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3º Domingo do Advento – Domingo Gaudete

Naquele tempo, João estava na prisão

João Batista, varão íntegro que recentemente abalara Israel com sua pregação e exemplo de vida, havia sido preso. Em sua retidão, o Precursor dissera algumas verdades ao rei Herodes Antipas que, escravo das próprias paixões, era dominado por uma concubina, a esposa de seu irmão Filipe  e, por isso, o tirano resolvera prendê-lo.

Quando ouviu falar das obras de Cristo, enviou-Lhe alguns discípulos, para Lhe perguntarem: “És Tu, Aquele que há de vir ou devemos esperar um outro?”

Que acontecimentos teriam levado o Precursor, já no cárcere, a mandar seus discípulos fazerem esta pergunta ao Divino Mestre? Antes de aventar qualquer hipótese, tenhamos presente que ele é um Santo, considerado por Nosso Senhor como o maior homem nascido até aquele momento. Logo, não se trata de uma incerteza sobre a identidade de Cristo, que já fora apresentado por ele em termos claríssimos: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29); “Depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-Lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; Ele, porém, vos batizará no Espírito Santo” (Mc 1, 7-8). João Batista sabia perfeitamente quem era Jesus, e não precisava de qualquer explicação.

Ele já estava extenuado pelas vãs tentativas de convencer seus discípulos, que insistiam numa concepção política a respeito do Messias. Anelavam um rei humano que ascendesse ao trono de Israel e desse força ao seu povo. Conforme iam acompanhando o ministério de Nosso Senhor Jesus Cristo tomavam-se de insegurança, porque Ele era um Homem capaz de fazer milagres estrondosos, embora não Se pronunciasse em matéria de política e pregava o advento de um misterioso Reino de Deus que não parecia ser deste mundo. Instigados pela inveja, custava-lhes acreditar que Aquele fosse o Cristo, por não corresponder às suas expectativas e ao modelo por eles idealizado.

O Evangelista frisa: “Quando ouviu falar das obras de Cristo”, indicando que São João discernira ser a hora apropriada para enviá-los, dada a forte impressão causada pelos milagres de Jesus. É no teor da pergunta que fica consignado o fato de ansiarem por um Messias segundo outros padrões: “És Tu, Aquele que há de vir ou devemos esperar um outro?”.

Jesus respondeu-lhes: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados”.

 

Sua afirmação oferecia elementos para que eles compreendessem a verdade por si, como se dissesse: “Analisem o que acontece, vejam as minhas obras e as suas consequências, e em função disso tirem conclusões. Quem vê todos os prodígios que Eu faço e não acredita que sou o Messias, não tem inteligência”.

“Feliz aquele que não se escandaliza por causa de Mim!”

Por fim, Nosso Senhor completa a resposta com estas palavras, sinal claro de que os discípulos de João Batista não aceitaram bem a mensagem e estavam com inveja da graça fraterna. Ao invés de se alegrarem por comprovar que outro fora favorecido pela benevolência de Deus, numa manifestação patente de seu poder, veem na Pessoa de Jesus uma sombra projetada sobre si mesmos.

Também para os Doze aquele Messias não correspondia ao que pretendiam e se escandalizavam. Por isso Nosso Senhor afirma: “Feliz aquele que não se escandaliza por causa de Mim!”, ou seja, “Feliz aquele que, apesar de o mundo defender que a alegria se obtém de outra forma, sabe que ela está na cruz!

Os discípulos de João partiram, e Jesus começou a falar às multidões sobre João: “O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem roupas finas estão nos palácios dos reis. Então, o que fostes ver? Um profeta? Sim, Eu vos afirmo, e alguém que é mais do que profeta. É dele que está escrito: ‘Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de Ti’”.

Em seguida partiram os discípulos de João, sem que o Evangelho registre se reconheceram Jesus como Messias ou não. Contudo, as palavras de Nosso Senhor são uma proclamação evidente de sua identidade, pois Ele evoca as profecias e prova que as está cumprindo.

Após a saída deles, Jesus passa a falar sobre aquele que está encarcerado, elogiando-o por não ser um caniço agitado pelo vento uma pessoa inconstante , mas um homem firme, inabalável e íntegro, semelhante a uma torre ou uma rocha.

Nosso Senhor quer ainda mostrar que a grandeza de João vai muito além de sua condição de profeta. É o que comenta São João Crisóstomo: “Em que, pois, é maior? No fato de estar mais próximo d’Aquele que tinha vindo. […] Assim como numa comitiva régia os que se encontram mais próximos à carruagem real são os mais ilustres entre todos, assim João, que aparece momentos antes do advento do Senhor. Notai como por causa disso [Jesus] declarou a excelência do Precursor”.

“Em verdade vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele”.

À primeira vista este versículo parece incompreensível, pois como pode o maior dentre os já nascidos ser o menor quando comparado aos habitantes do Reino dos Céus? Aqui Nosso Senhor Se refere a duas etapas e, portanto, a dois diferentes nascimentos. São João Batista recebeu a vida da graça no claustro materno de Santa Isabel, pelos efeitos da voz de Nossa Senhora, e nasceu sem pecado original. Nessa perspectiva, é o maior, uma vez que nenhum outro teve o privilégio de ser batizado dessa sublime maneira. Porém, para entrar no Céu faz-se necessário nascer para a eternidade, e tão mais importante é o Reino Eterno que o mais elevado dos homens deste mundo torna-se pequeno perto dos justos que já gozam da visão beatífica. É o que defende São Jerônimo: “todo santo que já está com Deus é maior do que o que ainda se encontra em batalha. Pois uma coisa é possuir a coroa da vitória e outra estar ainda lutando na linha de combate”.

A Liturgia deste domingo nos convida à alegria, mostrando o rumo para alcançá-la. O contraste entre os protagonistas da cena de hoje é notório: enquanto São João está no cárcere e se submete a este padecimento com plena resignação, animado pela felicidade de ser íntegro e cumprir seu chamado, os discípulos veem-se privados dessa felicidade pela inveja que os consome. Semelhante amargura acompanha Herodes Antipas, escravizado por suas paixões.

A alegria, então, onde está? Na loucura da Cruz. “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-Me” (Mt 16, 24).

Com efeito, o problema do sofrimento não está tanto naquilo que o ocasiona, mas no modo como é suportado. Ele existe em todas as situações da vida e pede de nossa parte o ânimo que esta Liturgia apresenta, do qual Maria Santíssima é modelo. Ela aceitou todos os padecimentos que se abateriam sobre seu Divino Filho e Se dispôs a dar seu contributo ao sacrifício redentor, pois queria a salvação de todos.

Feito para pertencer a Nosso Senhor Jesus Cristo, o ser humano se realiza na medida em que assume com seriedade sua condição de batizado, membro da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, dando passos adiante na prática da virtude e na busca da santidade. Quanto mais avançamos nessa via, maior é a alegria que nos invade, assim como o desejo de progredir ainda mais.

Consideremos de frente nosso destino eterno enquanto esperamos a vinda do Salvador. Na noite de Natal Ele nascerá de novo, misticamente, e se aplicarmos em nossas vidas a lição desta Liturgia nascerá também em nossos corações, onde encontrará uma digna pousada para Se recolher.

Obras consultadas:

DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol I, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013

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