mistério do amor divino. Para livrar o homem da morte eterna, Deus se faz homem, de tal maneira revestindo-se de nossa pobreza, que permanecendo como era e assumindo o que não era, uniu a verdadeira forma de servo àquela outra forma pela qual é igual a Deus. Ajuntando tudo numa só Pessoa, a majestade é tomada pela humildade; a fortaleza, pela debilidade; a eternidade, pela mortalidade, e, para pagar a dívida de nossa condição, uma natureza inviolável é unida a uma natureza passível; um Deus verdadeiro e homem verdadeiro se condensa num só Senhor, Jesus Cristo, por amor aos homens e em resgate de todos.

    Sobrepujando tanta maravilha, com o nascimento de Nosso Senhor somos engendrados sobrenaturalmente. “Nascendo como homem verdadeiro, deu origem em si a uma nova geração, e com a forma de seu nascimento deu princípio espiritual ao gênero humano… por meio de um nascimento sem semente de pecado para os regenerados; dos quais se diz ‘não nascerem do sangue, nem do querer da carne, nem da vontade, senão que nascem de Deus (Jo 1,13)’[2]”. A iniquidade muda-se em inocência; os estranhos passam a ser adotados, e os forasteiros entram a tomar parte da herança. De ímpios começam a nascer justos, de terrenos se fazem celestiais. Com precisão afirma São Leão Magno: “que dignidade de nossa natureza, que, corrompida em Adão, foi reformada em Cristo!”.

    Nessa atmosfera festiva em que o Natal nos proporciona, nossas almas são convidadas a impostar-se à altura concernente a tamanha sublimidade, com os horizontes grandiosos que a Redenção nos traz. Mais que uma preparação exterior, com seus aspectos físicos e materiais, faz-se mister um recolhimento interior bem levado, para que o Menino Jesus, nascendo liturgicamente, possa nascer também em nosso templo interior, com profícuos frutos de graça e santidade.

Por Raphaela Thomaz In: Jornal do Estudante Chez Nous


[1] São Gregório de Nissa

[2] São Leão Magno

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