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5º Domingo do Tempo Comum

   Ao estudar a vida pública de Nosso Senhor Jesus Cristo, podemos comprovar a existência de um plano de apostolado muito bem traçado, lógico e coerente. Depois de quase trinta anos de vida oculta e da primeira fase de sua vida pública, chegado o momento de começar as suas mais importantes pregações, devia o Salvador escolher um centro estratégico a partir do qual anunciaria aos homens o Reino de Deus.

   Deixando a cidade de Nazaré, foi habitar em Cafarnaum. Situada ao leste da Galileia, nas terras que haviam pertencido às tribos de Zabulon e Neftali, a cidade contava, nos tempos evangélicos, entre 15 e 20 mil habitantes, e constituía o núcleo comercial dos arredores. Aos seus pés, o Lago de Genesaré. Cafarnaum encontrava-se em um lugar particularmente fecundo —, que serviria como fonte de inspiração das belas parábolas do Divino Mestre.

   Na área abarcada pela pregação de Jesus se levanta uma colina verdejante. Ele, “vendo as multidões” que tinham chegado de toda parte à sua procura, subiu a essa montanha e pronunciou seu mais sublime sermão, síntese de todos os seus ensinamentos.

   Contradizendo de modo frontal as máximas e os costumes vigentes em sua época, nas oito Bem-aventuranças o Divino Mestre prega “aos avarentos a pobreza, aos orgulhosos a humildade, aos voluptuosos a castidade, aos homens do ócio e do prazer o trabalho e as lágrimas da penitência, aos invejosos a caridade, aos vingativos a misericórdia e aos perseguidos as alegrias do martírio”. Não sem razão receberam estas Bem-aventuranças o título de “Carta Magna do Reino de Deus”.

   Logo depois de proclamá-las solenemente, Jesus vai Se dirigir sobretudo aos Apóstolos e discípulos, utilizando uma linguagem muito expressiva para lhes indicar as qualidades necessárias ao cumprimento de sua missão. E o faz diante de todos, de modo a tornar manifesta a obrigação daqueles mais chamados a guiar, ensinar e santificar os fiéis.

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Vós sois o sal da terra”.

   Foi o sal sempre muito apreciado e valorizado pela humanidade, por ser bom conservante dos alimentos e por realçar o seu sabor. No Império Romano o pagamento aos soldados era feito com ele ou também se destinava uma quantia em dinheiro para sua aquisição, originando o termo salário. 

   Ao afirmar: “Vós sois o sal da terra”, Nosso Senhor declara que seus discípulos — ou seja, todos os batizados — devem enriquecer o mundo propiciando um novo sabor ao convívio humano, evitando a brutalidade e a corrupção dos costumes.

   “Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos? Ele não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens”.

   Para bem compreendermos o que o Salvador nos quer ensinar com esta figura, podemos imaginar uma matéria neutra, semelhante à areia branca, finíssima, que ao ser objeto de um influxo passasse a ser sal. Ela salgaria porque transmitiria uma propriedade que não pertence à sua natureza, mas lhe foi infundida. Ora, se esse sal se tornasse insosso, voltaria a ser o que era antes, ou seja, areia!

   De modo análogo, pelo Sacramento do Batismo, que nos confere a graça santificante, somos elevados da ordem natural à ordem sobrenatural, e recebemos uma como que capacidade salífera para dar um novo sabor à existência e fazer bem aos outros. Todavia, o discípulo que perde a vida da graça e renuncia a ser “o sal da terra”, “não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens”.

 “Vós sois a luz do mundo”.

   Jesus nos convida exatamente a participar de sua própria missão, a mesma que fora proclamada pelo velho Simeão no Templo, quando, tomando o Menino Deus nos braços, profetizou que Ele seria “luz para iluminar as nações”

   Neste mundo imerso no caos e nas trevas, pela ignorância ou pelo desprezo dos princípios morais, os discípulos de Jesus  devem, com o auxílio da graça e o bom exemplo, iluminar e orientar as pessoas, ajudando-as a reavivar a distinção entre o bem e o mal, a verdade e o erro, o belo e o feio, apontando o fim último da humanidade: a glória de Deus e a salvação das almas, que acarretará o gozo da visão beatífica.

    Para que isso se concretize, a condição é sermos desprendidos e admirativos de tudo o que no universo é reflexo das perfeições divinas, de modo a sempre procurarmos ver o Criador nas criaturas.

“Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um monte”.

   Relativamente próxima do monte das Bem-aventuranças se eleva a cidade de Safed, situada a cerca de mil metros de altitude. Supõe-se, então, que Jesus tenha feito alusão a ela nesta passagem, utilizando uma imagem familiar a todos os presentes. Ao mencionar a impossibilidade de permanecer oculta uma cidade com essas características, Nosso Senhor chama a atenção para a visibilidade de todas as ações do homem, a fortiori se ele recebeu uma missão especial de Deus: “fomos entregues em espetáculo ao mundo, aos Anjos e aos homens”. Nesse sentido, nada no agir humano é neutro, e tudo o que fazemos repercute no universo em benefício ou prejuízo das demais criaturas. Por conseguinte, temos a obrigação de irradiar o bem, pela palavra e pela vida.

“Ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim, num candeeiro, onde ela brilha para todos os que estão na casa”.

   Postas em lugar alto para melhor difusão da luz, as lâmpadas de azeite, naquela época, eram em geral feitas de argila, sendo dotadas de dois orifícios: um para o azeite e outro para o pavio. A linguagem do Divino Mestre, como sempre, é ao mesmo tempo simples e muito cogente, e o exemplo não poderia ser mais significativo, pois só um insensato ocultaria uma lâmpada acesa debaixo de um alqueire — vasilha para medir cereais — ou de uma cama, onde, além de ser totalmente inútil, correria o risco de provocar um incêndio.

“Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos Céus”.

   Como lâmpadas a reluzir na escuridão, Nosso Senhor quer que os cristãos iluminem os homens com suas boas ações. Isto é, o bem precisa ser proclamado sem respeito humano e aos quatro ventos, num mundo que estadeia a luxúria e o ateísmo.

   Ao se encontrar em um ambiente hostil, o bom muitas vezes tende a se encolher, a se intimidar, quase se desculpando por não ser dos maus… o que é absurdo! Pelo contrário, devem a verdade e o bem gozar de plena cidadania, onde quer que seja.

   “Sejam os cristãos no mundo aquilo que a alma é no corpo”. Por isso, é necessário não ter receio de proclamar por toda parte a nossa Fé, a nossa vocação, a nossa determinação de seguir a Cristo. Expressivo nesse sentido é o célebre episódio da vida de São Francisco de Assis, ao convidar frei Leão para acompanhá- lo a uma pregação. Os dois simplesmente andaram pela cidade, imersos em sobrenatural recolhimento, e retornaram ao convento sem dizer uma palavra. Ao ser indagado acerca da pregação, o Santo respondeu ter ela sido realizada pelo fato de dois homens se mostrarem de hábito religioso pelas ruas, guardando a modéstia do olhar. É o apostolado do bom exemplo.

   Se isso era válido para o século XIII, quanto mais o será para os nossos dias! Por tal razão, sentimo-nos nós, Arautos do Evangelho, motivados ao uso cotidiano de nosso característico hábito: envergando-o sem respeito humano e manifestando de forma pública nossa inteira adesão à Santa Igreja, pomos em prática o mandato de Jesus.

   O Evangelho de hoje expressa com muita clareza a obrigação de cuidarmos de nossa vida espiritual não só pelo desejo da salvação pessoal.

   Nosso Senhor nos quer santos também com vistas a sermos sal e luz para o mundo! Enquanto sal, devemos empenhar- nos em fazer bem aos demais, pois temos a responsabilidade de lhes tornar a vida aprazível, sustentando-os na fé e no propósito de honrar a Deus.

   E seremos luz na medida  em que nos santificarmos, pois ensina a Escritura: “O olho é a luz do corpo. Se teu olho é são, todo o teu corpo será iluminado” (Mt 6, 22). Deste modo, nossa diligência, aplicação e zelo no cumprimento dos Mandamentos servirá ao próximo de referência, de orientação pelo exemplo, fazendo com que ele se beneficie das graças que recebemos. Assim, seremos acolhidos por Nosso Senhor, no dia do Juízo, com estas consoladoras palavras: “Em verdade Eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim mesmo que o fizestes!”

   Em última análise, tanto o sal que não salga quanto a luz  que não ilumina são o fruto da falta de integridade. O discípulo, para ser sal e para ser luz, deve ser um reflexo fiel do Absoluto, que é Deus, e, portanto, nunca ceder ao relativismo, vivendo na incoerência de ser chamado a representar a verdade e fazê-lo de forma ambígua e vacilante. Procedendo desta maneira, nosso testemunho de nada vale e nos tornamos sal que só serve “para ser jogado fora e ser pisado pelos homens”. Quem convence é o discípulo íntegro que reflete em sua vida a luz trazida pelo Salvador dos homens.

  Peçamos, pois, à Auxiliadora dos Cristãos que faça de cada um de nós verdadeiras tochas que ardem na autêntica caridade e iluminam para levar a luz de Cristo até os confins da Terra.

 Obra consultada:  DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol VII, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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